Bernardo Caprara
Sociólogo e Professor
O materialismo
histórico e dialético proposto por Karl Marx está associado a uma concepção de
realidade, de mundo e da vida em sociedade. Ao entrar em contato com os
problemas sociais da Alemanha, Marx começa a desenvolver uma concepção
materialista, procurando entender os problemas concretos das vidas das pessoas.
Os estudos de
Marx provinham do método de pesquisa e pensamento de Friedrich Hegel, com o seu
modelo idealista orientado pela lógica dialética. Para Hegel, o pensamento
metafísico se pautava pela tendência a perceber os conceitos de modo estático,
separados uns dos outros, com a definição isolada do sujeito e do objeto.
Contrapondo a metafísica, Hegel define o desenrolar da história humana não como
um fio dotado de continuidade e linearidade, mas como um devir formado por uma
tríade localizada no mundo das ideias: uma afirmação (tese), uma negação
(contradição, antítese) e a negação da negação (síntese).
Essa
perspectiva se associa ao conceito de “dialética”, retirado da filosofia
pré-socrática, sobretudo no “embate” entre Heráclito e Parmênides. Enquanto o
primeiro sustentava que tudo está em constate movimento e transformação (“o rio
que nos banhamos nunca é o mesmo, nem mesmo nós somos”), o segundo defendia a
tese de que o movimento e a transformação constituem apenas um mundo de
aparências, sendo a “essência” algo imutável.
Marx adere à
leitura dialética da história, seguindo sua leitura de Hegel. Contudo, em
contato com as teorias materialistas, sobretudo de Ludwig Feuerbach, passa a
ser influenciado pela abordagem que não vê nas ideias (idealismo, como em
Hegel) o eixo articulador das atividades humanas, mas no mundo material o seu
foco principal. Trata-se de uma inversão da dialética hegeliana, priorizando a
matéria antes das ideias, o que acaba definindo o “materialismo histórico e
dialético” como o método analítico marxiano.
O materialismo
histórico e dialético fundamenta-se no método dialético de Hegel, salientando
não o mundo das ideias, mas o mundo material. Marx entende que, na produção
social da sua existência, os seres humanos tecem relações específicas que são
independentes das suas vontades particulares, mas dizem respeito a relações de
produção material. Essas relações de produção, em conjunto, conformam a estrutura
econômica das sociedades, a base sob a qual se ergue a superestrutura jurídica,
política, religiosa e etc, que correspondem a determinadas formas de
consciência social. O modo de produção da vida concreta, material, condiciona o
desenvolvimento da vida em sociedade, da vida política e intelectual como um
todo. Marx deixa claro que, no se esquema analítico, não é a consciência dos
homens que define a sua vida social, mas a sua vida social que define a sua
consciência.
É preciso,
também, fazer uma distinção entre o método de exposição formal e o método de
pesquisa, em Marx. A pesquisa necessita captar detalhadamente a matéria,
analisar suas diferentes formas de evolução e investigar as suas íntimas
relações. Terminado esse trabalho minucioso de pesquisa, torna-se possível
expor adequadamente o movimento do real. A exposição deve espelhar em forma de
ideias o que acontece na vida material, na vida concreta dos seres humanos em
sociedade, num determinado momento histórico e nas suas relações com o passado.
Dessa forma, o
percurso do método de pesquisa é mais amplo, mais detalhado, sendo que o método
de exposição expressa uma síntese da análise concreta, que pode ser
apresentada, inclusive, em sequência diferente de como foi aplicado o método de
pesquisa. Isso porque o método de exposição das conclusões de qualquer estudo
deve primar por apresentar os resultados de maneira pormenorizada, fazendo com
que estes resultados sejam claramente compreendidos por outras pessoas.
No
materialismo histórico e dialético, entender a realidade social demanda
analisar, pelo pensamento, um conjunto amplo de relações, particularidades,
detalhes que compõem uma totalidade. Se o objeto de análise do pensamento é
mantido isolado, ele se torna imobilizado no próprio pensamento, convertendo-se
numa mera abstração metafísica. Contudo, a abstração é uma fase intermediária,
pois, partindo de um mundo concreto e o levando até o nível da abstração, fica
possível chegar a um concreto mais complexo, capaz de captar o que é
verdadeiramente importante. Sem passar pela abstração, o concreto é apenas
superficial, vinculado apenas às aparências.
O principal
trabalho de pesquisa de Marx, a crítica rigorosa do capital, mostra-se como um
exemplo evidente do uso do materialismo histórico e dialético, na busca por
revelar a dinâmica da produção e da transformação do ser social produzido pelas
relações de produção capitalistas. O método marxiano procura partir do real, do
concreto, do olhar caótico sobre um todo desorganizado; depois, analisando com
maior precisão, utilizando dos recursos da abstração, procura delimitar
conceitos cada vez mais simples; por fim, do concreto permeado por abstrações,
bastante detalhado, procura iluminar as determinações do fenômeno em estudo de
maneira simples e objetiva.
Referências
LALLEMENT, Michel. História das ideias sociológicas: das origens a Max Weber. Petrópolis, RJ: Vozes, 2012.
MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A Ideologia Alemã. São Paulo: Martins Fontes, 2002.
.