ABORDAGEM ARTESANAL, CRÍTICA E PLURAL / ANO 1 (16)

América do Sul, Brasil,

quarta-feira, 28 de dezembro de 2022

Roda viva

Bernardo Caprara
Sociólogo e Professor

Sonhei que me olhava no espelho por alguns minutos perguntando: como vai? Sem resposta, meu corpo entrava numa espiral do tempo desse ano que chega ao fim. Nessa roda viva, giravam as ausências de quem partiu e os vazios que ficaram.

Um mês, 12 deles, alguns instantes, toda uma jornada. O que importa a conta? Como lidar com esse caminho só de ida? A gente vai contra a corrente, resiste até não poder resistir; cultiva a mais linda roseira que deseja cultivar; e aí vem a roda viva, sacode geral e carrega o destino e a roseira pra lá.

Que balanço... Mas o giro vai ser de permanecer vivo e prosseguir a mística, com quase 38 voltas na Terra, sem ligar para a estatística. Vai ser de sorrir com essas quase quatro décadas de sonho e de sangue, e de América do Sul. De seguir cultivando a roseira. De peitar a bola pro alto e se fazer presente no que importa, nesse presente que é viver.

Como vai? Andando com gente (humana e mais que humana) firmeza e afetuosa, porque dei sorte na vida. No miudinho, passo a passo, à contrapelo da existência enlatada. Oscilando. Agradecido. Com as veias abertas, sem deixar de caminhar. E sorrir. Aceitando o giro que ensina - com a roda viva, que a tudo leva, ficando pra lá de 2022.


quarta-feira, 30 de novembro de 2022

Te amo, mãe!

Bernardo Caprara
Sociólogo e Professor

Você descansou numa tarde quente e ensolarada, mãe. Você ia gostar de pegar um sol. Foi pouco antes do Brasil estrear na Copa. Eu lembrei de 94, de você e do álbum de figurinhas. Da gente vendo os jogos e da alegria com as defesas do Taffarel e o pênalti perdido pelo Roberto Baggio.
 
Você partiu tão cedo, mãezinha. O vazio que ficou no meu peito vai demorar a ser preenchido, isso eu já sei. Mas hoje eu não quero escrever sobre tristezas e sofrimentos. Porque eu vou começar, aos poucos, pode confiar, a cumprir a promessa que fiz pra você nesses últimos dias.
 
Quero falar de torta de maçã e de bolos de chocolate. De cuidado e dedicação. Do valor dado aos estudos e da força que você teve pra trabalhar 10 horas por dia, me criar e conseguir se formar na profissão que era o teu sonho. Da mulher linda e forte que você foi, em todos os sentidos. Do amor que você plantou e a gente vai seguir cultivando por ti.
 
A gente sabe o quanto você caminhou, dos mais belos montes e das noites escuras de frio. Foram milhões de milhas antes de descansar, né mãezinha. A vida vai ensinar a lidar com tudo isso. O tempo vai dar o tom, com fé no dia a dia. E quando a saudade bater sem dó, eu vou até o mar e vou ver você chegar, alegre, linda e em paz. Te amo pra sempre.
 

segunda-feira, 7 de novembro de 2022

Ebook: As ciências humanas e os desafios contemporâneos

Bernardo Caprara
Sociólogo e Professor

Nas primeiras décadas do século XXI, diversos desafios seguem presentes na vida em sociedade. São questões que demandam olhares atentos por parte das pesquisadoras e dos pesquisadores das Ciências Humanas.

Pensando nisso, eu e a Prof. Ma. Jéssica Duarte de Souza (CV Lattes) reunimos neste livro nove textos que buscam tematizar e problematizar diferentes aspectos da sociabilidade contemporânea. Nosso objetivo foi conjugar trabalhos a partir de horizontes críticos e plurais. Boa leitura!

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quarta-feira, 26 de outubro de 2022

Novo tempo

Bernardo Caprara
Sociólogo e Professor

Talvez você, como eu, que é mais fácil ser convertido num PDF do que em apoiador de governo da morte, esteja com os nervos à flor da pele. Teremos alguns dias que vão parecer séculos pela frente e a coisa tá e vai seguir tensa e difícil.

Pensando bem, sempre foi tenso e difícil nesses tristes trópicos. Quando os ancestrais originários que manejavam como ninguém nossas florestas se deparavam com o invasor e sua sanha colonizadora, não era nada fácil. Veio a queda do céu, mas ninguém desistiu.

Quando pessoas escravizadas atravessavam o Atlântico e sobreviviam, sobrava desolação. E, então, jogava-se a capoeira, batiam-se os tambores e logo ali se aquilombavam povos inteiros. Resistiam e enfrentavam os donos do poder e seus capitães do mato.

Canta a pimentinha que a glória, à todas as lutas inglórias, nós não esquecemos jamais. Do suor de quem labuta nas fábricas, lares, comércios, escolas e universidades públicas; de quem rala nas lavouras e não é pop; das minas, manos e monas que decidem sobre seus corpos e amam quem quiserem amar: dessas gentes nascerá um novo país.

Cedo ou tarde, vamos despachar esse carrego que nos assalta há séculos. Pelo legado de quem foi torturado e supliciado. Por quem dedicou e dedica a vida a democratizar essa nação, nas ruas e nas instituições. Erguer a cabeça, firmar o pé, agir e botar fé. Mandar a tristeza embora. Acreditar que um novo tempo vai raiar. Nossa vitória não será por acidente.
 
 

segunda-feira, 24 de outubro de 2022

Judith Butler e os "problemas de gênero"

Bernardo Caprara
Sociólogo e Professor

As desigualdades de gênero estão na pauta do dia nos debates acadêmicos e políticos. Há uma variada gama de posições, perspectivas e abordagens sobre o tema, dialogando de modo interdisciplinar e lidando com diferentes questões.

