quinta-feira, 23 de dezembro de 2010
Maria da Conceição Tavares na TV Senado
sexta-feira, 17 de dezembro de 2010
O calvário do controle da inflação
Há 16 anos surgia o Plano Real, que visava reduzir a inflação e estabilizar a economia brasileira – o que, de fato, acabou conseguindo. Os louros dessa “vitória” são atribuídos, na maior parte das vezes, ao então Ministro da Fazenda, o renomado sociólogo Fernando Henrique Cardoso, que governaria o país por dois mandatos subseqüentes. De lá para cá, o que sabemos sobre a economia parece não ter se diferenciado muito, ou seja, possuímos poucos subsídios, em geral, para analisar os rumos do mercado, as estatísticas econômicas e as complicadas propostas dos profissionais da área.
Antes de tudo, é imperativo lembrar que a economia é uma ciência social e que, embora seus representantes tentem desmanchar esses atributos, é isso que ela é e é isso que ela continuará sendo. Portanto, quando assistimos aos comentários de especialistas na televisão, lemos reportagens com os mesmos fins, ou escutamos notícias embasadas simplesmente em critérios abstratos ancorados no famoso “economês”, as profundezas da desinformação configuram-se nas nossas mentes confusas.
Sendo uma ciência social, para falar de economia precisamos entender que sem ela não teríamos condições materiais de sobrevivência, isto é, os produtos que satisfazem nossos anseios básicos não existiriam. Com o desmoronamento das relações feudais de produção, a Europa passou a caminhar no sentido de uma maneira distinta de organizar o trabalho, entendido aqui como a transformação da natureza pelo homem no intuito de facilitar, melhorar a sua vivência. Enquanto o capitalismo ascendia ao posto de sistema econômico dominante no Velho Continente, desligando os laços sociais anteriores e proporcionando novas formas de instituir a divisão do trabalho, noutros continentes as coisas aconteciam com feições diversas. Basta salientar o impacto das grandes navegações, conectando perspectivas de extrema incompreensão mútua, e pondo em xeque o futuro de cada território.
Se vamos analisar a economia brasileira, caros proprietários e trabalhadores das empresas responsáveis pela informação de larga escala, tenhamos respeito pela inteligibilidade dos nossos consumidores. Começamos este artigo resgatando o início do Plano Real, e partiremos dele para ampliar a compreensão sobre o que ocorre em termos econômicos no Brasil desde o fim dos governos militares.
O ponto final da ditadura comandada pelas forças armadas a partir de 1964 comportou uma gama extensa de disputas políticas, pautadas por uma conjuntura internacional tensa, na qual a economia planificada dos Estados soviéticos dava indícios de que naufragaria mais cedo ou mais tarde. Forjava-se um contexto adequado para que as teses do neoliberalismo pudessem se fortalecer, em contraposição ao modelo do Welfare State, que pensava o Estado como compensador das desigualdades geradas pelo mercado.
No Brasil, Gremaud (2007) aponta o espaço que vai de 1985 a 1994 como o momento em que perdurou uma espécie de saga de planos heterodoxos na economia nacional. Desde 1973, com a primeira crise do petróleo, a inflação tinha se tornado uma epidemia incurável, e o combate a ela foi eleito como o centro das atenções das equipes econômicas da nova democracia. Nesse sentido, para os ortodoxos, a inflação é originada no processo de emissão monetária devido aos déficits públicos, aumentando a demanda e forçando a alta de preços. Para ser combatida era imperativa a retração da demanda, mediante uma política recessiva. No pensamento heterodoxo, o exagero na demanda proveniente da emissão monetária é visto muito mais como uma consequência da inflação do que como uma causa. “Assim, a inflação poderia ser combatida sem o apelo ao controle da demanda, isto é, não haveria a necessidade de uma política recessiva” (GREMAUD, 2007: 432).
