ABORDAGEM ARTESANAL, CRÍTICA E PLURAL / ANO 16

América do Sul, Brasil,

quinta-feira, 30 de abril de 2015

O que é pior?

Bernardo Caprara
Sociólogo e Professor

O pior não é estudar anos da tua vida pra ganhar um salário ridículo. O pior não é ter péssimas condições de trabalho, em geral. O pior não é ser tratado como um louco quando diz que trabalha como professor. O pior não é ver teus colegas paranaenses sendo massacrados pela polícia para o mundo todo ver, em plena véspera do dia do trabalhador. O pior não é ter a plena consciência de que isso pode acontecer contigo, logo ali na frente. O pior não é saber que os policiais que se negaram a baixar a porrada nos professores paranaenses foram detidos. O pior não é saber que, em São Paulo, a greve dos teus colegas dura dezenas de dias e a imprensa não problematiza quase nada. O pior não é ouvir de alguns imbecis, que nunca pisaram numa sala de aula, que a educação brasileira é pura doutrinação marxista. O pior não é ver a restrita democracia brasileira sangrando dia após dia. O pior não é ver os pedidos de intervenção militar nos domingos de protesto festivo, regados à champanhe, perfumes importados e selfies com as forças de repressão do Estado. O pior não é saber que o teu país faz muito pouco pela educação, mas se autodenomina Pátria Educadora. O pior não é quase perder a esperança...

O pior, na real, é que tudo isso tá junto e misturado, e tem gente que dá risada e senta à frente do computador pra escrever que isso tudo é merecido.

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terça-feira, 28 de abril de 2015

A ideologia que supera a realidade

Bernardo Caprara
Sociólogo e Professor

“Nem oito, nem 80”. Expressão interessante. Busca o caminho, o percurso, não os extremos. Li o texto de um amigo publicado hoje num jornal de grande circulação. O título sentencia: “Nos EUA, a realidade supera a ideologia” [1]. Fiquei curioso. Não entendi o que isso poderia significar. Em suma, o texto defende que a segurança, a educação e o respeito à diversidade sustentam uma realidade indiferente a discussões ideológicas nos Estados Unidos da América.

Diante da fragilidade da argumentação exposta, resolvi confrontá-la minimamente à realidade empírica. Não basta passar um período de tempo em determinado local para atribuir a ele verdades empíricas. É preciso disposição para investigar, compreender o contexto, a história e as relações que se travam na sociedade em questão. As ciências sociais disponibilizam uma boa via de análise, seja pelo viés da economia, da sociologia, da antropologia ou da ciência política. Como não tenho a intenção de produzir uma pesquisa de caráter aprofundado sobre a temática, reflito sobre algumas considerações capazes de complexificar o debate.

A segurança pública nos Estados Unidos, por certo, tem as suas qualidades. Mas a superpotência está longe de ser o reino da paz e da tranquilidade. Uma análise para além do que os olhos podem enxergar em alguns dias demonstra isso. Richard Florida, economista e professor da Universidade de Toronto, indica que muitas cidades estadunidenses ostentam taxas de homicídios comparadas às de países considerados muito violentos. New Orleans compara-se a Honduras; Houston ao Equador; Washington ao Brasil. Desde 1982, ocorreram 61 assassinatos em massa em 30 estados do país [2].

No que tange à eficiência dos serviços públicos, restam controvérsias. A saúde está na mão do setor privado, e o Obama Care é percebido por muitos como um plano comunista. Na educação, também restam controvérsias. O vasto estudo dos professores da Universidade da Califórnia e de Harvard, Greg Duncan e Richard Murnane, evidencia que a desigualdade social nos Estados Unidos interfere na qualidade da educação. Quem tem melhores condições econômicas tende a ter uma escolarização de maior qualidade [3].

O argumento mais falacioso de todos: a lei funciona independente de classe social e o respeito à diferença impera. Ora, qualquer procura rápida aos meios de comunicação desmente essas sentenças. Jovens negros são reincidentemente assassinados pelas polícias, vivem na pobreza ou “apenas” sobrevivem ao racismo. Mães choram pelos seus filhos, cidades são saqueadas e protestos se disseminam [4]. Com efeito, as “ideias toscas” dos republicanos não estão isoladas. Outra vez, o professor Richard Florida demonstra que os conservadores são maioria em diversas regiões estadunidenses [5]. O Tea Party não é um clubinho qualquer.

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De fato, os Estados Unidos têm suas qualidades e elas podem e devem ser valorizadas. Não vejo problema algum nisso. Porém, quando deixamos de lado um confronto sério dos argumentos com a realidade empírica e, ignorando isso, dizemos que a realidade demonstra determinado argumento, acabamos reproduzindo opiniões que se afastam da complexidade do real inerente às sociedades contemporâneas. Seria possível discorrer sobre inúmeros outros tópicos. Há uma vasta estrada entre o oito e o 80.