Judith Butler publicou, em 1990, a obra “Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade”, livro que gerou forte impacto nos grupos feministas e nas discussões sobre gênero. Butler questiona a distinção entre sexo e gênero, colocando em suspeição a ideia de que o sujeito do feminismo recai com exclusividade sobre as mulheres.

Para a autora, as instâncias reguladoras de poder impõem uma heterossexualidade compulsória e forjam um discurso dominante, fixando as identidades de gênero. Seu argumento pretende, ao criticar essa dinâmica, abrir caminhos para possibilidades de construções variáveis das identidades, buscando incluir lésbicas, transexuais e intersexuais.

Assim, Butler sublinha o caráter construído socialmente de todas as identidades. Isso problematiza teorias que operam com a categoria “mulher/mulheres” enquanto sujeitos privilegiados da luta política pela igualdade de gênero. Rejeitando essencialismos, não seria apropriado conceber esse sujeito político em termos estáveis ou permanentes.

 

segunda-feira, 17 de outubro de 2022

Como fazer um projeto de pesquisa em Sociologia?

Bernardo Caprara
Sociólogo e Professor

Neste vídeo introdutório, eu apresento os principais elementos de um projeto de pesquisa em Sociologia: tema, problema, objetivos, justificativa e relevância, hipótese, revisão bibliográfica, referencial teórico, metodologia, cronograma e referências.


Sugestões de leitura para a construção do projeto: (1) FLICK, Uwe. Introdução à Metodologia de Pesquisa. (2) GERHARDT, Tatiana & SILVEIRA, Denise. Métodos de pesquisa.


sábado, 15 de outubro de 2022

Um viva à docência!

Bernardo Caprara
Sociólogo e Professor

Hoje pela manhã eu me deparei com aquele jovem que começava a lecionar e com os e as milhares de estudantes que estiveram comigo nesses quase 14 anos. Lembrei das salas de aula das instituições pelas quais passei e de como os meus sonhos vieram a se misturar com a minha prática pedagógica.

De lá para cá, fomos transformados em inimigos da nação por uma cruzada fundamentalista que tomou conta do debate público brasileiro. O pessoal da casa grande, os perfumados da Faria Lima, os mercadores da fé, os milicianos, os armamentistas e seus fanatizados direcionaram sua máquina ideológica de mentiras e manipulações também para a educação. É o carrego neocolonial e neofascista ainda por ser despachado nesses tristes trópicos.

Por aqui, a esperança é equilibrista e segue potente como nunca. Nas escolas e universidades desse país, nos espaços não formais, o coro tá comendo e não há tempo a perder. Muitas professoras e muitos professores se viram nos trinta tentando sobreviver. Ao mesmo tempo, buscam o diálogo, o fomento da dignidade, a construção de oportunidades, de autonomia e pensamento crítico. Dedicam suas vidas e energias a cada dia, diante de tanta treta que não cabe em palavras.

Mesmo assim, os sonhos não envelhecem porque você, estudante, não deixou o seu desejo ser capturado pelo ódio, pelo ressentimento e pela brutalidade. Porque seus olhos ainda brilham. Nossos sonhos não caducam porque vivem em vocês, que desejam e agem por um mundo sem armas, com trabalho digno, florestas vivas, diversidade pujante e menos desigualdades. Que não desistem, apesar de tudo. Há futuro e ele é presente. Um viva à docência e fora genocida!

 

terça-feira, 11 de outubro de 2022

Bruno Latour e a ciência em ação

Bernardo Caprara
Sociólogo e Professor

Bruno Latour foi um dos principais pensadores da ciência nas últimas décadas. O sociólogo e filósofo francês, conhecido por suas obras impactantes, mas também por ser um pesquisador que gostava de dar aulas, deixa um legado fundamental para as discussões sobre o conhecimento no tempo presente.

Seguindo os passos de David Bloor, Latour, Michel Callon e Madelaine Akrich foram responsáveis por elaborar a chamada "teoria ator-rede". No âmbito dos estudos da ciência, tecnologia e sociedade, essa linha teórica considera os atores sociais definidos pelo papel exercido na sua rede de atuação, pelos efeitos e repercussões que geram nessa rede. Tratam-se de "atores híbridos", porque a ação não é percebida como uma propriedade somente humana, mas como uma associação de actantes.

O ponto é entender que atores/actantes podem ser pessoas, objetos, animais, dispositivos inteligentes (máquinas) e instituições, por exemplo. Eles estão envolvidos em redes, com suas conexões ("nós") e interligações. Atores não humanos e humanos agem concomitantemente, influenciam e interferem no comportamento uns dos outros, sendo os atores não humanos ajustados pelos humanos conforme suas demandas.

Latour interessou-se bastante por investigar a ciência no seu "fazer", na sua construção diária. Na busca por analisar a ciência em ação, na prática, realizou diferentes etnografias em laboratórios de alta tecnologia. Sua antropologia das ciências procurou compreender como ocorre a produção dos fatos científicos e da verdade nas sociedades contemporâneas - ou, melhor dizendo, nas redes sociotécnicas. Uma jornada que rende e ainda renderá muitos frutos.

 

quinta-feira, 6 de outubro de 2022

Discutindo currículos de Sociologia na educação básica

Bernardo Caprara
Sociólogo e Professor

Neste vídeo introdutório, eu apresento uma breve discussão sobre os currículos de Sociologia na educação básica.


O vídeo tem como referência o artigo do Prof. Dr. Daniel Gustavo Mocelin (PPGS/UFRGS), intitulado "O currículo pelos professores: práticas de ensino de Sociologia no ensino médio em Porto Alegre", publicado em 2021.