Até chegar ao Real, observamos vários planos que amargaram a derrota, sob o ponto de vista de frear as pressões inflacionárias, do Cruzado ao Collor II. Eles continham alguns elementos em comum, como o congelamento de preços, e acabaram obtendo resultados positivos no curto prazo, que rapidamente se mostravam fragilizados. Nesse ínterim, duas correntes com novas explicações para a persistência da inflação no Brasil ganharam força: os inercialistas e os pós-keynesianos. Os primeiros eram ligados a PUC-RJ, e a ideia central deles dizia que, em determinado momento, a inflação adquire certa autonomia, num caráter inercial, no qual a inflação passada condiciona a atual, a atual faz o mesmo com a futura, e assim prossegue. Os vilões seriam os mecanismos de indexação (correção monetária de preços, salários, câmbio e ativos financeiros), pois esses difundiriam as inflações pretéritas para o futuro. Os pós-keynesianos, por sua vez, se situavam nas assertivas de Tavares e Belluzzo (1984), ligados a Unicamp. Suas concepções baseavam-se no complexo processo de formação de preços keynesiano, distinguindo duas categorias de bens, o setor flex-price (concorrencial, matérias-primas) e o setor fix-price (oligopolizado, industrial). A despeito das relações interiorizadas nessas teorias, para o término do processo inflacionário seria preciso uma renegociação da dívida externa e um ajuste do patrimônio público, que possibilitariam uma condução estável da política cambial e de juros.
O Plano Real foi amparado por uma proposta de reforma monetária, que significava uma “[...] simulação dos efeitos de uma hiperinflação com o convívio de duas moedas, uma boa e uma ruim, com a primeira substituindo a última ao longo do tempo” (GREMAUD, 2007: 448). O ataque às pressões inflacionárias se dividiu em três frentes: a) o ajuste fiscal, que tentaria equilibrar o orçamento da União para os próximos anos, sedimentado no corte de despesas, no aumento dos impostos e na diminuição das transferências do governo federal; b) a indexação completa da economia, iniciada em fevereiro de 1994, com a criação de um novo indexador, a Unidade Real de Valor (URV), cujo valor se manteria em paridade de um para um com o dólar e consistiria na própria taxa de câmbio; c) a transformação da URV em Reais, noutros termos, a reforma monetária, quando quase todos os preços estavam expressos em URV. O governo aplicou, em paralelo, o controle da demanda e da expansão monetária, restringindo a capacidade de repasse dos custos de produção para os preços – estratégia conhecida como âncora monetária.
É possível caracterizar a política econômica brasileira desde a “estabilização”, concretizada em 1999, no tripé que angaria as metas de inflação, o câmbio flutuante e o superávit primário. Apesar de o governo Lula ter começado com certa desconfiança dos capitalistas, o ministro Palocci seguiu os intentos anteriores, orientados pela fortaleza do combate à inflação. O Banco Central, sob as rédeas de um homem do setor financeiro, permaneceu com as receitas austeras e movimentando-se de modo autônomo.
Na rotina diária, o que vemos é o crescimento econômico do país representar pouco para a grande maioria das pessoas. Por que não nos perguntamos, por intermédio dos mass media, se o controle da inflação deve mesmo ser o norte das políticas econômicas brasileiras? Por que não se questiona a prevalência completa do mercado, considerado um organismo eficiente e dinâmico, o reverso do Estado, malvado, opressor, corrupto, ineficaz, burocrático e tudo mais?
Sem querer tirar os méritos dos economistas, em se tratando de uma ciência social, tem razão Maria da Conceição Tavares quando afirma com veemência que não se pode chamar a disciplina senão pela sua alcunha original, isto é, economia política. Estão em jogo não apenas mecanismos de controle disso ou daquilo, táticas de funcionamento da acumulação capitalista e de acomodação dos conflitos de classe. Estão em jogo filosofias sociais, elas carregadas de compreensões acerca de quais grupos sociais devem ser privilegiados no acesso às riquezas, de que modo se deve organizar a divisão do trabalho e de que formas os lucros devem ser apropriados.
