ABORDAGEM ARTESANAL, CRÍTICA E PLURAL / ANO 1 (16)

América do Sul, Brasil,

terça-feira, 30 de dezembro de 2014

Mais flores, menos espinhos

Bernardo Caprara
Sociólogo e Professor

Outro ano se vai.

O tempo é implacável.

É caminho sem volta.

Por vezes voa. Por vezes parece estagnar.

Mas é caminho.

Árido e espinhoso, pra maioria.

Como caminho, tá em aberto. Pode ser mudado.

É o que desejo pra 2015: mais e mais pessoas ajudando a mudar caminhos.

Mais flores e menos espinhos por aí.

Sigamos!

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sábado, 20 de dezembro de 2014

Muda, vai

Bernardo Caprara
Sociólogo e Professor

Um dia ele foi parado na rua por um estranho.

- Muda, vai.

Aquilo ficou na cabeça. Mudar?

O tempo passou. E essa ideia também.

Porém, a ideia estava por aí.

Para ele, enfim, pouco mudava.

Então, um dia, um sonho virou realidade.

Com ele, uma mudança. Radical. Forte.

Aí ele entendeu. Mudar não é um problema. O problema é o que fica pra trás.

Sozinho, entendeu. Só entendeu.

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quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

Paradoxo viajante

Bernardo Caprara
Sociólogo e Professor

Sempre que venho ao nordeste, um paradoxo me consome.

Salta aos olhos a boniteza das gentes, dos lugares, do clima, das culturas, da diversidade e da própria vivência.

Amarga muito, a despeito das mudanças da última década, a miséria humana, as desigualdades e as opressões.

O nordeste é, para mim, a expressão profunda do Brasil. Quente, envolvente, alegre, bonito, desigual e contraditório.

Um lugar irresistível. Um lugar de vidas vivas e em movimento.

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segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

Aquele abraço, Escola Técnica Estadual Senador Ernesto Dornelles

Bernardo Caprara
Sociólogo e Professor

Querida Escola Técnica Ernesto Dornelles; queridos colegas de trabalho; querido PIBID e queridos Pibidianos; queridos e inesquecíveis estudantes:

Não sei o que me fez chegar à educação. Sei que sempre tive muitas oportunidades na vida. Nas Ciências Sociais, porém, as coisas nunca foram tão fáceis. Sei que não faço o estilo dos dominantes no campo científico da minha área. Calças largas, dificuldade de distanciamento das ruas, uma certa desconfiança do ascetismo acadêmico. Até o boné que usei durante um tempo incomodava os meus pares. A minha fala, inundada pela fala cotidiana, ainda incomoda. Enfim, acho que cheguei à educação para não ficar preso num conto de fadas.

1 QUERIDA ESCOLA TÉCNICA ERNESTO DORNELLES

Era uma manhã de calor. Parei em frente à escola, lá em 2012, e fiquei paralisado. Fui consumido pelo medo, pela ansiedade. Não sabia como seria mais uma inserção num novo local de trabalho, com novas relações e novos desafios. Demorei a entrar.

De lá para cá, o Ernesto se tornou um lugar inesquecível na minha trajetória. Ali, nas salas de aula, nos corredores, em todos os locais do prédio centenário, fiz muitos amigos e cresci demais como professor. Se na Barra do Ribeiro eu me tornei professor, no Ernesto eu aprendi muito sobre a docência e ganhei a certeza momentânea de que este é o meu ofício.

Em todos os lugares que passo, com todas as pessoas que falo, nunca deixo de ressaltar a qualidade das atividades que se desenvolvem na escola. Isso não significa ignorar ou minimizar os problemas. Isso não significa tapar o sol com a peneira. Significa, somente, dar os créditos e valorizar uma coisa que sinto no fundo mais profundo das minhas ideias e sentidos.

O Ernesto é, sim, uma grande escola. E nele está a demonstração de que a escola pública pode ser de qualidade. Que a escola pública pode ter grandes profissionais, grandes projetos, enfrentar as dificuldades estruturais com força e determinação. Tenho muito orgulho desses dois anos que tanto me marcaram nas bandas da Praça da Bronze.

O Centro Histórico de Porto Alegre, minha querida cidade, aquela que jamais experimentei ficar longe, nunca mais será o mesmo para os meus olhos. Sempre que eu sentir a brisa do Guaíba ou tomar um mate no Gasômetro, o Ernesto surgirá na memória e me deixará arrepiado, trazendo lembranças intensas que guardo no peito com muito carinho.

2 QUERIDOS COLEGAS DE TRABALHO

Uma escola é feita de pessoas. Muitas vezes nos esquecemos disso. Mas isso não pode ser esquecido. É verdade que o rodo cotidiano, o peso das estruturas sociais injustas e desiguais, tudo isso acaba soterrando a humanidade dos professores e dos funcionários de escola. É verdade, também, que mesmo assim essa humanidade sempre vem à tona.

Não vou nomear a todos, mas gostaria de agradecer profundamente a todos os colegas de trabalho. Professores e funcionários, sem vocês a minha passagem pelo Ernesto não teria nenhuma parte do brilho que tem para mim. Esse brilho que sinto não é meu. Ele foi construído com vocês, com divergências, sinergias, erros, acertos, amizades e coexistências. Muito obrigado pela parceria.

Preciso e quero falar de algumas pessoas especiais. Como não nomear as meninas-mulheres espetaculares que me aguentaram nesses dois anos na divisão do ensino de sociologia? Impossível! Cris, Ivete e Nina: vocês são foda! Desculpem a linguagem, mas vocês são especiais, vocês foram a melhor parceria que já tive nessa minha pequena experiência docente envolvendo a sociologia. Que orgulho e que saudade eu já tenho de vocês. Não vai ser fácil deixar de trocar uma ideia, dar risadas e pensar trabalhos e atividades em conjunto com vocês. Sentirei muitas saudades. Muitas mesmo.

Raquel, Davi, Neto, Milton, Margareth e todos os demais: muito obrigado pelo aprendizado que me proporcionaram. Deixo as minhas sinceras desculpas pelos fracassos, pelas insuficiências, pelos insucessos, pelas minhas falhas, defeitos e por tudo aquilo que não consegui aprender e pôr em prática com vocês. Um beijo grande no coração, de um ex-colega que tanto vos admira.

3 QUERIDO PIBID E QUERIDOS PIBIDIANOS

Nesses dois anos de Ernesto, tive a maravilhosa oportunidade de supervisionar um dos projetos mais valiosos da educação básica brasileira na atualidade. Supervisionar o PIBID Ciências Sociais UFRGS no Ernesto não foi uma tarefa, foi um orgulho, uma alegria, um baú de amizades, experiências e aprendizados.

De tudo, as pessoas são sempre o mais importante. Quando cheguei, num turbilhão de acontecimentos, não previ que tais pessoas seriam tão importantes para mim. Rafael Barros, Marcela, Bruna, Gui Maltez, Gui Soares, Gui Rodrigues, Marco Plá, Juan, Juliano, Adriana e Cássio: vocês são lindos, vocês são pessoas incríveis, profissionais (sim, profissionais!) da educação que fazem e farão toda a diferença nesse mundo cruel. Pra cima deles, gurizada! Tô com vocês sempre, pro que der e vier, longe ou perto. Obrigado por tudo. Desculpem, vocês também, todas as minhas incapacidades e as diversas aulas lamentáveis que vocês tiveram que participar.

Deixo um beijo e um agradecimento especial ao Gui Rodrigues e ao Juliano: irmãos, obrigado pela fidelidade. Não vem ao caso detalhar o que sinto, mas muito obrigado pela fidelidade. Vocês sabem do que estou falando. Nunca vou me esquecer disso.

Obrigado ao PIBID Ciências Sociais UFRGS, pela oportunidade de supervisão nesses dois anos, pelo aprendizado, pelas oficinas, por tudo. Obrigado a todos os Pibidianos que comigo dividiram o seu tempo. Vocês me fizeram uma pessoa melhor. Vocês me fizeram um professor melhor. Meu carinho por vocês não cabe em palavras.

4 QUERIDOS E INESQUECÍVEIS ESTUDANTES

Pois é. Não existe escola sem estudantes. E mesmo assim muita gente esquece disso! Porra, gurizada... não deixem que a galera esqueça disso! Vocês, queridos e inesquecíveis estudantes, todos vocês que compartilharam seu tempo e sua vida comigo nesses dois anos, são e sempre serão o coração da escola. Enquanto vocês estiverem na escola, vocês continuarão sendo os protagonistas.