 

quinta-feira, 22 de setembro de 2022

Tempo de viver

Bernardo Caprara
Sociólogo e Professor

Viver é oscilar entre o peso e a leveza da existência. Essa ideia não me sai da cabeça desde que li Milan Kundera pela primeira vez. Na constante busca por cultivar meus sonhos pelas manhãs, a primavera chega como um tambor pulsando alegrias na voz de Milton Nascimento.

Entre os perrengues íntimos e as mazelas de um país assombrado pelo carrego neofascista, é preciso manter o vigor e a chama da leveza. Oscilar, mas também se firmar. Entre dias, horas e semanas mobilizadas pelo trabalho e pelos estudos, é preciso intensificar amizades e afetos e não deixar a bola cair.

Aqui, nesse guichê-escriba, a bola, o futebol, o futevôlei e a altinha são algumas das coisas que fazem a cabeça, para além da labuta. Eu e você sabemos que o melhor que a gente tem na vida é feito de miudezas cotidianas. É viver ao lado das nossas gentes; a abelha fazendo o mel; a estrela cair do céu; e é lembrar que o sono alimenta de horizontes o tempo de viver.

O mar anda agitado, mas a gente insiste em nadar. Daqui a alguns dias teremos um grande desafio coletivo. Mesmo com o melhor dos resultados, o assombro vai permanecer. Ainda assim, na corda bamba, vamos adiante. Sabendo que tudo o que move é sagrado, e remove as montanhas com todo o cuidado, meu amor!

 

quarta-feira, 7 de setembro de 2022

A América Latina e o giro decolonial

Bernardo Caprara
Sociólogo e Professor

Neste vídeo introdutório, eu apresento o artigo da prof. Luciana Ballestrin (UFPel), intitulado "América Latina e o giro decolonial".


A imagem da capa do vídeo foi desenhada pelo artista uruguaio Joaquín Torres García, em 1943, e leva o nome de "América Invertida".


terça-feira, 2 de agosto de 2022

Regar meus sonhos

Bernardo Caprara
Sociólogo e Professor

Já faz algumas semanas que o meu avô descansou. Talvez por estar enredado em tantas demandas externas, talvez por qualquer outra das tantas tretas do dia a dia, eu venho sentindo aos poucos tudo isso.

Em alguns meses, eu perdi as minhas duas avós e o meu avô. O tempo é implacável e a morte é a única lei absoluta da nossa existência. Para quem segue na batalha da vida, falar dos sonhos pelas manhãs ajuda a dilatar o tempo e imaginar um mundo novo.

É imaginando o passado nos domingos gelados na serra gaúcha ou nas temporadas quentes em Rainha do Mar que eu gosto de lembrar do Vô Nelson. É sentindo como se fosse hoje a mesa cheia de gente ao seu redor e a TV ligada anunciando o jogo do Inter horas depois da Fórmula 1.

Numa madrugada de insônia, visitei a casa da Beira-Mar 501 por imagens de satélite. Meu avô estava inteirinho lá. Estava na varanda cochilando e chamando minha avó. Também estava na horta colhendo rúcula e radicci. Andava por tudo fazendo pequenos consertos e chamava a todos para o jantar. A vida florescia próxima do oceano e banhada pelo Sol do sul do planeta.

Diz o poeta que esse mundo errado nos separou de nós, e que não se sabe mais reparar nas estações. Cultivando as pequenas coisas que nos constituem, vou lembrar sempre do Vô caminhando cedinho rumo ao mar, alegre com seus instrumentos de pesca. Com saudade daqueles dias, quero honrar tudo o que ele fez por mim, jamais deixando de regar meus sonhos pelas manhãs.


sexta-feira, 22 de julho de 2022

Por uma Sociologia viva

Bernardo Caprara
Sociólogo e Professor

Hoje é dia do Cientista Social e também foi o dia em que uma grande universidade privada do sul do Brasil anunciou o fim de diversos dos seus programas de pós-graduacão. Entre eles está o PPG em Ciências Sociais.

Hoje também é aniversário do mestre Florestan Fernandes. Com o gigante sociólogo brasileiro, aprendemos que é preciso olhar a vida com atenção às relações entre o que acontece com as pessoas, individualmente, e as instituições e estruturas da sociedade e do tempo histórico em que essas pessoas agem, pensam e sentem.

Ao contrário dos clubes de armas, vivemos dias em que a educação e o conhecimento vêm perdendo espaço. De um lado porque grande parte dos e das viventes destes tristes trópicos se desdobra em vários trabalhos e trampos para sobreviver. Estudar vira um troço distante. De outro, algumas áreas - destaque para as Humanas - vão minguando pela falta de investimento, de boas oportunidades profissionais e de legitimidade social.

As pessoas não nascem adorando armas e odiando aprender, conhecer e dialogar. Elas são socializadas fomentando instintos agressivos e segregando material, moral e afetivamente variados grupos sociais. Além disso, educação e ciência são tratadas como mercadorias, como produtos e seus valores de troca. Cientistas sociais valem pouco nesse mercado.

Docentes, estudantes, pesquisadoras e pesquisadores vêm adoecendo e a lógica que gira essa roda muitas vezes sequer é questionada. Quando é, quando se empreende um esforço de fazer da ciência e da educação práticas colocadas dentro de um contexto em que as pessoas são levadas a sério nas suas necessidades, qualidades e possibilidades, a coisa pode e até tende a funcionar bem.

Trabalhar com Ciência Social e com educação é não desistir. É saber que ensino e pesquisa de ponta tem que ter relação direta com fomentar uma sociedade em que as pessoas comam bem, tenham emprego e moradia. Tenham dignidade e tempo para viver e se desenvolver, lidando melhor consigo e com o outro. É plantar sementes todos os dias contra a banalização do autoritarismo e da brutalidade. É um caminho duro, mas que pode ser encantador também.

quinta-feira, 14 de julho de 2022

A imaginação sociológica

Bernardo Caprara
Sociólogo e Professor

Neste vídeo introdutório, eu apresento as principais ideias em torno da categoria "imaginação sociológica", proposta por Charles Wright Mills.


