ABORDAGEM ARTESANAL, CRÍTICA E PLURAL / ANO 16

América do Sul, Brasil,

quarta-feira, 22 de novembro de 2023

A sociologia escolar pulsa

Bernardo Caprara
Sociólogo e Professor

Quando Darcy Ribeiro e Anísio Teixeira pensaram o projeto pedagógico da UnB, seu objetivo era uma universidade integrada, flexível e democrática. Apesar dos descaminhos da História, penso que não haveria lugar melhor para o I Congresso Internacional do Ensino das Ciências Sociais (CIECS), realizado entre os dias 7 e 10 de novembro de 2023.

Não bastasse a inspiração desses gigantes da educação brasileira na instituição sede, o evento materializou o crescimento e a pujança da sociologia escolar no Brasil. Organizado pelo Laboratório de Ensino de Sociologia Lélia Gonzalez, sob coordenação do Prof. Marcelo Cigales, reuniu excelentes trabalhos nacionais e internacionais, tematizando as principais questões da interface entre sociologia, antropologia, política e escola básica.

Venho defendendo que o conhecimento, antes de qualquer coisa, é feito de, com e por pessoas envolvidas e atentas em práticas diversas. É vida em estado puro. Enquanto caminhava pelos corredores do campus, a vida pulsava na aula de Matemática; no laboratório de Física apinhado de estudantes; no congresso das Sociais; nas aulas de dança nos corredores; nas aulas de canto com jovens e crianças num auditório qualquer; nas conversas entre cafés, risadas e conceitos; nas amizades banhadas por diferentes sotaques; nos esportes jogados no saguão.

Foram dias para rever e fazer amizades queridas. Se o cenário nesses tristes trópicos vem sendo marcado por autoritarismo e genocídio, de geração em geração a gente vem resistindo e existindo. Aprendendo a resistir e existir com amor e fúria, à contrapelo das dominações. Com a potência de quem não se entrega, seja no Norte, no Nordeste, no Centro-Oeste, no Sudeste ou no Sul. Afinal, como diz o poeta Sérgio Vaz, enquanto eles capitalizam a realidade, nós socializamos os nossos sonhos.
 

terça-feira, 19 de setembro de 2023

Fazer uma fogueira

Bernardo Caprara
Sociólogo e Professor

A última semana do semestre letivo na universidade foi acompanhada do meu credenciamento como docente do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da UFRGS. Teve também reunião da Residência Pedagógica em dia de dilúvio e quatro bancas de TCC, sendo três de trabalhos que eu orientei. Uma correria louca, cheia de aprendizados.

A última atividade da semana, a última banca, foi uma síntese de como venho procurando praticar a docência e a educação. Foi um momento acadêmico tomado pela emoção. Um acontecimento bonito, feito de significados, sabedorias, sensibilidades e experiências. Uma troca entre pessoas, na qual o ato de conhecer se fez vivo e pulsante.

A educação na modernidade ocidental tem se caracterizado por ser um processo de acúmulo de conhecimentos. Transmitimos ou inculcamos em aprendizes o que foi produzido pela humanidade durante séculos. A escola e a universidade são as instituições exemplares dessa concepção dominante, baseada numa espécie de monorracionalidade.

Apesar da sua relevância, essa abordagem carrega limitações. Educar é muito mais do que isso. Não se resume a levar informações "para dentro". O conhecimento pulsa quando leva as pessoas "para fora", para habitar com atenção o mundo em que vivem. Quando ajuda a caminhar pelos labirintos da existência, experimentando percursos menos "intencionais" e mais "atencionais".

O antropólogo Tim Ingold, cuja obra inspira essa perspectiva, cita a imagem de que educar não é como encher um balde, mas é como fazer uma fogueira. Não se sabe como vai ser. Sempre há riscos. Porém, pode ser chama e potência. É redescobrir a vida em fluxo. Até porque, olhar para o mundo só a partir do conhecimento acumulado pode fazer com que se veja apenas o próprio conhecimento, e não o mundo.
 

 

terça-feira, 25 de julho de 2023

bell hooks e o ensino de ciências sociais (evento online)

 
O Laboratório Virtual e Interativo de Ensino de Ciências Sociais (LAVIECS/UFRGS), o Programa de Residência Pedagógica em Sociologia (PRP/UFRGS) e a disciplina de Sociologia no Ensino Médio: Teoria e Prática, do currículo da licenciatura em Ciências Sociais da UFRGS, apresentam o evento online "bell hooks e o ensino de ciências sociais".