Por detrás dos panos, é fundamental discutir a relação entre capital e trabalho, e pensar até que ponto o reino da propriedade sagrada deve vigorar universalmente, sem críticas, sem alternativas. Uma política econômica comprometida com uma nova sociedade, na qual as oportunidades de ascensão social realmente existam, terá de enfrentar os grandes capitalistas, certamente não os excluindo de maneira arbitrária, mas regulando os desvios prejudiciais ao tecido societário derivados da acumulação irrestrita de capital.
Algumas medidas, como a taxação das grandes fortunas, a renegociação da dívida externa, a presença intensa do Estado na fiscalização das transações entre os bancos constituiriam atitudes valiosas. Mas hoje o que estampa as manchetes é o calvário da inflação, que parece querer retornar aditivada. A rigor, não querendo discutir os pressupostos do capitalismo como único meio possível para a produção nas sociedades contemporâneas, o que por si só ainda é um debate pulsante, pelo menos as belezas do “economês” mais elaborado deveriam pautar as percepções sobre a economia na grande mídia. Sem um ou outro conteúdo, as informações são rasteiras, e o pior é que servem de combustível para a retirada de direitos dos trabalhadores, além de espalhar sentenças interpretativas como verdades científicas.
quarta-feira, 8 de dezembro de 2010
Tiririca não é o alvo certo
...As conclusões mais imediatistas responderiam em algumas direções, desde a Reforma Política, até soluções que censurariam os direitos de determinados grupos sociais em buscar a ocupação de cargo eletivo. Bradariam os “caçadores de furos” aos ouvidos de “especialistas” os apelos por explicações acerca dos motivos que não deixam a famigerada reforma política sair do papel; pediriam elucidações sobre mecanismos de veto para candidatos com características consideradas inadequadas.
...Tudo isso resulta em ocultar as faces mais verdadeiras da novata democracia nacional, tratando de questões de intensa complexidade social com falsos remédios. Se procurarmos conhecer melhor os alicerces da nossa política, precisaremos ir além de sentenças estéreis, reducionistas e, por conseguinte, pouco ou nada informativas. Nesse sentido, cabe uma crítica ao próprio processo de produção ao qual o jornalismo contemporâneo se tornou dependente, na medida em que os trabalhadores – sim, trabalhadores, na grande maioria das vezes – das empresas de comunicação operam pressionados constantemente, numa competição empresarial voraz, que origina, entre outros reflexos, a velocidade (time is Money!) em detrimento da qualidade da informação.
...O Brasil carrega na história das suas instituições políticas algumas apreciações gerais que não podem ser esquecidas. A despeito das relações econômicas, conquanto o escravismo oficial tenha sido o mais tardio do planeta, as elites do poder nesse país congregam elementos específicos que demandam uma abordagem mais atenta. Não é senão forçosa uma análise do conceito de patrimonialismo.
...Já em Max Weber encontramos o termo, descrito como uma administração política em que as questões públicas e privadas se confundem e o limite entre ambas as esferas de poder é bastante imperceptível. Ele defende que “falaremos de Estado patrimonial quando o príncipe organiza seu poder político sobre áreas extrapatrimoniais e súditos políticos – poder que não é discricionário nem mantido pela coerção física – exatamente como exerce seu poder patriarcal” (1999: 239/240).
...Em Raymundo Faoro estão as considerações mais promissoras acerca do patrimonialismo na construção da ordem estatal brasileira. Mesmo que sua obra central, Os donos do poder, não possa e nem deva ser delimitada no rigor do pensamento weberiano, a influência do sociólogo clássico está, no mínimo, entrelaçada aos argumentos de Faoro numa linha tangencial. Com efeito, ao iluminar o caráter específico da formação histórica deste valoroso território, torna-se palpável elucidar algumas questões que se manifestam nas mazelas do Estado e da política. Noutras palavras, a estrutura patrimonialista herdada do Estado Português correspondeu a uma importação quase absoluta dos setores administrativos da metrópole no período pós-descobrimento, reforçada com a vinda da Corte Lusitana para o Rio de Janeiro, fugida dos intentos napoleônicos, nos idos do século XIX. Reputado como o traço mais notável no desenvolvimento do Estado brasileiro, o patrimonialismo acompanhou o modelo institucional que se tornou historicamente padrão e sedimentou o Império, a Independência e a República. Faoro disserta sobre a precária distinção entre o público e o privado na edificação do Estado Português:
...Por outro lado, as pesquisas em que trabalhamos durante três anos no Departamento de Ciência Política da UFRGS, que objetivavam demonstrar os perfis socioeconômicos de todos os candidatos a deputado federal em 2006, indicaram caminhos acerca da escolaridade destes indivíduos. Para se ter uma ideia, São Paulo consistia no ente federativo com maior número de concorrentes para o cargo. Das 952 campanhas legitimadas pelo TSE, 24 iam apresentar pleiteantes declaradamente com ensino fundamental incompleto; 64 com ensino fundamental completo; 18 possuíam ensino médio incompleto; 179 com ensino médio completo; todos os 665 restantes declararam ensino superior completo ou incompleto.