Wright Mills foi um sociólogo estadunidense, que viveu de 1916 até 1962. Foi professor da Universidade de Columbia, nos Estados Unidos.


sábado, 2 de julho de 2022

Um retorno para casa

Bernardo Caprara
Sociólogo e Professor

Na quinta, dia 30 de junho, eu parei nos corredores do IFCH e tirei uma foto, minutos antes de dar a minha primeira aula como professor do Departamento de Sociologia da UFRGS. Que loucura tá sendo esse rolê! Tá passando um filme de muitas temporadas na minha cabeça!

Na verdade, vêm à tona muitas memórias, histórias e um caminhão de momentos. O mais louco é que a primeira pessoa conhecida que encontrei no Campus do Vale foi a professora que lecionou a primeira aula que tive como estudante de graduação. Dessas coisas que a vida apronta.

Tudo teve início no dia do vestibular, comigo, com o Quico, com o Estêvão (vulgo "Pescador", à época), com a Mari e mais uma galera desconhecida fazendo as provas. Era 2005 e eu não fazia ideia do que iria rolar na minha vida profissional. Eu só queria muito estudar Ciências Sociais numa universidade pública, gratuita e de qualidade.

A vida girou sem parar, desde então. Eu me aventurei pela docência, me apaixonei por esse troço e segui na pesquisa acadêmica, pensando a educação pelas lentes sociológicas. Vieram as escolas, do Rosales e do Carlos Pinto ao Ernestão, e depois o IF e a UFFS. Aprendi e cresci muito nessa jornada que remonta a diversos agradecimentos.

Aí, um dia, deu a liga de voltar para casa. Retornar ao Vale, ao lugar onde tudo começou. Aquele guri que chutou todas na mesma letra nas "exatas" do vestibular hoje se vê como um adulto realizando um sonho que jamais tinha sequer ousado sonhar. E eu que tantas vezes me senti meio pá, inseguro, que nem um vira-lata, sem fé no futuro, só desejo seguir a caminhada com entusiasmo e alegria.

 

sábado, 18 de junho de 2022

A ética protestante e o espírito do capitalismo, por Max Weber

Bernardo Caprara
Sociólogo e Professor

Neste vídeo eu apresento brevíssimos comentários sobre um livro clássico de Max Weber, chamado "A ética protestante e o espírito do capitalismo".


Max Weber é considerado um dos autores clássicos da sociologia, que nasceu em Erfurt, na Alemanha, em 1864, tendo falecido em Munique, no mesmo país, em 1920.


terça-feira, 14 de junho de 2022

Tempo de Mágicos, por Wolfram Eilenberger

Bernardo Caprara
Sociólogo e Professor

Neste vídeo eu apresento breves comentários sobre o livro de Wolfram Eilenberger, chamado "Tempo de Mágicos - A grande década da filosofia 1919-1929".

 


A obra entrelaça as histórias das vidas com as teorias de quatro ícones da moderna filosofia ocidental, durante a década de 1920: Ludwig Wittgenstein, Ernst Cassirer, Walter Benjamin e Martin Heidegger. Wolfram Eilenberger é um jornalista, escritor, professor e filósofo alemão.

 

quarta-feira, 8 de junho de 2022

O erro de descartes, por António Damásio

Bernardo Caprara
Sociólogo e Professor

Na estreia do quadro "Falando de Livros", no canal sociologiartesanal, no YouTube, eu apresento breves comentários sobre a obra de António Damásio, intitulada "O erro de Descartes - Emoção, razão e o cérebro humano".

 


António Damásio é um neurocientista português, professor da Universidade do Sul da Califórnia, nos Estados Unidos.

 

quinta-feira, 2 de junho de 2022

Eilenberger e a magia de quatro ícones da moderna filosofia ocidental

Bernardo Caprara
Sociólogo e Professor

O início do século XX foi uma época de acontecimentos dramáticos e muitas transformações. Guerras, pandemia, instabilidades políticas e avanços intelectuais e científicos marcaram o período. É nesse cenário, com o foco na Europa, que se desenvolve o livro de Wolfram Eilenberger, "Tempo de Mágicos - A grande década da filosofia 1919-1929".

O jornalista, escritor, professor e filósofo alemão narra as histórias da vida e das ideias de quatro ícones da filosofia ocidental, durante a década de 1920: Ludwig Wittgenstein, Ernst Cassirer, Walter Benjamin e Martin Heidegger. O texto vai articulando a trajetória desses autores com os conceitos e categorias fundamentais das suas reconhecidas obras.

Enquanto Wittgenstein deixa de lado a academia e os debates eruditos para se dedicar à docência numa escola interiorana de ensino fundamental, Cassirer vai se consolidando na alta esfera universitária com uma vida burguesa estável e pacata. Wittgenstein retorna, anos depois, às discussões sobre a linguagem e edifica a segunda etapa do seu trabalho filosófico. Já Cassirer permanece aprofundando seus estudos sobre as formas simbólicas.

Em paralelo, antes de se tornar um bastião dos frankfurtianos, Benjamin oscila entre fortes demandas econômicas, buscas por algum espaço acadêmico/docente e produções jornalísticas e teóricas sobre a arte e o drama barroco. Heidegger, por sua vez, vai galgando seus espaços na elite intelectual da República de Weinmar e formula as teses que ressoariam no dasein, que se tornaria seu principal conceito.

Entre os dilemas e percursos diversificados desses expoentes da moderna filosofia ocidental, a investigação do "sentido do viver" e do "como viver" parece atravessar seus cotidianos e escritos. Com uma narrativa fluida, densa e atraente, Eilenberger nos leva a um mergulho fascinante no pensamento e nas trajetórias de quatro importantes filósofos. Desse modo, ele nos ajuda a entender um pouco melhor o mundo que se desenrolou nos últimos séculos.