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sexta-feira, 16 de junho de 2023

Uma centelha para o conhecimento

Bernardo Caprara
Sociólogo e Professor

Difamando o frio intenso do quase inverno ao sul do mundo, olho pela janela do trabalho algumas pessoas gargalhando. Ainda há quem sorria na Universidade. Então, do nada, eu mesmo me pego sorrindo e divagando: e se a alegria e o entusiasmo fossem a centelha que mobiliza o cotidiano da produção e da circulação de conhecimento?

Pensando bem, os fatos objetivos me dão um banho de água congelante, porque revelam um cenário assustador. Qualquer pessoa que conversa com estudantes, especialmente com quem está na pós-graduação, percebe em muita gente que algo não vai bem. Percebe o desânimo, a ansiedade e diferentes adoecimentos. Em alguns casos, também entre docentes esses são sentimentos corriqueiros.

Vale a reflexão sobre como o jogo acadêmico e suas métricas do produtivismo ensandecido e do prestígio como principal recompensa tendem a desencantar a relação com o saber. O excesso de pressão e de vaidade, o exercício de micro poderes e os assédios variados minam um terreno que deveria ser sempre fértil para bons processos pedagógicos e boas pesquisas científicas.

A falta de sensibilidade e acolhimento por parte de ocupantes de posições superiores nas hierarquias acadêmicas é um tiro no pé de todos nós. Funciona como um veneno que vai fazendo com que excelentes estudantes tomem asco do ambiente universitário. Fomenta o anunciado apagão de professoras e professores e a debandada de cientistas para outros países. Uma política pública robusta de financiamento educacional e científico é para ontem.

Não menos importante é o aspecto econômico que atravessa todo o contexto. As e os estudantes de graduação, em geral, estão sem grana e se viram para se sustentar enquanto estudam. Na pós-graduação stricto sensu, muita gente está sem bolsa de pesquisa. Por isso, precisa conciliar a demanda de leituras e tarefas (por vezes um troço sem noção) com o trabalho em turno integral.

Há quem diga que é assim mesmo, e que esse é o preço a se pagar pela excelência. Isso é uma falácia. É possível ser rigoroso e acolhedor, ao mesmo tempo. Corrigir sem humilhar. Estimular o envolvimento e o engajamento, ao invés de ironizar o outro ou se afogar na própria vaidade. Competir menos e cooperar mais. E têm muitas pessoas fazendo dessa forma, buscando esse caminho. Afinal, sem estudantes a Universidade não faz nenhum sentido.

 

sexta-feira, 14 de abril de 2023

Educação e uma sociologia viva

Bernardo Caprara
Sociólogo e Professor

Na quarta passada terminaram as aulas da disciplina de teoria sociológica que eu lecionei nesse semestre, na universidade em que trabalho. Eu queria ter escrito ontem sobre o quão incrível foi aprender e ensinar com essa turma fora de série, mas a vida me atropelou e eu fui tomado por mais uma das tretas do cotidiano docente.

Ao conseguir respirar fundo, voltei a lembrar das noites de encontros agitados que começaram na véspera da morte da minha mãe. Têm coisas na vida que não se explicam, apenas são como são. Acabei revivendo meus quase 14 anos de docência. Durante esse período, tive muitas turmas nas quais se formou uma comunidade de aprendizagem engajada em praticar com atenção as diversas atividades propostas por mim, o praticante mais experiente. Considero isso uma baita alegria, porque nem sempre rola.

Com essa galera, agora, nesse 2022/2, a gente experimentou a sensação de que a educação é, sim, uma possibilidade real - mesmo nestes tristes trópicos. Finalizamos nossa jornada coletiva buscando entender a nossa própria história e a realidade social em que estamos inseridos, a partir dos conceitos e teorias que estudamos. Só que isso foi apenas uma parte do que aconteceu conosco. Sinto que construímos, texto após texto, aula após aula, troca após troca, saberes e conhecimentos que podem servir como energia para ajudar a encantar e dar sentido às nossas vidas.

Em tempos de tentativas de sequestro do futuro por parte do extremismo de direita, com suas armas e políticas de morte, a gente propôs vida, alegria, envolvimento e sabedoria. Contra a precariedade da existência e também o elitismo, rejeitamos a máquina de moer gentes e seus fanáticos e capangas. Oferecemos acolhimento e sensibilidade a quem se fez presente na experiência pedagógica. Juntos, misturados, coloridos, diversos, dispostos a somar, compreender e dialogar. Fizemos uma sociologia viva.