Nesses dois anos, vocês me ensinaram muito. Vocês trouxeram experiências, vivências, alegrias, tristezas e muitas emoções para a sala de aula. E era isso mesmo que eu queria, isso que eu sempre desejo que esteja presente na sala de aula. Saio do Ernesto apaixonado por vocês, levando um pouco de vocês comigo para qualquer lugar.

Vocês, queridos e queridas, renovaram a minha fé na educação. Renovaram a minha fé na espécie humana, cheia de inacabamentos e inconsistências, mas cheia de bonitezas e sentimentos. Vocês, inclusive aqueles que pouco gostaram de mim, que pouco se envolveram na sociologia que propus, deixaram um tantinho das vossas personalidades incrustrado nesse aventureiro professor.

Desejo e torço para que vocês sigam a melhor caminhada possível. Desejo e torço para que os seus sonhos se realizem, para que vocês tenham forças para lutar por eles. Torço para que vocês não abaixem a cabeça, enfrentem as desigualdades, lutem pelas oportunidades que vocês merecem, sim! Busquem as oportunidades e, se conseguirem, não esqueçam aqueles que não as têm. Sejam agentes ativos das suas próprias oportunidades e dos seus próprios sonhos, mas sejam agentes ativos da construção de oportunidades e realização de sonhos para todos.

Tentei deixar com vocês a melhor parte de mim. Sei que isso não é muito, mas espero que tenha sido, pelo menos, intenso e alegre. Hoje, eu só sou quem eu sou também por causa de vocês. Obrigado por brilharem tanto na minha estrada. Muito obrigado. Tâmo junto!

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segunda-feira, 24 de novembro de 2014

Um bocadinho de tristeza

Bernardo Caprara
Sociólogo e Professor

A vida é uma loucura. Diz o poeta: “Fazer o quê, se é assim, vida louca, cabulosa!”.

Ontem e hoje. Hoje e amanhã. Idas e vindas. Encontros e despedidas. Convicções e arrependimentos. Sucessos e fracassos. Erros e acertos. Pessoas do agora. Pessoas do sempre. Isso pra falar só dos detalhes.

Tem também uma pá de outras coisas muito mais loucas, muito mais complexas. A gente planeja, sonha, bota o coração e, olha aí, acontece. Por completo. Pela metade. Com mais sacrifícios ali na frente. Ou nunca acontece mesmo. A vida pode ser dura. É. Bate na gente. Nos outros. Bate na trave. Bate na trave e entra. Vai vendo...

No fim, há vários fins. O fim é um baita desafio. Se o caminho teve alegria, se foi intenso, inevitavelmente caberá um bocado de saudade e tristeza. Difícil, mas que fique uma saudosa lembrança e só um bocadinho de tristeza.

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terça-feira, 11 de novembro de 2014

Natureza e cultura: os “genes da violência”


Por Fernando de Gonçalves
Sociólogo pela UFRGS
Do blog
Sociedade dos Indivíduos

Nos últimos dias, a divulgação de uma pesquisa sobre a descoberta de genes que poderiam estar associados com a violência despertou uma série de temores, que iam desde a eugenia à volta das teorias lombrosianas, passando pelas acusações de darwinismo social. Minha ideia nesta breve postagem é mostrar que esses temores não deveriam se sustentar.

Não devemos pensar no comportamento violento como algo recente, fruto do capitalismo, do Estado ou da modernidade, muito menos como um padrão patológico. A evolução biológica selecionou não aqueles organismos mais violentos e fortes, como uma leitura superficial da teoria da evolução poderia levar a crer, mas sim aqueles que conseguiam equilibrar padrões de violência e de não violência. Como Dawkins nos mostra em O Gene Egoísta, animais fazem uso da violência para uma série de coisas vitais que proporcionam sua perpetuação, desde conseguir alimento, se defender para não virar alimento e disputar parceiros sexuais. Ocorre, porém, que ao contrário de pedras e da maioria das plantas, o animal é um ser que vai revidar à violência quando atacado. Assim, um organismo “programado” para atacar sob quaisquer circunstância, acabaria sendo eliminado pela seleção natural, visto que se colocaria em subsequentes situações de confronto. Dawkins cita uma série de experimentos com modelos computacionais – com o auxílio da teoria dos jogos – que descreviam diferentes organismos com diferentes estratégias em reação à violência, desde organismos pacifistas, que nunca atacavam  e sempre buscavam a cooperação (mesmo depois de atacados) a organismos beligerantes, que atacavam sob qualquer circunstância. Em praticamente todos os modelos, os organismos “vencedores” eram aqueles com estratégias do tipo “olho por olho, dente por dente”: nunca ataque primeiro, seja forte o suficiente para resistir a um primeiro ataque, ataque quem lhe atacou antes e coopere com quem cooperou com você na rodada anterior. No mundo real, isso pode significar que tanto organismos ingênuos (que sempre escolheriam a cooperação) e organismos beligerantes (que sempre atacariam) não conseguiram passar seus genes adiante e, portanto, foram eliminados pelo processo de seleção natural. Esse fluxo pode dar pistas sobre como o padrão de violência em animais pode ter evoluído até nossos ancestrais primatas e desvendar as “causas profundas” das propensões à violência que fariam parte do genoma de todos os seres humanos.


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segunda-feira, 3 de novembro de 2014

A disputa pela verdade nacional

Bernardo Caprara
Sociólogo e Professor

Passadas as eleições, a política ficou. Cheia de ódio, mas ficou. Há, pelo menos, quatro tipos-ideais de discursos que tentam dizer qual é a verdade sobre a sociedade brasileira. Primeiro, os mais radicais.

1) O Brasil é uma ditadura comunista em curso, metendo a mão na liberdade das pessoas. Vai virar Cuba e não podemos deixar isso acontecer. Os militares precisam agir. As políticas sociais do governo demonstram isso e a corrupção também. Fomentam a alegria dos vagabundos, das putas e dos gays. A democracia é uma farsa. Lobão é o líder redentor e a revista Veja o bastião da liberdade de imprensa. Ordem já!

2) As políticas sociais do governo são assistencialistas e não mudam a estrutura política e econômica do país. Há um crescimento do consumo das classes populares, mas não uma diminuição das desigualdades, pois os ricos estão cada vez mais ricos. O Estado brasileiro é autoritário e o governo reeleito não tocou na fonte desse autoritarismo em 12 anos. Pelo contrário, aprofundou esse cenário, como junho de 2013 demonstrou. Não há avanços significativos. A democracia é uma farsa. É preciso derrubar ou reconstruir o sistema.

Ambos os discursos batem no PT, de maneiras muito distintas, é óbvio. O PT é o epicentro da disputa pela verdade nacional. Vamos aos moderados.

3) O PT está desorganizando a economia e incentivando mecanismos institucionais autoritários. Não consegue pensar na combinação entre livre mercado e políticas sociais, porque está mergulhado em ideologias ultrapassadas. Está aparelhando o Estado e minando a democracia. A alternância do poder é necessária, mas não se deve pensar em golpe. A via da política institucional deve ser mantida e fortalecida, o que não impede denúncias e críticas ao PT. O PT é o alvo, pois os radicais pró-militares são minorias ridicularizadas pela nação. Prega-se um Estado mínimo e eficiente, com políticas sociais.

4) O Estado brasileiro vem sendo saqueado há séculos. O PT não modificou o modus operandi da política brasileira, apenas criou e fortaleceu políticas sociais importantes, que fizeram as classes populares darem um salto no que tange às oportunidades de ascensão social. É preciso pressionar o PT para que essas conquistas sejam aprofundadas, para que a democracia seja aprofundada. É preciso rejeitar os vícios autoritários do PT e estimular uma maior participação popular, consolidando as vias institucionais. É preciso combater os golpistas e sustentar os procedimentos democráticos como ponto de partida para um aprofundamento do combate às desigualdades e em prol dos direitos humanos. Essas pressões têm mais chances de ocorrer com o PT no governo do que com os demais partidos da ordem.

A coisa é mais complexa, eu sei. Mas esses argumentos estão por aí. Entrelaçados ou separados. E então, como pensar a realidade brasileira? Há mais perigo com o PT instrumentalizando o Estado com seu viés dito estalinista? Há mais perigo no saudosismo das ditaduras militares, cada vez mais presente? Não há perigo, há de se disputar os rumos numa democracia que já está consolidada?