Referências

[1] http://zh.clicrbs.com.br/…/mauricio-tonetto-nos-eua-a-reali….
[2] (a) http://oglobo.globo.com/…/doze-fatos-sobre-armas-os-estados…;
(b) http://www.citylab.com/…/gun-violence-us-cities-compa…/4412/.
[3] https://www.russellsage.org/publications/whither-opportunity.
[4] (a) http://zh.clicrbs.com.br/…/prefeita-de-baltimore-declara-to…;
(b) http://brasil.elpais.com/…/internaci…/1416878092_531438.html.
[5] http://www.theatlantic.com/politics/archive/2012/02/why-america-keeps-getting-more-conservative/252995/.

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sexta-feira, 24 de abril de 2015

Na Lagoinha, sem medos

Bernardo Caprara
Sociólogo e Professor

O saudoso Eduardo Galeano dizia que somos feitos de histórias. Gosto de histórias. Também gosto de acampar. Nem sempre foi assim. Afinal, a ordem hegemônica é buscar o conforto com todas as forças. Ora, foi na primeira vez que acampei que vivi uma das histórias que nunca foge da minha memória.

Tinha 17 anos, pouca grana e muita alegria pra viajar cheio de amigos, sobretudo após ter finalizado o colégio. O último paradeiro da viagem era um paraíso. É um paraíso. Depois de atravessar os morros que levam à Lagoinha do Leste, aquela imensidão de beleza cobriu os nossos olhos. Que lugar. A natureza sabe das coisas, escondeu da humanidade uma obra de arte viva e pulsante.

Só que os humanos somos teimosos. Chegando à Lagoinha, caminhamos até a beira, que se confunde com o oceano majestoso. Avistamos um lugar na areia e pensamos em montar o acampamento. Quanto amadorismo. Não sabíamos, mas nossa escolha era um péssimo local. Havia outros muito mais adequados.

Ao agilizarmos as barracas, uma doce jovem se aproximou, tão bela e sensual quanto misteriosa, trazendo seu gato num dos ombros. Espantados, calamos receosos. Ela não.

- Meninos, nossos amigos acabaram de largar. Vocês não querem parar ali do lado da nossa casa? Eu sou a Daniela.

Casa? Não havia casas na Lagoinha, isso nós sabíamos. Havia e há muito mato e beleza, mas casas não. Desconfiados, com medo, tomados pela sensação de que aquela moça nos traria perigo ou problemas, relutamos. Aquilo só poderia ser treta das mais graves.

Não lembro a razão, mas seguimos a dica. Chegamos ao acampamento sugerido e encontramos uma verdadeira casa feita de lonas, taquaras e pequenas pedras. Alexandre chegou e se apresentou. Fomos tratados pelo casal, dali até o fim da nossa estadia, como bons amigos. Feijão, café, fogo a qualquer momento, histórias, cachacinhas e a viola rolando no entorno da fogueira. Muitos aprendizados. Pura alegria.

O dinheiro e o poder perderam espaço naquele improvável encontro. Quando estou de saco cheio, desanimado, sem acreditar que um mundo com menos ódio e violência é possível, costumo recordar daqueles dias. Lindos dias. Alexandre ou Daniela parecem me dizer: senta aí, toma um café, tenho uma história pra te contar. Então sou tomado por saudades daquelas pessoas que pouco conheci, mas que me fazem não perder a esperança. Sim, Galeano: há de se viver sem medos.

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quarta-feira, 15 de abril de 2015

Analfabetismo político

Bernardo Caprara
Sociólogo e Professor

Trabalho em sala de aula, na rede pública, desde o dia quatro de maio de 2009. Não é muito tempo, sei bem. Mas já se passaram quatro escolas e alguns milhares de estudantes. Do maloqueiro ao CDF. A intensidade da experiência que tive e tenho é tanta, tão incrível, que essas pessoas me fazem acreditar que a educação formal tem um papel importante nas sociedades humanas.

Porém, definitivamente ela não é a solução para todos os males. Não é panaceia. Basta atentar para o nível de escolaridade das pessoas que ocuparam a Avenida Paulista no último domingo, em protesto contra o governo. A imensa maioria possui curso superior completo (1). O que não encobre uma retumbante evidência oriunda das suas próprias bocas e dos seus próprios cartazes: lá estavam muitos analfabetos políticos.