 

terça-feira, 24 de maio de 2022

Educação não é mercadoria

Bernardo Caprara
Sociólogo e Professor

Neste mês de maio, eu completei 13 anos de docência. Os últimos sete deles vêm acontecendo aqui na UFFS. Se juntar esse tempo com o período de estudante na UFRGS, lá se vão 17 anos de universidade pública.

Quando moleque, eu estudei numa escola particular de muito boa qualidade. Mesmo assim, quando me formei no ensino médio, não tinha expectativa de cursar uma federal. Isso era coisa pra quem era muito estudioso, o que não era o meu caso.

A história de como entrei em Ciências Sociais na UFRGS fica para outro dia. No Campus do Vale, acompanhei de perto a transformação do ensino superior público. As ações afirmativas e o Reuni, ainda que incompletos, mudaram a cor, a classe e o cotidiano de quem frequenta essas instituições.

Não foi apenas isso que mudou. Muitas vidas mudaram. Lembro bem da noite em que fui homenageado por uma turma de formandos na UFFS. Lembro bem da emoção de ver as pessoas profundamente afetadas pela vitória dos seus e das suas, muitas vezes os primeiros e as primeiras na família a finalizar uma graduação.

Hoje, há quem diga que a universidade pública atende só aos abastados. Não é essa a realidade e há dados suficientes disponíveis por aí. Na verdade, a reforma no ensino médio e a escassez de investimentos no nível superior demonstram um projeto de retorno a uma época insistente em que para as classes trabalhadoras o país só destinava a repressão e a precariedade absoluta.

A gente tem muito a melhorar em termos de ingresso e permanência discente e qualificação pedagógica e pluralidade docente. Isso é importante para ajudar a resgatar os horizontes de que o conhecimento pode mudar vidas. E esses horizontes não se pautam por ensino domiciliar ou privatização. Pautam-se pela sabedoria de que a educação é uma tarefa coletiva e não é mercadoria.


terça-feira, 17 de maio de 2022

Donna Haraway, epistemologias feministas e os saberes localizados

Bernardo Caprara
Sociólogo e Professor

Neste vídeo introdutório, eu apresento algumas ideias de Donna Haraway sobre as epistemologias feministas e a perspectiva dos saberes localizados.

 


O vídeo tem como fundamento o artigo de autoria de Haraway chamado "Saberes localizados: a questão da ciência para o feminismo e o privilégio da perspectiva parcial", disponível nos Cadernos Pagu, Campinas, SP, 2009.

 

quinta-feira, 12 de maio de 2022

A BNCC e o ensino de Sociologia

Bernardo Caprara
Sociólogo e Professor

Neste vídeo introdutório, eu apresento algumas considerações sobre a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e a sua relação com o ensino de Sociologia na educação básica.

 


O vídeo tem como fundamento o capítulo escrito por Ileizi Fiorelli Silva sobre o tema, presente na obra "Dicionário do Ensino de Sociologia", organizada por Antonio Alberto Brunetta, Cristiano das Neves Bodart e Marcelo Pinheiro Cigales.

 

segunda-feira, 25 de abril de 2022

António Damásio e o "erro de Descartes"

Bernardo Caprara
Sociólogo e Professor

O "penso, logo existo" é uma das afirmações mais conhecidas da moderna filosofia ocidental. A "res cogitans" de René Descartes sugeriu uma separação contundente entre mente e corpo, deixando para a mente o local privilegiado do pensamento e da razão, e para o corpo e as emoções o status de obstáculos ao discernimento.

Não é por aí que alguns pesquisadores da neurobiologia da racionalidade vêm caminhando. António Damásio propõe uma visão alternativa ao conhecido postulado cartesiano. No livro "O erro de Descartes - Emoção, razão e o cérebro humano" (1994), o Professor de Neurociência na Universidade do Sul da Califórnia (EUA) argumenta que os sentimentos influenciam bastante a razão humana.

A partir de estudos empíricos sobre lesões em diferentes regiões do cérebro, Damásio sustenta que os sistemas cerebrais necessários para desencadear emoções e sentimentos estão enredados aos sistemas necessários para acionar o uso da razão. Tais sistemas específicos estariam relacionados com os sistemas que regulam o corpo humano.

Nossos sentimentos parecem depender de um complexo sistema dotado de diversos elementos associados à regulação biológica. A razão, por sua vez, dependeria de sistemas cerebrais particulares, sendo que alguns deles processam sentimentos. Isso faz com que possa existir um elo entre sentimentos e razão, e entre eles e o corpo, do ponto de vista anatômico e funcional (p. 216).

O equívoco fundamental de Descartes residiria, portanto, justamente na divisão entre corpo e mente. Para Damásio, compreender a mente humana passa por uma visão focada no organismo. Entender a mente requer entender também o organismo no seu domínio biológico, com corpo e cérebro integrados e interagindo com ambientes físicos e sociais.
 

domingo, 24 de abril de 2022

Simas & Rufino e a educação como encante

Bernardo Caprara
Sociólogo e Professor

Neste vídeo introdutório, eu apresento as principais ideias de Luiz Antonio Simas e Luiz Rufino sobre a educação como encante.



O vídeo tem como fundamento o livro "Flecha no tempo", de autoria de Luiz Antonio Simas e de Luiz Rufino.


sábado, 16 de abril de 2022

Frantz Fanon e o colonialismo epistemológico

Bernardo Caprara
Sociólogo e Professor

Neste vídeo introdutório, eu apresento algumas ideias de Frantz Fanon, argumentos que abrangem as questões do saber e do conhecimento.