As hipóteses de resposta, de minha parte, ficam para outra ocasião.

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quarta-feira, 29 de outubro de 2014

O fantasma de Zenão: Brasil ou Eléia?


Gabriel Torelly
Professor e Historiador

Sobre o voto nulo ou a abstenção, meu ponto seria o seguinte: não se trata de compreender a abstenção como terceirização de responsabilidades, mas como fonte de um enigma irredutível ao conflito entre dois termos (A x B). A abstenção seria um terceiro termo compreendido em si mesmo, no próprio interior da sua diferença. O Terceiro (a abstenção) seria senhor (a) da sua própria efetuação. Partindo dessa leitura, prefiro pensar o Terceiro como o espaço ideal ocupado por um numeral obscuro, ou como imagem plural que perde toda potência quando reduzida aos efeitos provocados no interior do jogo entre o Primeiro e o Segundo. Duas reduções comuns do Terceiro: esterilidade indiferente (Terceiro = Nada); figura desqualificada ou, no caso específico das eleições, “despolitizada”, que provoca efeitos diversos na relação entre o Primeiro e o Segundo (Terceiro = coisa qualificada negativamente).

Por outro lado, encarado enquanto numeral obscuro, o Terceiro pode ser entendido como espaço ideal de uma alteridade enigmática. Por que reduzir esse aspecto incerto e múltiplo da alteridade a uma interpretação que lhe retira/recusa toda dimensão qualitativa? No meu modo de ver, parece que perdemos possibilidades aí, limitando, ao invés de alargar, a perspectiva de análise. Enfim, a interpretação é livre; incontornáveis talvez sejam os golpes de linguagem totalizadores sobre os quais ela se constrói; o significado está em constante disputa. Mas também seria justo dizer que cada um é livre pra construir a moralidade do seu voto/conduta e preencher-lhes o significado de maneiras diferentes e nuançadas. São as nuances multiformes da abstenção o que se perde quando se faz delas um pálido reflexo da relação entre A e B.

O vocábulo abstenção pode ser sinônimo da ousadia sintática que procura deslizar para fora ou derivar até um espaço que se descole do paradigma agonizante (aparadigmático/neoparadigmático). Nesse caso, extrair o sentido do Terceiro do conflito ou da relação entre A e B pode ser um engodo intelectual e, mais profundamente, uma versão política da famosa batida de carteira epistemológica do outro. Na melhor das hipóteses, dizer que o voto nulo influi negativamente no cálculo das probabilidades duais é não dizer nada a seu respeito; na pior delas, significa ignorar um coeficiente diferencial, silenciando e anulando toda potência de significação situada fora de uma gramática política atualizada. Em todos os casos, policiar o sentido da abstenção é jogar o jogo do Estado, fazendo por ele o trabalho sujo de enquadramento e categorização – violento, injusto, indelicado. Mais inquietante do que se ver obrigado a escolher entre A e B é atualizar constantemente o espaço retórico no qual se move esse combate, simplesmente fácil demais para ser interessante.

A x B é a armadilha da soberania política contra a independência do bando. A x B funciona como uma moral que a um só tempo interioriza e infantiliza a expressão do Terceiro. Nesse jogo, o Terceiro é desde sempre o ingênuo, aquele que não sabe o que se passa ou não reconhece as consequências evidentes daquilo que faz. Exteriorizado em relação à razão eleitoral, internalizado como um pobre diabo carente de orientação e de consciência. O sanatório das abstenções é povoado por um conjunto de débeis com fraqueza de juízo. É preciso que alguém lhes corrija e lhes traga novamente para dentro da zona de comunicação ideosférica. O sentido precisa estar amarrado entre A e B, do contrário, o que vai ser? O que vai servir? Como antever o horizonte do desejo da persona votante?

Drogado pelos efeitos alucinógenos da democracia representativa, ele não pode conceber nenhum tipo de presença que esteja fora do seu estado. O crítico da abstenção pode parecer por vezes um estranho democrata às avessas. Forçando o jogo do sentido para o interior do campo que lhe favorece, para dentro da gramática política na qual ele encontra-se mergulhado, acaba por enfiar as pernas no autoritarismo. Pouco importa se ele foi drogado por Collor, Aécio, Dilma ou Itamar (ok, talvez importe, mas isso não é o essencial). O fato é que ele está drogado e os efeitos se manifestam no sistema de linguagem com o qual opera. O despotismo do Significante pode ser uma enfermidade mais severa do que uma opção eventual entre A e B. Não se trata de argumentar que a abstenção seja de alguma maneira revolucionária ou conservadora, mas de reconhecer-lhe o direito à sua própria discursividade.

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segunda-feira, 22 de setembro de 2014

Uma banana para as Ciências Humanas


Bernardo Caprara
Sociólogo e Professor

A recente fala da presidente Dilma, sugerindo que as disciplinas de Sociologia e Filosofia estão sobrando no ensino médio, causa um enorme espanto e uma boa dose de indignação. Faz coro ao que tem de mais retrógrado na sociedade brasileira.

Sobram, isso sim, as perguntas. Se a arguição foi sobre índices de analfabetismo, por que acusar as duas matérias? Não há incongruência evidente, sendo que a grande conquista da presença obrigatória dos conteúdos no currículo escolar ocorreu no governo Lula?

Pois é. Observemos no chão da escola quais são as demandas. Claro, numa amostra não probabilística e carregada de emoções, nada neutra. No local de trabalho. A fala dos estudantes deixa pensativo quanto à lógica da escola e à mediação pedagógica. A escola é uma jaula para as ideias, disse uma aluna, pouco tempo atrás. O contexto é excessivamente opressor e transmissor de informações, afirmam. Não há leitura de mundo, somente de palavras. Um mato sem cachorro.

A Sociologia, essa Geni rejeitada pelos tecnocratas, em algumas falas dos educandos aparece como uma coisa estranha a esse mundo arbitrário da escolarização. Uma coisa cheia de debates, que pensa o real, desafia o cotidiano, mexe com as práticas do dia a dia. Mostra-se uma espécie de janela localizada entre grades tradicionais. Por óbvio, se feita de qualquer jeito, pode virar uma janela fechada, que logo deixa de ser o que era para tornar-se mais uma tranca.

Tirar a Sociologia e a Filosofia da escola mais demonstra a face tacanha do desenvolvimentismo do governo do que uma incursão rumo a um ensino médio de qualidade. O fato de que a política econômica do governo, mesmo servindo ao capital, mostra-se menos deteriorante se comparada aos projetos da oposição, não significa que as críticas ao modelo de desenvolvimento focado no consumo percam o seu espaço. O telhado é frágil nesse quesito, convenhamos.

Dilma apontou, atirou e errou feio com a desconexa sentença. Acabou pregando uma ode aos engenheiros, que, em tese, não precisariam pensar fora da técnica (não vivem em sociedade os arautos da pureza?). Bons técnicos pensam sobre o papel que a técnica ocupa no mundo. Existem vários assim.

Pareceu restar, na fala de Dilma, uma banana para as Ciências Humanas. Cabe resistir.

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quarta-feira, 17 de setembro de 2014

Por um Banco Central republicano


Guilherme Lacerda, Diretor do BNDES
Antonio José Alves Jr., Professor da UFRRJ
Reproduzido do site Brasil Debate

As ideias que se seguem são motivadas pela perplexidade frente ao ataque agressivo, na forma e no conteúdo, desferido contra o Banco Central do Brasil. Por sua história e pela seriedade de sua missão, essa instituição do Estado brasileiro jamais poderia ter sua administração adjetivada levianamente como temerária (uma conduta tipificada no código penal brasileiro).

Tais ataques não têm legitimidade política para sancionar a terceirização da gestão econômica do Brasil e muito menos encontram amparo técnico que as qualifique; são apenas expressão do apego a concepções anacrônicas, elaboradas quando o Brasil ainda engatinhava em termos de estabilidade monetária.

Desde a virada do século, economistas e dirigentes de bancos centrais em todo o mundo tem debatido o poder conferido às autoridades monetárias e sua missão. Esse debate se acentuou com o complexo quadro econômico mundial pós-crise. E são muitas as manifestações nesse sentido.

Em março deste ano, o Presidente do Banco da Inglaterra, Mark Carney, admitiu que a busca exclusiva da estabilidade de preços, típica de um Banco Central Independente, “…tornou-se uma distração perigosa para a economia”.