Não, não estou dizendo que para manjar de política é preciso aderir à doutrina esquerdista, centrista e/ou direitista. Nada disso. Para não ser um analfabeto político, é preciso buscar informações, sistematizá-las, pensar, refletir e confrontá-las com a realidade. Apurá-las. Desconfiar. Encarar o poder da dúvida, da incerteza e da pluralidade. Ler, minimamente, as referências da área, aquelas pessoas que, independente do lado que defendem, dedicam-se ou dedicaram-se a estudar os fenômenos sociais e políticos. Pelo menos isso.

A imensa maioria dos manifestantes em São Paulo cuspia as suas certezas bizarras, desconectadas com o mundo objetivo. Defesas da sonegação de impostos; odes a linchamentos; confiança em figuras políticas autoritárias, em jornalistas rasteiros e a mais absurda das crenças, a de que o PT está trazendo o comunismo para o Brasil; todas essas alucinantes ideias estavam nas ruas e vêm ganhando terreno no espaço público, com contornos de sabedoria e ativismo. Nesse discurso não há lacuna, não há dúvida, não há a vida e a perspectiva do outro. Há cegueira, brutalidade, violência e uma genuína ignorância.

O futuro é incerto. Eu sigo acreditando na importância da educação formal. Levanto a cabeça todos os dias com essa fé e encaro a labuta. Ao Sol e à sombra, saudoso Galeano. Só que a coisa complica quando alguém sentencia, sob aplausos da massa, que o PCC é um braço armado do PT e que o mesmo PT trouxe 50 mil haitianos para votar no partido. Aí eu me recordo que finalizar um curso superior pode não ajudar a driblar o analfabetismo político. E eu me recordo de algo que venho pesquisando e argumentando: as condições e as vivências fora da escola podem ser tão ou mais condicionantes para a aprendizagem do que a própria escolarização.

Referência

(1) Vale conferir a pesquisa feita por professores da USP e da UNIFESP entre os manifestantes do dia 12 de abril, na capital paulista. Ainda que se possa questionar a metodologia da investigação, os dados são interessantes e ajudam a problematizar os interesses e pensamentos dos participantes. Os dados estão publicados no seguinte endereço: http://www.lage.ib.usp.br/manif/.

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segunda-feira, 13 de abril de 2015

Eduardo Galeano: presente!

Bernardo Caprara
Sociólogo e Professor

Eduardo Galeano. O gênio. A grande inspiração. Há de se viver sem medos. Há de se bradar que somos latino-americanos, somos do sul da Terra. Somos a mistura, o caldo da colonização, o coração ameríndio que sofre, mas não desiste.

Galeano viveu e sofreu os horrores das ditaduras militares. Não apenas embelezou o mundo com palavras, ações e sentimentos, como também mexeu nele procurando afastar opressões, desigualdades e violências contra os de sempre. Os de baixo.

Vai, Galeano. Leva a tua arte e a tua luta para outros pampas. Tristes nós, que ficamos sem a tua presença inspiradora. Tristes, mas de cabeça erguida. Em tempos de retrocesso, só nos cabe evocar a tua presença. E nós o faremos. Sempre. Com emoção e carinho, eterno poeta.

- Eduardo Galeano: presente! América Latina: presente!

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segunda-feira, 6 de abril de 2015

Terceirizações e o precariado brasileiro


Bernardo Caprara
Sociólogo e Professor

Tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei 4330/2004 (1), que pretende autorizar a terceirização indiscriminada no Brasil. Se aprovado, significa que Universidades privadas e públicas poderão terceirizar não mais apenas serviços de limpeza ou vigilância, mas também a contratação dos seus professores ou técnicos educacionais. No limite, os tribunais poderão terceirizar juízes e assim por diante. Um passa. Outro repassa.

Leia também: SOUTO MAIOR, Jorge Luiz. PL 4330/2004: maldade explícita e ilusão

Desde a década de 1970, com a intensificação da globalização econômica e o fim do socialismo real, a desregulamentação das movimentações de capital, a sua concentração e a supressão de direitos trabalhistas estão na ordem do dia. Os direitos vão sumindo e o tão esperado desenvolvimento, o progresso, nunca chega para todos. Só para alguns. A desigualdade aumenta (2). Cresce o contingente de pessoas que vive com baixa remuneração, nenhum estímulo à qualificação e precárias redes de proteção social (3).

O sociólogo britânico Guy Standing, da Universidade de Londres, aponta nas suas recentes pesquisas a existência de uma nova classe social derivada do capitalismo contemporâneo: o precariado (4). Os indivíduos que se enquadram nessa categoria prestam serviços em situações de contratos sempre temporários, com remunerações abaixo da média do mercado, possuem qualificações mínimas e não encontram sentido nas suas atividades laborais. Não se identificam com elas. Como se fossem levados pela maré da sobrevivência, suando por migalhas que apenas os deixam vivos. Não há estabilidade. Nem segurança. Quiçá perspectiva futura.