A referência que embasa o vídeo é a obra "Pele negra, máscaras brancas", de autoria do próprio psiquiatra martinicano Frantz Fanon.


segunda-feira, 11 de abril de 2022

Minhas queridas avós

Bernardo Caprara
Sociólogo e Professor

Quis o destino que, no espaço de dois dias, duas das mais importantes mulheres da minha existência nos deixassem. Minhas duas avós estiveram bem presentes na minha vida, em especial na infância e na juventude. Hoje elas brilham nas histórias, memórias e saudades que me constituem.

A Vó Terezinha cuidou de nós, os netos, muitas e muitas vezes, na nossa casa ou em São Leopoldo. Com amor, atenção e cuidado. Não sem antes criar três filhas, com muita força diante de muita treta. Havia as ligações em que o básico era dizer: "Berzinho, a vó te ama muito". E também foram tantos os domingos com a vó na casa da Tia Beta, de almoços e afetos, futebol e diversão, durante tantos e tantos anos. Eu acho que o Xande e o Mano também não vão esquecer aqueles dias.

A Vó Ives cuidou de nós, os netos, tantas e tantas vezes, fosse em Caxias com comidas e tortas gostosas, ou em Rainha verão a dentro. Aliás, aqueles meses em que a semana era nós e a vó em Rainha, ano após ano, me lembram o cheiro de mar e o prazer da bola e dos amigos. É o aroma do afeto amoroso e de lar. Das alegrias do verão. De bicicletas e conversas sobre livros. Das sempre presentes conversas sobre meus estudos. Eu acho que a Ina, a Fran, o Luca, o Max e o Gui também devem lembrar coisas parecidas.

E, assim, com elas, atravessado por elas, eu fui sendo quem eu sou. A dor que me corta hoje é forte, machuca, mas conforta pensar que elas descansaram. Aqui eu sigo na batalha, tentando honrar, com amor e integridade, tudo o que elas me ajudaram a ser. Hoje, como nos tempos em que vivíamos bem perto, tempos de encantar o mundo com os olhos, eu vejo no céu elas brilhando junto das estrelas.
 

quinta-feira, 7 de abril de 2022

MEU NOVO LIVRO: Um enorme passado pela frente - Memórias do Brasil, de 2013 a 2018

Bernardo Caprara
Sociólogo e Professor

Bernardo Caprara e o livro "Um enorme passado pela frente"
 

Depois de um ano de trabalho editorial e quase nove de escrita e preparação, ficou pronto o meu primeiro livro. Minha sensação é de alegria: eu contei as histórias que, na época, eu queria contar.

Ele não é um livro acadêmico. Minha intenção foi registrar divagações em forma de memórias do que eu senti e pensei sobre o que aconteceu no Brasil. Ele também é o primeiro fruto de alguém que gosta de escrever.

Dos dias em que comecei os textos até hoje, muita coisa aconteceu. Esse país já não é mais o mesmo. Eu já não sou mais o mesmo. Parte do que senti e redigi já não bate com o que sinto e penso agora. E assim a vida segue em transformação.

O que me permanece é a crítica do buraco em que nos metemos; o repúdio ao autoritarismo oligárquico que jamais nos abandona; e a busca por construir caminhos possíveis para o que a gente tem de melhor, inventando vida a driblar tantos perrengues.

Permanece também o encanto pelas miudezas do cotidiano. Pelo melhor Marvin Gaye tocando e por poder oferecer a minha presença, talvez até confusa, mas leal e intensa, aos parceiros e parceiras de vida. Porque a causa é legítima, e o que será, será, é nóis, vâmo até o final!

 

quinta-feira, 3 de março de 2022

As teorias de Relações Internacionais (RI) e a guerra na Ucrânia

Por Guilherme Casarões
Professor FGV-EAESP

No fio (Twitter @GCasaroes, 20/02), farei uma leitura básica, para leigos, de como as diferentes abordagens teóricas respondem à seguinte pergunta: por que a Rússia decidiu invadir a Ucrânia?

1) A pobreza do debate em torno da invasão russa da Ucrânia reflete, em parte, certas incompreensões conceituais básicas: Estado x povo, poder x democracia, indivíduo x governo. Quem lida por ofício com RI (professores, analistas, diplomatas) têm que ter esses conceitos claros.

2) Para início de conversa, não há uma "teoria geral" das RI. São várias vertentes que buscam dar conta das complexidades do mundo a partir de elementos diferentes. Toda teoria é uma simplificação da realidade que nos ajuda a descrever, explicar, prever e prescrever sobre o mundo.

3) A teoria de RI mais conhecida é o realismo. É a preferida dos pessimistas, que olham para a "vida como ela é" e que pensam o mundo a partir do egoísmo humano. Realistas basicamente enxergam um sistema internacional feito de Estados em permanente luta por poder e influência diante de um mundo onde prevalece a lei do mais forte. Para sobreviver, Estados precisam acumular poder. A busca da própria segurança causa insegurança nos outros. A consequência é o conflito e, se tudo der certo, algum equilíbrio de poder. Não há paz fora do equilíbrio.

4) Para realistas, a principal marca do mundo pós-Guerra Fria é a consolidação da hegemonia dos EUA. Eles expandiram sua presença militar pelo mundo, inclusive pela OTAN; promoveram mudanças de regimes em países hostis e nenhum país do mundo tinha poder ou interesse em pará-los.

5) Realistas, portanto, veem a Rússia como um país que declinou após o fim da Guerra Fria e que se sente insegura em suas fronteiras, graças à expansão (militar, econômica, cultural) dos EUA. Putin, nessa interpretação, busca limitar a ação norte-americana em regiões sensíveis aos interesses russos, como Cáucaso, Oriente Médio e Leste Europeu. Por isso as ações militares na Geórgia (2008), na Síria (2011) e na Ucrânia (2014). E agora de novo. Mas a Rússia estaria querendo garantir sua segurança, não causar uma guerra nuclear ou um genocídio.