Na mesma linha, Christine Lagarde, diretora-chefe do FMI, afirmou ter chegado a hora de se ajustar o controle dos governos sobre os Bancos Centrais; eles não podem ficar presos só ao objetivo da estabilidade de preços. E ela acrescenta que, como a crise ensinou, “a estabilidade de preços não necessariamente leva à estabilidade macroeconômica”. Ademais, as evidências revelam: os países que não têm meta de inflação ou Banco Central independente se saíram tão bem ou foram melhores que aqueles adeptos desse arcabouço na condução da política econômica.

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segunda-feira, 15 de setembro de 2014

Três críticas aos governos do PT

Bernardo Caprara
Sociólogo e Professor

Sou daqueles que dificilmente veem seu candidato à presidência vencer o pleito maior da República. Vi uma vez, nesses quase 30 anos. Baita decepção. O tempo passou. Tenho criticado a ilusória nova política que se abre diariamente na candidatura de Marina Silva. Porém, para me manter fiel comigo mesmo, não posso deixar de criticar os governos do PT, visto que venho fazendo isso há anos e ainda vejo motivos para fazê-lo. Dirijo minhas divergências à estratégia de alianças políticas, às relações indígenas-campo-agronegócio e aos apoios declarados ao modelo de segurança das UPP’s no Rio de Janeiro.

Antes de tudo, se é verdade que o presidencialismo de coalização fomenta alianças pragmáticas, por vezes pouco programáticas, uma retórica de oposição levantada por Marina Silva, ainda assim eu não consigo (não adianta) atribuir um sentido valoroso para as conexões estabelecidas pelo PT no governo [1]. Pode ser falha minha, mas Lula e Maluf não combinam na minha gramática imaginativa das coisas políticas, intrincada com leituras e análises da realidade. O PP não faz sentido em conexão com o PT. Collor e tantos outros, tampouco. Pelo menos, não deveriam ter nada a ver com o PT. Michel Temer e o PMDB...

Isso me leva a uma figura como Kátia Abreu. Leva a sua defesa intransigente do agronegócio, fração ascendente no bloco no poder levemente redesenhado a partir da metade do segundo governo Lula, quase sempre associada aos mais nefastos valores sociais (racismo, homofobia, etnocentrismo, etc.). Leva ao fato de que ela e os barões dessa fração do poder econômico brasileiro travam muitos avanços na pertinente orientação heterodoxa residente desde a crise de 2008 na economia nacional. Pertinente e paradoxal. A exportação de commodities (soja, carne, grãos) como carro-chefe do superávit primário, sejam os números maquiados ou não, parece-me um desígnio do forte e devastador impacto numa série de vidas brasileiras que se relacionam com o mundo real fora dos grandes centros urbanos.

Um modelo de país desenvolvido precisa atentar para os graves problemas originados de empreendimentos como a hidrelétrica de Belo Monte, por exemplo. Um atropelo quanto aos mecanismos de remediação das mazelas locais, sociais e ambientais, como o que está acontecendo, manifesta-se muito prejudicial ao Brasil [2]. O Brasil é um país heterogêneo, repleto de “mundos” diferentes, cujas cosmologias e interpretações da realidade agregam uma pluralidade impagável às gentes destas terras. Quando leio as tristes denúncias de antropólogos como Eduardo Viveiros de Castro [3], reconhecidos internacionalmente, não devo evitar o pronunciamento destas palavras críticas. Se o “mundo” dos povos indígenas já não existe mais, foi dizimado pelo colonialismo, a tarefa ética contemporânea é garantir o cumprimento da Constituição de 1988 e demarcar as terras indígenas sem relativizar a lei.

Por outro lado, tão entristecedor quanto o primeiro, se a política econômica voltada para a fração do agronegócio no bloco no poder ganha a relevância que ganhou, é uma obviedade que os indicadores da concentração da terra serão terrivelmente elevados, à medida que os relativos à reforma agrária flertarão com o ostracismo. E é isso mesmo que os dados revelam [5]. O compartilhamento das terras improdutivas e uma política potente e volumosa de recursos, ensino técnico e superior para a produção da agricultura familiar e/ou agroecológica, nesse cenário vira uma piada de mau gosto. Sei de iniciativas dos governos do PT em prol da agricultura familiar aqui e ali. Contudo, refiro-me a concretude de um projeto ambicioso a nível federal, que não parece compatível com o modelo econômico de exportação de commodities. Os dados abaixo são do Dataluta, da Unesp e do INCRA.

Número de famílias assentadas (1985-2011)

Evolução da concentração de terra no Brasil (2003-2010)

O último aspecto refere-se à violência nos centros urbanos. Nas grandes cidades, sobretudo no Rio de Janeiro, os modelos de segurança pública criminalizam as populações de baixa renda e os moradores de comunidades pobres. Negros e pobres são assassinados a varrer neste país, seja de que lado a bala venha [4]. E as UPP’s reproduzem esse genocídio em alguma escala, numa forte escala, diga-se de passagem [6]. Isso remete ao necessário enfrentamento ao conservadorismo das instituições de segurança nacional (polícias e exército). A Comissão da Verdade é um magnífico avanço, mas precisa prosperar [7]. A PEC 51, que problematiza o caráter das polícias no Brasil, outro avanço que precisa de espaço na agenda pública. Enquanto nada disso prospera, quando Dilma Rousseff aparece entusiasmada com o candidato da situação no Rio de Janeiro [8], torna-se imperativa uma crítica ao modelo repressivo segregador e atrasado vigente por aqui.

As considerações expostas acima me deixam um pouco mais coerente com as minhas próprias convicções acerca das forças políticas que disputam supremacia na democracia representativa brasileira. Aqueles que possam ter me visto como um petista, eu espero que agora não vejam mais. Tenho outras incontáveis críticas aos governos do PT no âmbito federal – e, nesse momento, estadual: e o piso salarial governador? Entretanto, volto a ressaltar, sublinhar e deixar bem claro: a candidatura de Marina Silva me parece ainda pior.

Referências

[1] http://www1.folha.uol.com.br/poder/2014/06/1476940-para-fortalecer-dilma-pt-fecha-aliancas-polemicas-e-faz-intervencoes.shtml

[2] http://www.osimpactosdebelomonte.com.br/sobre-o-projeto/

[3] http://www.ihu.unisinos.br/noticias/533867-indigenas-vivem-em-faixa-de-gaza-brasileira-diz-eduardo-viveiros-de-castro-

[4] http://negrobelchior.cartacapital.com.br/2013/10/18/indice-de-assassinato-de-negros-o-problema-e-social-e-nao-racial/

[5] http://www.ipea.gov.br/desafios/index.php?option=com_content&view=article&id=2866:catid=28&Itemid=23 / http://www.brasildefato.com.br/node/11534

[6] http://www.revistaforum.com.br/blog/2014/03/upp-ja-nasceu-como-um-modelo-fracassado/

[7] http://memoria.ebc.com.br/agenciabrasil/noticia/2013-12-26/comissao-da-verdade-tera-ate-dezembro-de-2014-para-concluir-trabalhos

[8] http://odia.ig.com.br/noticia/rio-de-janeiro/2014-09-12/dilma-lamenta-morte-de-comandante-de-upp-e-elogia-alinhamento-de-governos.html

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quinta-feira, 11 de setembro de 2014

Só que não, tchê!

Bernardo Caprara
Sociólogo e Professor

Dois rapazes espreitam o rio. O primeiro desanda a trovar:

- Mas bah! Nós somos um povo muito politizado. Eles que sigam as nossas façanhas, de modelo a toda Terra. Nós não estamos próximos de eleger os paus mandados da maior rede de televisão destas bandas, como dominados. Nós não ateamos fogo em algum lugar, porque vai ter casório entre um baita grupo de gente, até com duas prendas que se gostam. Nós não chamamos as mulheres de china véia ou nenhum apelido pejorativo. Um dos nossos maiores clubes de futebol não tem cânticos que chamam pessoas de macacos. O outro dos nossos times bagualíssimos não tem cânticos que ofendem os outros por gostarem de quem quer que seja. Aqui nós somos todos politizados. Nem de perto passa o preconceito e a opressão. Aqui jamais defendemos uma guerra que perdemos, contando ao mundo que não nos entregamos na peleia, que eles que abandonaram os pagos. Aqui não!