...Enfim, se o foco é na escolaridade dos sujeitos que estão galgando os postos legislativos, em 2006 aproximadamente 27% dos candidatos à Câmara, através do estado de São Paulo, não detinham alguma trajetória no ensino superior. Esse dado representa que 73% dos candidatos não devem ter sua intelectualidade colocada em prova, pelo menos se acreditarmos na formação oferecida pelas nossas universidades.
...Ocorre no período democrático que passamos a vivenciar desde o final da década de 1980 uma percepção de que somos frágeis politicamente, que a corrupção é endêmica, que o parlamento advoga em causa própria e não incorpora seus pressupostos mais republicanos. Não obstante a validade dessas assertivas, que pouco contribui para uma análise séria, na realidade tem-se um país que está ampliando a entrada de pessoas que outrora não vislumbravam possibilidades de se inserir na vida política. Os mais de um milhão de votos de Tiririca não estão deflagrando a crise da representação política destas bandas, à medida que essa é uma definição que não passa por um simples cidadão isolado. Estão, sim, apontando de forma nítida que a população não vota exclusivamente por rostos bonitos, ternos e gravatas, tampouco por fraseologias baratas e manjadas. No inverso, esse fenômeno deixa crer que o povo pode querer ser representado por sua autoimagem, por pessoas simples, que passaram por dificuldades na vida, que muitas vezes não obtiveram êxito nos percursos educacionais. Isso é bom ou ruim?
...Um julgamento como esse incorrerá no perigo do preconceito, ou na consagração da ignorância. Nem uma, nem outra, diríamos. O fato central não requer esse veredicto, afinal os Maluf’s por aí não são analfabetos funcionais, nem os mensaleiros, nem os Collor’s e Dirceu’s. Os partidos ainda resistem com alguma postura ideológica, isto é, seus quadros não estão soltos no universo, fazendo o que bem entendem. Há uma estrutura de posições políticas por detrás dos panos, interagindo com o protagonismo dos atores, em que pese no caso de Tiririca essa interação pareça ser desfavorável ao indivíduo, provável fantoche da sigla que ostenta.
...Os meios de comunicação atiram nos alvos errados, ou seja, disseminam sentimentos de exclusão calcados na ideia de que a política é coisa para a “inteligência”. Chega a ser incrível acreditar que o medo de Tiririca freqüentar o Congresso possa substituir os debates nevrálgicos que precisariam pautar nossas grandes empresas de comunicação.
...Enquanto polarizamos o assunto Tiririca, o Banco Central abandona a condução de um homem do setor financeiro e admite um funcionário de carreira, muito próximo das concepções econômicas de Guido Mantega. Seríamos utópicos se implorássemos aos mass media por uma cobertura aprofundada e densa sobre a economia; seríamos também se trocássemos o pedido, da economia para a política. Talvez só tenhamos sucesso, atualmente, no intuito de um jornalismo de qualidade, se as pautas importantes ficarem em segundo plano, e então aceitarmos o melhor que eles conseguem fazer: o entretenimento como meio e fim.
quarta-feira, 1 de dezembro de 2010
Cenas de uma guerra ilusória
complexos de maneira por demais simplista