6) No conflito entre Rússia e EUA-OTAN, o "endgame" de Putin é neutralizar a Ucrânia. Desmilitarizá-la e colocar um governo aliado da Rússia. É injusto com os ucranianos e vai contra suas aspirações nacionais e democráticas? Claro, mas é o que garante a estabilidade da região.
 
7) Viralizou um vídeo de John Mearsheimer, conhecido realista e professor da Universidade de Chicago. Deixo aqui o vídeo completo da sua aula, em que ele explica por que, do ponto de vista do realismo, a instabilidade da Ucrânia foi provocada pelo ocidente: https://youtu.be/JrMiSQAGOS4
 
8) Outra conhecida teoria é o liberalismo. Liberais costumam ser otimistas, pois acreditam no potencial do indivíduo e no progresso humano. Eles são entusiasmados com o avanço da democracia, do direito internacional e do livre comércio. Acham que paz e prosperidade virão disso.

9) Existem várias correntes liberais em RI, cada uma com suas peculiaridades. Em geral, percebem o mundo para além dos Estados: esse sistema internacional é feito de múltiplas redes interconectadas de governos, empresas, ONGs, grupos transnacionais, sociedades e indivíduos. 

10) Para liberais, a grande mudança (positiva) do pós-Guerra Fria foi a aceleração da globalização e a expansão da democracia. Ditaduras renitentes seriam derrubadas pelo capitalismo, por eleições ou pela força. O "mundo livre" poderia nos levar à paz perpétua em pouco tempo. 

11) Desde 2008, pelo menos, liberais estão cada vez mais preocupados com algumas tendências globais. A democracia estagnou e está se fragilizando em vários países, inclusive no ocidente; a globalização produziu descontentamentos políticos e econômicos; autocracias, dadas como fadadas ao fracasso, estão mais fortes que nunca. 

12) O retorno dos nacionalismos e o enfraquecimento da cooperação multilateral e da integração regional (Brexit) dão a medida do pesadelo atual dos liberais. Putin, nesse sentido, é mais um tirano que quer subverter os pilares da democracia liberal. Reprime seus próprios cidadãos, alia-se a outras ditaduras, como China, e usa sua máquina cibernética para fraudar eleições no ocidente. P/evitar que os ventos da liberdade (UE-OTAN) cheguem à Ucrânia, atropela o país vizinho e sufoca seu povo.

13) Para liberais, nesse conflito global entre democracias e autocracias, o objetivo de Putin é demonstrar sua força contra as democracias ocidentais, usando a Ucrânia como laboratório para o nascimento de um autocrata pró-Rússia, como ocorre em Belarus e no centro da Ásia. 

14) A maioria da cobertura midiática (e tuiteira) olha p/o problema pelas lentes liberais. Por isso mesmo, a guerra virou uma questão de tirania x liberdade, do Estado x indivíduos. A tragédia só acabará quando Putin, Xi e outros ditadores forem derrotados.

15) Por fim, outra teoria muito conhecida é o construtivismo. Ela percebe o mundo não a partir do poder, como realistas, ou do indivíduo, como os liberais, mas pelas identidades. Países e sociedades vão construindo narrativas e imagens de si próprios e dos outros, compondo esse panorama complexo das relações internacionais. 

16) Construtivistas levam em conta aspectos culturais, históricos e discursivos p/compreender, p.ex, por que certos países são amigos e outros são rivais, mesmo quando elementos como poder ou democracia sugeririam o contrário. 

17) Para construtivistas, o mundo do pós-Guerra Fria foi marcado por uma transformação de identidades. Antes, países se uniam por afinidades ideológicas, capitalismo ou comunismo. Depois, outras identidades começaram a ganhar força: religião, cultura e história foram usadas para redesenhar o mapa do mundo a partir de novos alinhamentos. 

18) Quem aqui nunca ouviu falar na famigerada tese de Samuel Huntington sobre o "choque de civilizações"? Essa é uma aplicação, ainda que controversa e problemática, do argumento construtivista, na medida em que se defende que novos padrões de interação entre países decorrem de novas identidades. 

19) Pois bem: nesse mundo em que impérios parecem ressurgir (ao lado do império americano, temos o chinês, o russo, o hindu, o otomano), cada um deles quer defender seu espaço civilizacional num esforço para transformar o mundo num conjunto de civilizações lideradas por impérios, em que valores culturais e religiosos próprios prevaleçam. 

20) O construtivismo, nessa chave, ilumina por que noções como cristianismo x islã, ocidente x oriente voltaram à ordem do dia. Putin seria mais que um ditador contra a democracia: seu projeto é de reconstruir o império russo a partir da identidade eslava e do cristianismo ortodoxo, tendo ele como czar pós-moderno. Para isso, precisa solapar as bases da atual ordem internacional, que se baseia em valores liberais e cosmopolitas, em que temas como democracia e dir.humanos são centrais. A estranha proximidade entre Trump, Bolsonaro, Putin, Orbán e Modi, entre outros, se explica por esse antagonismo à ordem vigente - e o gosto pela civilização.

21) Poderia passar o carnaval inteiro falando disso. Mas queria deixar 3 pontos fundamentais dessa longa introdução sobre teorias de RI: - Conceitos diferentes levam a distintas percepções sobre a realidade. O entendimento do mundo depende da compreensão dos conceitos em jogo.

22) Não existe teoria absolutamente certa ou errada. Cada uma delas informa motivações e dinâmicas a partir das variáveis utilizadas. A gente escolhe qual teoria abraçar a partir de nossas afinidades éticas, ideológicas, intelectuais.