O outro, ainda a espreita do rio, balançou a cabeça. Num gesto espontâneo, decepcionado. Então, do nada, uma sentença trovejou no silêncio das águas:

- Só que não, tchê! Não generaliza!

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terça-feira, 26 de agosto de 2014

Lançamento do livro “A formação docente em Ciências Sociais”


Em meio ao IX Seminário Institucional do PIBID UFRGS, no dia 22 de agosto de 2014, ocorreu o lançamento do livro A formação docente em Cîências Sociais: as experiências do PIBID e do Estágio de Docência, organizado pelas Professoras Doutoras Maria Lúcia Moritz e Roseli Inês Hickmann. O material, editado pela Oikos, congrega textos dasImagem reproduzida do site http://oikoseditora.com.br/new/obra/index/id/500 então coordenadoras do PIBID Ciências Sociais UFRGS (em 2013), das coordenadoras dos Estágios de Docência em Ciências Sociais da UFRGS, dos supervisores do PIBID na Escola Técnica Estadual Ernesto Dornelles e no Colégio Estadual Padre Réus, além de escritos dos bolsistas do PIBID das duas escolas e dos estagiários da UFRGS. O livro pode ser adquiro pelo site da editora. Abaixo consta o sumário da publicação.

Parte I – Pibid-Ciências Sociais e seu mosaico de experiências

A produção da docência em Sociologia no Ensino Médio: sobre a experiência do PIBID (Roseli Inês Hickmann e Maria Lúcia Moritz)

Qual Sociologia construir no Ensino Médio? Pensando o fazer prático numa perspectiva aberta, múltipla e diversa (Bernardo Caprara, Marco Plá e Guilherme Rodrigues)

Democratizando as formas de conhecer o mundo (Bruna Molina Leal, Guilherme Soares e Marcela Donini de Lemos)

Políticas de Educação, Sociologia no Ensino Médio e Avaliação (Gabriel Arnt, Gustavo Silveira e Murilo Gelain Gonçalves)

Oficina Interdisciplinar: “Antes que a Zona Sul Acabe” (Marcos Machado Duarte)

Parte II – As experiências dos estagiários na Escola

O ofício de professor de Sociologia e as experiências de estagiários na escola (Rosimeri Aquino da Silva e Célia Elizabete Caregnato)

Números sobre a desigualdade educacional brasileira (Alan da Rosa)

A Leitura no processo de aprendizagem em Sociologia (Felipe Madeira)

Prática pedagógica em Direitos Humanos na formação de professores/as (Lúcia Flesch)

Pensando o ensino de Sociologia a partir do estágio docente em Ciências Sociais (Stefan Hubert)

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terça-feira, 19 de agosto de 2014

A escola dos meus sonhos

Por Frei Betto
Teólogo e Escritor

Na escola de meus sonhos, os alunos aprendem a cozinhar, costurar, consertar eletrodomésticos, fazer pequenos reparos de eletricidade e de instalações hidráulicas, conhecer mecânica de automóvel e de geladeira, e algo de construção civil. Trabalham em horta, marcenaria e oficinas de escultura, desenho, pintura e música. Cantam no coro e tocam na orquestra.

Uma semana ao ano integram-se, na cidade, ao trabalho de lixeiros, enfermeiras, carteiros, guardas de trânsito, policiais, repórteres, feirantes e cozinheiros profissionais. Assim, aprendem como a cidade se articula por baixo, mergulhando em suas conexões subterrâneas que, à superfície, nos asseguram limpeza urbana, socorro de saúde, segurança, informação e alimentação.

Não há temas tabus. Todas as situações-limites da vida são tratadas com abertura e profundidade: dor, perda, falência, parto, morte, enfermidade, sexualidade e espiritualidade. Ali os alunos aprendem o texto dentro do contexto: a matemática busca exemplos na corrupção dos precatórios e nos leilões das privatizações; o português, na fala dos apresentadores de TV e nos textos de jornais; a geografia, nos suplementos de turismo e nos conflitos internacionais; a física, nas corridas da Fórmula 1 e pesquisas do supertelescópio Hubble; a química, na qualidade dos cosméticos e na culinária; a história, na violência de policiais a cidadãos, para mostrar os antecedentes na relação colonizadores-índios, senhores-escravos, Exército-Canudos etc.

Na escola dos meus sonhos, a interdisciplinaridade permite que os professores de biologia e de educação física se complementem; a multidisciplinaridade faz com que a história do livro seja estudada a partir da análise de textos bíblicos; a transdisciplinaridade introduz aulas de meditação e de dança, e associa a história da arte à história das ideologias e das expressões litúrgicas.

Se a escola for laica, o ensino religioso é plural: o rabino fala do judaísmo; o pai-de-santo do candomblé; o padre do catolicismo; o médium do espiritismo; o pastor do protestantismo; o guru do budismo etc. Se for católica, promove retiros espirituais e adequação do currículo ao calendário litúrgico da Igreja.

Na escola dos meus sonhos, os professores são obrigados a fazerem periódicos treinamentos e cursos de capacitação, e só são admitidos se, além da competência, comungam com os princípios fundamentais da proposta pedagógica e didática. Porque é uma escola com ideologia, visão de mundo e perfil definido sobre o que são democracia e cidadania. Essa escola não forma consumidores, mas cidadãos.

Ela não briga com a TV, mas leva-a para a sala de aula: são exibidos vídeos de anúncios e programas e, em seguida, analisados criticamente. A publicidade do iogurte é debatida; o produto, adquirido; sua química, analisada e comparada com a fórmula declarada pelo fabricante; as incompatibilidades denunciadas, bem como os fatores porventura nocivos à saúde. O programa de auditório de domingo é destrinchado: a proposta de vida subjacente; a visão de felicidade; a relação animador-platéia; os tabus e preconceitos reforçados etc. Em suma, não se fecha os olhos à realidade; muda-se a ótica de encará-la.

Há uma integração entre escola, família e sociedade. A Política, com P maiúsculo, é disciplina obrigatória. As eleições para o grêmio ou diretório estudantil são levadas a sério e um mês por ano setores não vitais da instituição são administrados pelos próprios alunos. Os políticos e candidatos são convidados para debates e seus discursos analisados e comparados às suas práticas.

Não há provas baseadas no prodígio da memória nem na sorte da múltipla escolha. Como fazia meu velho mestre Geraldo França de Lima, professor de História (hoje romancista e membro da Academia Brasileira de Letras), no dia da prova sobre a Independência do Brasil os alunos traziam à classe toda a bibliografia pertinente e, dadas as questões, consultavam os textos, aprendendo a pesquisar.

Não há coincidência entre o calendário gregoriano e o curricular. João pode cursar a 5ª série em seis meses ou em seis anos, dependendo de sua disponibilidade, aptidão e recursos.

É mais importante educar que instruir; formar pessoas que profissionais; ensinar a mudar o mundo que a ascender à elite. Dentro de uma concepção holística, ali a ecologia vai do meio ambiente aos cuidados com nossa unidade corpo-espírito, e o enfoque curricular estabelece conexões com o noticiário da mídia.

Na escola dos meus sonhos, os professores são bem pagos e não precisam pular de colégio em colégio para poderem se manter. Pois é a escola de uma sociedade onde educação não é privilégio, mas direito universal e, o acesso a ela, dever obrigatório.

Texto reproduzido do site do autor, onde podem ser encontrados outros artigos: http://www.freibetto.org/index.php/artigos/14-artigos/25-a-escola-dos-meus-sonhos.

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quinta-feira, 14 de agosto de 2014

Ontologias, epistemologias e metodologias nas Ciências Sociais

Bernardo Caprara
Sociólogo e Professor

A professora de Sociologia Política da European University Institute, Donatella Della Porta, em conjunto com Michael Keating, professor de Ciência Política da University of Aberdeen, apresenta duas tabelas que tentam congregar uma tipologia acerca das possibilidades ontológicas, epistemológicas e metodológicas nas Ciências Sociais. Ainda que a tentativa gere muitas controvérsias, vale analisar e problematizar o material, que ajuda a pensar questões subjacentes ao fazer científico.

How many ontologies and epistemologies?

How many methodologies in the social sciences?

Tabelas disponíveis em: DELLA PORTA, Donatella; KEATING, Michael. Approaches and Methodologies in the Social Sciences: A pluralist perspective. New York: Cambridge, 2008. Páginas 23 e 32.

