Por Vladimir Safatle
Filósofo e Professor*
James Fallon era um neurocientista norte-americano envolvido em pesquisas sobre as relações entre padrões anatômicos do cérebro de psicopatas e comportamento criminoso. Sua hipótese era a de que existiam distinções anatômicas sensíveis entre criminosos violentos e pessoas "normais". Imbuído da certeza de que a anatomia é o destino, lá foi Fallon tentar mostrar que a baixa atividade em certas áreas do lobo frontal e temporal, responsáveis pela empatia e compaixão, poderia nos auxiliar a identificar um psicopata.
Mas eis que o inimaginável ocorre. A fim de construir um quadro comparativo, o neurocientista resolveu servir-se de tomografias de si mesmo e de membros de sua própria família. Aterrorizado, Fallon descobriu que seu próprio cérebro tinha similitudes fundamentais com a anatomia cerebral dos psicopatas. Sim, ele mesmo era um psicopata potencial, um "protopsicopata".
"Eu sempre soube", disse sua mulher. Afinal, anos a fio esquecendo o dia do rodízio do carro e não se comovendo com relatos das desfortunas do câncer do seu tio-avô só podiam significar uma indiferença fria e tendencialmente psicopata. "É verdade, eu sempre fui insensível", responde o neurocientista. Mesmo suas ações de caridade, ele agora reconhece, eram feitas sem empatia e sem "real envolvimento", ou seja, sem aquela lágrima no canto dos olhos que escorre furtivamente, como Hollywood nos ensinou.
Mas havia um problema: Fallon não matou ninguém, ninguém reclamou de ter sido estuprada por ele. Por que então o protopsicopata não passou ao ato? "O amor da família me salvou. Ele conseguiu neutralizar o pior". Ao que só podemos responder: "Aleluia, aleluia".
Esta história real demonstra a inanidade especulativa primária de certos setores das neurociências. Pois o que Fallon descobriu não foi sua "protopsicopatia" nem a força redentora do amor familiar, mas a simples ausência de relações diretas entre estados cerebrais e "comportamento criminoso".
A neurologia conseguiu identificar áreas do cérebro, como o giro supramarginal, cujas atividades são fundamentais para a empatia e a compaixão. Mas se eu fosse kantiano, lembraria que a apatia e a desconfiança em relação à compaixão são condições, não apenas para a psicopatia e para o comportamento antissocial, mas para todo comportamento moral, já que a universalidade do julgamento moral exige o não envolvimento especial com sujeitos particulares determinados.
Ou seja, o mesmo estado cerebral pode estar na base de dois comportamentos sociais divergentes, o que demonstra que não há causalidade direta alguma entre estado cerebral e comportamento social. Mas admitir tal evidência deixaria muita gente sem emprego.
* Vladimir Safatle é Filósofo, Professor da Universidade de São Paulo.
Publicado originalmente no jornal Folha de São Paulo.
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