23) As decisões políticas também são tomadas, às vezes de maneira inconsciente, com base nessas simplificações teórico-filosóficas. Enquanto não houver uma discussão franca sobre como os principais atores envolvidos veem o mundo, qualquer solução será praticamente impossível.
 

domingo, 20 de fevereiro de 2022

Suco de Brasil

Bernardo Caprara
Sociólogo e Professor

Era só para ser uma ida habitual até a rodoviária. Lá chegando, eu embarcaria num ônibus que, apesar de caro, anda bem precarizado. Mas isso é assunto para outro dia. O fato de se pagar um quarto de milha para não ter um ponto de recarga da bateria do celular no ônibus eu não vou criticar hoje. Dessa vez, foi o trajeto até começar a viagem que me assombrou.

No transporte por aplicativo, após aparentar certa dúvida se aceitaria a corrida, o motorista apontou no horizonte da rua. Observei que ele parou há uns 500 metros da minha casa. Fiquei acenando de longe. Nada. Mandei mensagem pelo celular e ele rabiscou um "ok". Ficou mais um pouco parado. Eu acenava de longe e ele nada. Mais um pouco e nada. Quando achei que desistiria, ele arrancou na minha direção.

Entrei meio contrariado no carro, mas cumprimentei o rapaz com educação. Ele respondeu também educado e disse que havia parado ali antes para anotar o telefone de uma casa que estava para alugar. Isso porque o proprietário da casa em que ele vive, duas quadras ali para trás, segundo ele, tinha anunciado o aumento de 400 reais no aluguel. "400 reais!", esbravejou, completando: "Como eu vou fazer pra pagar isso?!".

Eu olhei para ele e disse que isso era foda, que há poucos meses o meu aluguel também havia aumentado, ainda que menos que o dele, e que isso fodia o cara. Também contei que ontem mesmo um amigo reclamava da mesma coisa: o aumento abusivo dos aluguéis. O homem foi ganhando uma eloquência desanimada e manifestando as dificuldades que teria dali para frente. Dizia que a mulher pensava em voltar para o interior, de onde eles haviam vindo. Que ali naquela região era bom porque a escola estadual em que o filho estudava era perto e a firma dos trampos deles também. Que ali podiam de vez em quando pegar uma praia e ter alguma qualidade de vida. Que quando chegou na Ilha morou no morro da Costeira, e que tinha uma vista animal. Mas que era um perrengue só. E que era foda que a família, quando veio visitar eles, ficou dizendo que aquilo era um barraco e que eles estavam na merda: "Isso machuca, né!".

Eu fui concordando e mais ouvindo do que falando qualquer coisa. A minha vontade era dizer que essa bosta desse país tomado por milicianos genocidas só faz é foder a vida da classe trabalhadora e que para quem vive de rendas e dividendos a coisa tá uma Disney. Não foi preciso. Ele começou a falar do dono do imóvel que ele e a família vivem. "Todos os oito apartamentinhos ali são dele, e também mais oito perto da Lagoa e mais uma casa avaliada em 10 milhões bem pro sul da Ilha". Arrematou dizendo: "E o cara vem me dizer que se ele não aumentar 400 reais vai ficar ruim pra ele! Pra ele! Que é militar reformado e ganha mais de 30 mil por mês e tem tudo isso aí que eu falei!".

É foda. Isso aqui virou uma festa da galera que tem tudo, e o purgatório de quem tá na correria. Quando desci na rodoviária e fui tirar a passagem impressa, a atendente me lembrou de outro problema dessa nação cujo projeto de arcaísmo concentrador de oportunidades não cansa de dar certo. Com a minha identidade nas mãos, ela não conseguia achar a passagem no sistema. Fiquei preocupado, num primeiro momento. Depois percebi que ela não conseguia escrever meu primeiro nome corretamente, por isso não o achava na lista dos passageiros. Quando achou, procurando nome por nome na lista geral, errou por diversas vezes o código da minha vaga no busão. Havia ali uma dificuldade muito grande em lidar com o universo letrado, marca de uma sociedade que despreza a educação.

Já quase na hora de embarcar, pedi um café para dois jovens de um dos bares da rodoviária. Enquanto serviam, um dizia que o outro não poderia deixar a filha "se crescer pra cima dele", e que era melhor ele tomar conta da situação agora do que "tomar na cara depois". Fiquei ouvindo sem demonstrar interesse. O jovem que dava a entender uma grande experiência de vida, incompatível com sua nítida pouca idade, agora perguntava se o outro sabia que existia uma "bosta de uma lei ridícula que não deixa mais os pais baterem nos filhos". Ao que emendava, indignado: "não pode bater nos próprios filhos! Nos próprios filhos!". Eu só posso dizer que esse puro suco dessa máquina de moer gentes que é o Brasil me desceu quadrado antes de ir trabalhar.

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2022

Pré-venda do livro: Um enorme passado pela frente - Memórias do Brasil, de 2013 a 2018

Bernardo Caprara
Sociólogo e Professor

Com alegria divulgo a pré-venda do livro "Um enorme passado pela frente - Memórias do Brasil, de 2013 a 2018", que está saindo pela Editora Viseu. Até o dia 28 de fevereiro de 2022 é possível antecipar a aquisição do exemplar físico e/ou do ebook, utilizando os links abaixo:

Livro físico | ebook

Um enorme passado pela frente - Memórias do Brasil, de 2013 a 2018

Sinopse: Quase três décadas depois de reencontrar a democracia representativa, o Brasil entrava em convulsão social e política. A sociedade brasileira se deparava outra vez com seu passado recente mais sombrio. Narrando os acontecimentos que começaram com os protestos de junho de 2013 e chegaram até a eleição disruptiva de 2018, este livro inicia com a esperança de uma sociedade mais igualitária e livre, terminando com um manifesto contra a política de ódio e destruição que vem pautando o debate nacional.