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terça-feira, 12 de agosto de 2014

Mapa das desigualdades de renda no mundo globalizado

Bernardo Caprara
Sociólogo e Professor

A desigualdade de renda ou de rendimentos, indicador bastante conhecido das desigualdades econômicas, pode ser medida pelo Coeficiente de Gini. Com base nessas evidências, o mapa abaixo demonstra a incidência das desigualdades de renda no mundo globalizado. Os países com maior desigualdade estão marcados nas cores escuras (preto, vermelho escuro e vermelho). Localizam-se, de modo geral, na América Latina e na África. O mapa está contido no CIA World Factbook 2009.

Imagem reproduzida de http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/3/32/Gini_Coefficient_World_CIA_Report_2009.svg/1280px-Gini_Coefficient_World_CIA_Report_2009.svg.png

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quinta-feira, 7 de agosto de 2014

Saudosa maloca

Bernardo Caprara
Sociólogo e Professor

Fazia tempo que não rolava um samba por lá. Naquela noite, a lua cheia clareava as ruas da cidade. Três amigos observavam atônitos os escombros que tomavam conta da quebrada. De repente, dois levantaram, resmungando e entrebatendo-se.

- Deixe-me ir, preciso andar. Vou por aí, a procurar. Rir pra não chorar.

- Tire o seu sorriso do caminho, que eu quero passar com a minha dor.

O terceiro, extenuado na sarjeta, sentenciou baixinho, quase calado, num misto de desolação e nostalgia:

- Saudosa maloca... Maloca querida! Din Din Donde nóis passemo os dias feliz de nossas vida.

Nas camisas que vestiam, produzidas com esperança, uma verdade gritava em silêncio, impressa em letras tristes nos tecidos desgastados: “Quando morar é um privilégio, ocupar é um dever”.

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terça-feira, 5 de agosto de 2014

Do desânimo à reflexão

Bernardo Caprara
Sociólogo e Professor

Na volta às aulas, em meio ao desânimo quase geral, uma conversa ganha relevo:

- Acho que o melhor a fazer é largar tudo, juntar o que sobrar de dinheiro e fundar ou se mudar para uma comunidade alternativa. Integrar a natureza e esquecer todas as tretas da cidade grande. Deixar de consumir o que nos consome.

- Pois é. Até entendo essa postura, ela se associa bem ao nosso tempo. Algo como “procure fazer a sua felicidade que o resto todo será feliz”. Uma filosofia que beira o utilitarismo, sem nomeá-lo. Também tenho a vontade de baixar o ritmo, ficar mais perto do mar, botar o pé na grama e respirar um ar mais puro.

- Então, é disso que eu tô falando!

- É, mas a minha vontade é a minha vontade. Que pode até se consolidar, numa cidade em que essas características existam. Não posso e não quero, entretanto, eximir-me da minha parcela de responsabilidade para com os grandes problemas do mundo. O destino dos outros cruza o meu e o teu destino. Não consigo isolar-me e satisfazer-me com a minha felicidade somente. Por isso escolhi ser professor. Para construir saberes coletivos sobre o mundo, sobre a vida dos seres humanos e, assim, tentar contribuir com um mundo menos desigual, injusto e opressivo. Para que todos nós possamos sonhar.

Do desânimo à reflexão. Da reflexão ao retorno às atividades profissionais.

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quinta-feira, 24 de julho de 2014

XVIII ISA World Congress of Sociology


Bernardo Caprara
Sociólogo e Professor

Na semana de 13 a 19 de julho, em Yokohama, no Japão, ocorreu o XVIII Congresso Mundial de Sociologia da Associação Internacional de Sociologia (ISA). Esteve presente um paper relacionado à minha dissertação de Mestrado Acadêmico, apresentado pela minha orientadora, agora de Doutorado, a Professora Drª Marília Patta Ramos, do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da UFRGS. O trabalho, intitulado The Impact Of Cultural Capital On Students’ Performances In Brazil, fez parteXVIII ISA World Congress of Sociology do Research Committee on Sociology of Education (RC04). Segue abaixo o resumo da apresentação, que também pode ser visualizado no documento Book of Abstracts, na página 795.

The main goal of this study is to verify the effect of cultural capital on students’ performances through an official test applied by the Brazilian government (Prova Brasil), the students are part of the Brazilian Elementary to High School Evaluation System (SAEB). The data set used is from the year of 2003 and involves 52.434 students. The standard test is applied every other year in the fields of mathematics and Portuguese. Along with the test a questionnaire is applied to identify students’ demographic characteristics as well as their families’ profile. The research question is: what is the impact of cultural capital on students’ performances in the SAEB test controlling for their demographic characteristics and relations with other students and their teachers? The theoretical background is based on James Coleman (1997), Pierre Bourdieu (1982, 1998) and Basil Bernstein (1997). Among Brazilian scholars the study includes the ideas of Nelson Silva and Carlos Hasenbalg (2000) and Maria Ligia Barbosa (2009). The study model has as the dependent variable the students’ grades in the SAEB test and the cultural capital as the main independent variable along with the control variables. Descriptive analyses are used as well as regression models to obtain the effect of the independent variables on the dependent variable. The preliminary and main results show that there is significant association between levels of cultural capital and students’ performances in the SAEB test. Specifically, there is a significant and positive correlation between parents’ education, ownership of computer, access to the internet and newspaper reading with the performances in the SAEB test.

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terça-feira, 22 de julho de 2014

Biblioteca de Ciências Sociais

Bernardo Caprara
Sociólogo e Professor

A gente segue vivendo. Encarando os desafios. Enfrentando o que vem pela frente. O falecimento do grande Rubem Alves, nesta semana, sinaliza uma perda e tanto. Dizia: “Os conhecimentos nos dão meios para viver. A sabedoria nos dá razões para viver”.

Como meios ou razões, tanto faz, a leitura enriquece a vida. É com esse intuito que divulgo, junto com meu querido amigo Gregório Grisa, um pequeno espaço que pode ajudar os interessados pelas Ciências Sociais. Trata-se de um arquivo contendo referências para textos publicados em revistas científicas, anais de eventos e depositários de teses ou dissertações, congregando cinco áreas de interesse: Desigualdades Sociais, Sociologia da Educação, Ensino de Sociologia, Epistemologia das Ciências Sociais e Temáticas Diversas. No momento, constam 84 referências. Basta acessar o link Biblioteca no menu superior.

Ali se encontram escritos que estão longe de esgotar os assuntos listados. Sempre haverá mais a se dizer. São textos que já lemos, que nos foram indicados ou que estão na fila para a leitura. Textos que serão atualizados no ritmo do cotidiano.

Sigamos construindo e disseminando saberes e conhecimentos.

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quinta-feira, 17 de julho de 2014

Um nó para o ensino de Sociologia

Bernardo Caprara
Sociólogo e Professor

Dia desses, lendo um pequeno baita texto do Frei Betto, perguntei-me: qual é a escola dos meus sonhos? Difícil responder. Viajei um pouco mais: como é o ensino de Sociologia dos meus sonhos? Bah, aí o bicho pegou de vez. Coisa bem complexa.

Talvez, quem sabe, a mediação pedagógica seja o nó mais evidente a ser desatado. Como não propor um arsenal de teorias e conceitos que não fazem sentido para os estudantes? Como não recair ao mais do mesmo, a uma espécie de conversa de bar sem conteúdo?

Experimentando, errando e acertando, caio de cabeça nessa aventura. Atribuindo sentido aos acontecimentos do cotidiano. Sentindo. Procurando oferecer alternativas de compreensão do real, para além das naturalizações. Provocando estranhamentos. Compartilhando razões e emoções.

Partindo da realidade, do que é próximo de todos nós. Emaranhando conceitos e teorias das Ciências Sociais, cuja pluralidade auxilia – e muito. Concretizando essa teia, retornando à realidade para (re)pensá-la de diversos modos. Com diversos saberes. Encarando as dificuldades do mundo concreto, árduo, pesado e cruel.

Contudo, um fator parece preceder toda e qualquer iniciativa metodológica no âmbito do ensino. Se nós, professores, não encararmos nossos estudantes como protagonistas, seres humanos repletos de subjetividades, aí os obstáculos enormes que já existem se transformarão em barreiras quase intransponíveis. Evitar essas barreiras é um ato político.

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terça-feira, 15 de julho de 2014

Ainda distantes

Bernardo Caprara
Sociólogo e Professor

Há 225 anos, a tomada da Bastilha, em Paris, prometia um novo cenário de direitos para a humanidade. É verdade que se tratava da ascensão da burguesia ao poder político. É verdade que a liberdade, a igualdade e a fraternidade ganhavam outros contornos na época. Afinal, os conceitos se relacionam com a realidade.

A prisão arbitrária de manifestantes, no Rio de Janeiro, antes que cometessem quaisquer crimes. A ofensiva brutal do Estado de Israel sobre a Faixa de Gaza*. A miséria humana espalhada por todos os cantos do planeta. Fenômenos que mostram, de fato, o quanto ainda estamos distantes de uma gama de direitos humanos elementares.

* Para entender melhor o que se passa na região, sugiro a reportagem da BBC Brasil, intitulada “A economia, a história e o dia a dia de restrições em #Gaza”.

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sexta-feira, 11 de julho de 2014

Sobre melancolias

Bernardo Caprara
Sociólogo e Professor

Confesso: estou melancólico. Por algumas razões. Gosto de futebol e gosto da Seleção, mais do que da esquadra argentina ou alemã. Gosto do Brasil. Nessa semana, ao perceber o olhar decepcionado de alguns estudantes bem jovens, compartilhei do sentimento de incredulidade. Talvez, e somente talvez, nós podemos tirar uma lição da humilhante derrota que não sairá da memória. Uma lição em favor do futebol coletivo, da humildade, da certeza de que as individualidades só saem vitoriosas num time em que todos trabalham com afinco. Quem sabe, menos marketing e mais bola.

Para nós, os adultos, a mácula da lavada germânica tem o seu lugar, mas vai perdendo espaço para as tragédias do cotidiano. Para o avanço desproporcional dos exércitos israelenses na Faixa de Gaza, arrasando o povo palestino. Para a miséria humana que permanece reproduzida aqui, ali e acolá. Motivos para uma boa dose de melancolia (com gelo, por favor) não nos faltam, infelizmente.

Porém, como diz a música, é preciso erguer a cabeça e acreditar que um novo dia irá raiar. E, nesse novo dia, tentar fazer diferente.

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quarta-feira, 9 de julho de 2014

Gramáticas da grande humilhação

Bernardo Caprara
Sociólogo e Professor

A Copa chega perto do fim. O maior rival está na grande final. No mundo do futebol, o Brasil está destroçado. Humilhado. A grande mídia ferve. Todos opinam. Interessante. Surge de tudo um pouco. Futebol e política se misturam. Complexificam-se. Uma série de gramáticas compete pelo sentido dos acontecimentos.

Vem alguém e diz que não gosta de política, não vai se manifestar sobre isso e só tem uma coisa a dizer: “#%!$@ presidenta!”. Aparecem os fenômenos #outubrovemai e #mudancajameupovo. Tem sempre aquelas loucuras de ver comunismo em tudo. Como? Sei lá. Mas tem.

Tem as críticas daqueles que já criticavam o cotidiano brasileiro. Que bem denunciam o superfaturamento nas obras do evento, as denúncias de corrupção em diversas esferas de poder, as remoções de famílias, a repressão do Estado e por aí segue a extensa lista. Uns acham que gritar gol é ridículo.

Pode-se apontar, também, o eurocentrismo presente em alguns tipos de falas que se espalham depois do massacre germânico. O complexo de vira-latas bomba de novo. Tudo que é de fora é melhor, é de Primeiro Mundo. Agora, nem do futebol a gente se orgulha mais.

Sobretudo, tem um processo eleitoral ali na frente. Futebol e política se misturam e, não se duvide, ainda existem ideologias. As relações sociais se assemelham a teias, feitas de configurações relacionais. A impressão é que os partidos usarão os resultados de campo da Copa do Mundo no cenário político próximo. O governo vai ter que lidar com a instabilidade. Isso não significa que a humilhante derrota para a Alemanha vai determinar sucessos ou insucessos em outubro. Somente que os imaginários coletivos formados a partir de oscilações entre sentimentos e razões têm tudo para fazer parte da briga por votos. Isso inclui a Copa, que entrará para a história pelos grandes confrontos, pelo sucesso na organização e/ou pelo fatídico fiasco dos sete a um?

A vida segue. É previsível que a retumbante queda da Seleção perante o mundo inteiro se transforme em algum tipo de capital no jogo por posições dominantes no Estado. Jogo que promete ficar cada vez mais pegado passados 12 anos de continuidade.

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terça-feira, 8 de julho de 2014

Sociologia no ensino médio: livros para apoio aos educadores e educadoras

Eduarda Bonora Kern
Professora de Sociologia*
Editora do blog Sociologia em Teste

Se tantas vezes a rotina e a estrutura escolar é opressora, embrutecedora e emburrecedora é necessário buscar formas de não perder a energia e a esperança que na medida que o tempo passa, por vezes parecem nos boicotar. Para resgatá-las, muitas vezes temos que reafirmar para nós mesmos aquilo que queremos e acreditamos. Quase um mantra para tentar não ceder a tantas pressões, afinal, é muito mais fácil ser BAUMAN & MAY. Aprendendo a pensar com a Sociologia. Editora Zahar.um professor relapso que dá sempre as mesmas aulas, automatizado, que não se questiona, que não reflete sobre os problemas que enfrenta, que não se desacomoda.

Com certeza, estudar não é a única forma de se desacomodar e re-encantar a prática. Mas ajuda a manter aquela insatisfação necessária acesa que pode nos dar ferramentas para pensar caminhos de ação dentro das estruturas que vivemos. É necessário muita utopia, convicção e vontade para buscar.

Em tempos de Pacto pelo Fortalecimento do Ensino Médio  (no RS), para os/as professores/as das redes estaduais, pode parecer "chover no molhado" falar em formação. Nosso tempo de hora atividade, nesse quesito, está sendo obrigatoriamente direcionado para o estudo desses cadernos, o que na lógica dos gestores educacionais tem um fundamento, porém, tira nossa autonomia para decidir como queremos fazer nossa formação.

Logo, tudo que fizermos "a mais", é esforço a mais, é tempo a mais, é acreditar a mais. E o acreditar a mais que nos dá disposição de fazer a mais da nossa carga horária e sem, tantas vezes, valorização.

Abaixo seguem alguns livros com reflexões sobre aprender e ensinar Sociologia, alguns mais teóricos, outros com artigos e outros com sugestões didáticas que podem ajudar nosso processo formativo-criativo, assim como naquela motivação que às vezes tira uma folga.

Continuar leitura…

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* Licenciada em Ciências Sociais pela UFRGS e Bacharelanda da mesma instituição. Especialista em Informática na Educação na PUCRS. Foi bolsista PIBID (Programa Institucional de Bolsas de Iniciação a Docência) de 2009-2010. Atualmente é professora de Sociologia na rede municipal (EMEF Paulo Beck) e na rede estadual (IEE Pedro Schneider) de São Leopoldo.

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segunda-feira, 7 de julho de 2014

Complexas contradições

Bernardo Caprara
Sociólogo e Professor

A lesão do Neymar Jr. é uma tristeza para essa baita Copa? Certamente, assim como as ausências de Frank Ribéry e Falcao García. O viaduto que caiu em Belo Horizonte precisa estar em evidência nos debates públicos? Lógico, assim como as mazelas do cotidiano de milhões de pessoas. A grande mídia cumpre um papel rasteiro na abordagem de ambos os eventos? Tudo indica que sim, aliás, como sempre. Neymar Jr. está com a vida feita? Óbvio. Ele não tem razão para chorar? Tem, um dos seus grandes sonhos se foi, mesmo estando com a vida feita.

As contradições do nosso tempo não são binárias. São complexas. Olhando para as redes sociais do atleta que lesionou o craque brasileiro, elas se manifestam numa face cruel. Torcedores irreflexivos insultam, praticam racismo e ameaçam o jogador colombiano. Defensores do futebol violento, dos carrinhos e do sangue em campo botam a culpa nas firulas do “guri de merda”, no estilo do cabelo do rapaz ou na sua namorada. Vai entender.

Felizmente, há aqueles que entendem que futebol é um esporte. Simples assim.

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quarta-feira, 2 de julho de 2014

Sobre conhecimentos, globalização e desigualdades a partir da sala de aula

Bernardo Caprara
Sociólogo e Professor

Estar professor de Sociologia é provocar, propor estranhamentos, instigar um pensamento crítico acerca do real. Porém, perdemos muito se for um trabalho solitário. Desde 2013, tenho a oportunidade de trabalhar com o PIBID Ciências Sociais da UFRGS. Quem mais ganha são os estudantes do ensino médio, sem dúvidas. Ganha, também, a formação de docentes nos cursos de licenciatura. Ganho eu, professor de escola pública, em contato direto e frequente com a graduação em Ciências Sociais na universidade pública.

Finalizado o primeiro trimestre de 2014 (Módulo 1), o curso de Sociologia* que construímos na Escola Técnica Ernesto Dornelles incitou reflexões sobre conhecimentos, globalização e desigualdades. Os estudantes produziram ótimos argumentos, diálogos inesquecíveis e textos bastante interessantes. Reproduzo, abaixo, trechos destes escritos. Sigamos fomentando saberes, conscientes da nossa incompletude.

Pirâmide da desigualdade de renda no Brasil - Datafolha, 2013

Sociologia é o estudo da sociedade, nos faz pensar sobre nossos atos, e o porque dos atos das outras pessoas. É também um estudo que discute diferentes opiniões, sem julgar nenhuma delas. Natiane de Abreu e Patricia Souza, 1º ano do EM.

O conhecimento popular não deixa de ser importante em nossas vidas só por ser mais simples que o conhecimento científico, todos os conhecimentos são importantes, pois sem saber, não conseguimos viver em sociedade. Assim, concluímos que a Sociologia é importante. Débora de Campos, 1º ano do EM.

A sociologia age ou "trabalha" para explicar o porquê de "certas características" da sociedade, como, por exemplo, tentar entender como e por que hoje existe o capitalismo. Raíne da Silva de Brito, 1º ano do EM.

Com o capitalismo e a globalização, também temos a facilidade de ter produtos estrangeiros, exemplo próprio disso foi a minha situação, comprei produto da Sony Imagem reproduzida de https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjuT9CTkSS3CWQL8HShvadSiD7AcoNjAp_sRKbN6Eqtc27BtCF31wGA-WTbk50dR6QEO-Yo8RabtANovRJJDHfzONIB_EjkV3FI5zysedaB7KL_J0cRl6C-TFPAZ9C9mGXkJhAGs3IJ-dA/s1600/desigualdade-social.jpg(Ps2) e logo em seguida troquei por um Ps3 e agora o Ps2 está parado, fora que isso não acontece só comigo. Com esta troca também produzimos muito mais lixo. Andrius Darós, 2º ano do EM.

Eu sempre estudei em colégios públicos, mas sempre penso: "por que o colégio público não tem os mesmos direitos do que uma escola particular, como ambientes de estudos, professores substitutos, etc.?” (…) No Brasil, há desigualdades para todos os lados, querendo ou não. Espero que isso mude, ou com certeza mudará, depende de cada um. Matheus Soares, 3º ano do EM.

É fácil andar na rua e se deparar com vários exemplos de desigualdade (ainda mais se você mora no Brasil). É a mãe com seus cinco filhos pedindo esmola na rua, enquanto uma criança de 10 anos anda por aí exibindo seu iphone. É quando uma pessoa tem que ficar horas na fila da emergência, enquanto outra paga horrores em um médico particular. São vários os exemplos. O que me envergonha é fazer parte de uma sociedade que permite isso. Ketely Garcia, 3º ano do EM.

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* Para acessar a estrutura do curso, os planejamentos de aula e as avaliações, clique no link “MATERIAIS DE AULAS” no menu superior deste blog.

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terça-feira, 1 de julho de 2014

Sou dúvidas

Bernardo Caprara
Sociólogo e Professor

Há momentos, muitos deles. Não sei quem sou. Nem quem fui. Tampouco quem quero ser. Olho para o lado. Não descubro. Penso. Imagino. Recordo-me. De tristezas. Da epidemia do vírus Ebola em curso na Guiné, em Serra Leoa e na Libéria. Da guerra iminente na Ucrânia. Do pau comendo em qualquer gueto do planeta. Sinto. Calafrios. Perco a fé.

Um momento de estabilidade. Estou professor. Ah, ossos do ofício. Na real, estou filho e amigo. Cidadão. Também estou escritor (?!) – outros ossos. Estou com fome, frio, sede, suor, tristezas e alegrias. Desejos. Estou humano. Vivo. Errando. Acertando. Errando mais que acertando. Vivendo. Desvivendo a cada minuto. Sobrevivendo.

Quem quero ser? Prossigo e ainda não sei. Lá se foram quase três décadas. E parece que tudo pode se renovar. Sobram indícios e perguntas. Faltam respostas. Sei, com esperança, que quero estar com outros que muito ou pouco saibam. Que estejam vivos e abertos. Que me ajudem a me manter vivo e aberto.

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Alguns indicadores sociais

Bernardo Caprara
Sociólogo e Professor

Observando algumas estatísticas descritivas em diferentes fontes, montamos o quadro abaixo contendo um conjunto de indicadores sociais. Priorizamos o Gini (desigualdade de renda), o IDH (desenvolvimento humano), o PIB (produção interna bruta), a expectativa de vida em anos e a média nas avaliações do PISA 2012 (qualidade da educação). Os grupos de países foram erigidos a partir da desigualdade de renda e organizados em três níveis: alta desigualdade (Gini maior que 50%), média desigualdade (Gini entre 30 e 50%) e baixa desigualdade (Gini menor que 30%). Essa é uma classificação abritrária, sem nenhum vínculo oficial.

Para ler os dados, é preciso destacar: Gini mais alto representa maior desigualdade de renda; quanto mais elevado o IDH, maior o desenvolvimento humano da nação; PIB alto indica economia pujante; expectativa de vida é mensurada em anos; e, por fim, quanto maior a média do PISA, melhor o rendimento educacional.

As limitações evidentes destes indicadores dizem respeito: (a) aos países arrolados, que não congregam alguma representativa do planeta; (b) ao prórprio escopo da produção de indicadores amplos, que não dão conta de subjetividades e outras relações. Sobre as nações escolhidas, embora haja pelo menos uma de cada continente (uma da América do Norte, uma da América Central, três da América do Sul, duas da Ásia, uma da Oceania, uma da África e cinco da Europa), os dados relativos ao continente africano são muito escassos. Para a ótica desse levantamento, ou seja, a fim de futuramente vislumbrar possíveis relações entre desigualdades sociais e qualidade da educação, os indicadores do PISA são fundamentais. Por isso a disparidade da localização dos países permanece e não traz tanto problema neste quadro.


Indicadores sociais para um grupo de 15 países

 

 

País

 

Gini¹

 

IDH²

 

PIB³

 

Expectativa de vida

 

Média PISA 2012

 

 

Países com desigualdade de renda elevada

 

Colômbia

55,9 (2010)

0,719

471 964

72.92

393

Hong Kong

53,7 (2009)

0,906

351 119

81.61

554

Chile

52,1 (2009)

0,819

299 632

78.65

436

Brasil

51,9 (2012)

0,730

2 294 243

72.24

402

Costa Rica

50,3 (2009)

0,773

55 021

78.87

426

 

Países com desigualdade de renda média

 

EUA

45,0 (2007)

0,937

15 094 025

77.97

492

Rússia

42,0 (2009)

0,788

2 383 402

67.68

481

Tunísia

40,0 (2005)

0,712

100 979

73.90

397

Japão

37,6 (2008)

0,912

4 440 376

82.73

540

Austrália

30,3 (2008)

0,938

914 482

81.44

512

 

Países com baixa desigualdade de renda

 

Alemanha

27,0 (2006)

0,920

3 099 080

79.85

515

República Checa

24,9 (2012)

0,873

284 952

77.01

500

Dinamarca

24,8 (2011)

0,901

206 586

78.25

498

Hungria

24,7 (2009)

0,831

195 640

73.64

486

Suécia

23,0 (2005)

0,916

381 719

80.88

482

 

Totalidades mundiais

 

Mundo

38,5 (2008)

---

78 897 426

---

---

 

¹ De acordo com The World Fact Book, produzido pela Central Intelligence Agency (CIA/USA).

² De acordo com o Ranking IDH Global 2012, produzido pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD/ONU).

³ De acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI), produzidos a partir de cálculos baseados na paridade do poder de compra.

De acordo com o Departamento das Nações Unidas de Assuntos Econômicos e Sociais (ONU), documento publicado em 2011.

Disponível no site do INEP/MEC.

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