O Brasil se notabiliza historicamente por um numeroso mercado de trabalho informal. Os dados do IBGE (PNAD 2014) mostram que a informalidade ainda é grande. Joga-se sempre a culpa no Estado e nos impostos, mas poucos lembram de olhar para os países do centro do capitalismo, com as suas altas taxas tributárias e os seus altos índices de formalização do trabalho. Sem dúvidas, é oneroso ser micro ou pequeno empreendedor por aqui. Só que as costas dos trabalhadores não são tão largas para dar conta de todos os reclames do empresariado.

A provável aprovação do PL 4330/2004 oferecerá suporte jurídico a um processo de aprofundamento da exploração dos trabalhadores e promete engordar o caldo do precariado brasileiro, para usar a expressão de Standing. Dezenove dos 26 ministros do Tribunal Superior do Trabalho (TST) declararam-se veementemente contrários ao PL que dizem acarretar “gravíssima lesão social de direitos sociais trabalhistas e previdenciários no País” (5). Saliente-se, ainda, que o serviço prestado por empresas terceirizadas costuma ser de baixa qualidade e imbricar consequências nefastas inclusive para os consumidores.

A advertência de Guy Standing quanto ao provável verniz ideológico do precariado requer um tratamento cuidadoso. O autor constrói a imagem de uma classe social perigosa, filo-fascista, cuja alienação se acentua e os valores da democracia não colam, não surtem muito efeito. É essa classe que o fomento das terceirizações indiscriminadas poderá fazer crescer. É de se pensar, investigar e procurar alternativas. E de se preocupar.

Referências

(1) http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=267841.
(2) https://publications.credit-suisse.com/tasks/render/file/?fileID=BCDB1364-A105-0560-1332EC9100FF5C83.
(3) http://www.oitbrasil.org.br/sites/default/files/topic/employment/pub/economia_informal_241.pdf.
(4) http://blogdaboitempo.com.br/2014/02/14/nova-classe-perigosa/.
(5) http://s.conjur.com.br/dl/oficio-tst-terceirizacao.pdf.

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quinta-feira, 2 de abril de 2015

O que queremos para os nossos jovens?


Bernardo Caprara
Sociólogo e Professor

O debate em torno da maioridade penal está fervendo no Brasil. Todo mundo comenta. Todos têm opinião sobre o assunto. Não sou daqueles que dizem que o senso comum, o saber cotidiano, superficial, é necessariamente ilusório ou equivocado. Porém, o tratamento que a maioria dos brasileiros dá ao tema da maioridade penal é um exemplo gritante de como o senso comum pode nos enganar no confronto com a realidade.

Grande parte da população demonstra ser favorável à redução ou extinção do limite de idade para punir, através do Código Penal, os jovens que desrespeitam a lei. Em suma, as pessoas defendem essa postura com dois argumentos, supostamente baseados em evidências da experiência da vida real. O primeiro afirma que os adolescentes cometem muitos crimes, sobretudo contra a vida, crimes hediondos; o segundo, por sua vez, delibera que os adolescentes sabem que não serão punidos e que serão tratados como coitadinhos pela justiça brasileira.

Leia também: BRUM, Eliane. Para Brasília, só com passaporte

Os dois argumentos configuram ilusões que a experiência cotidiana, alimentada pelos grandes meios de comunicação, rasteiros como de regra, acaba produzindo numa sociedade amedrontada por altos índices de violência, exclusão e desigualdade. Uma rápida incursão em busca de conhecimentos mais aprofundados sobre a temática desmente ambas as afirmações que costumam sustentar a ideia de encarcerar adolescentes junto com adultos.

No primeiro caso, quaisquer estatísticas de organizações sérias evidenciam com clareza que os adolescentes não são os maiores vilões da criminalidade urbana. Praticamente todas as entidades responsáveis por estudar e propor políticas públicas para a juventude mostram isso. A Unicef apresenta dados que indicam que menos de 1% dos crimes no Brasil são perpetrados por adolescentes. Os crimes contra a vida representam ainda menos do que isso. Na verdade, são os jovens – em grande parte negros e pobres – os mais atingidos pela violência.

No segundo caso, não é verdade que não existe punição aos adolescentes que infringem a lei brasileira. Há de se distinguir, entretanto, os conceitos de idade penal e idade infracional. Essa distinção é feita em todo o planeta, sejam quais forem os parâmetros adotados pelas políticas criminais. No Brasil, os jovens menores de 18 anos respondem, sim, pelos seus atos, a partir do conceito de idade infracional, a partir do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Quem anda pelas quebradas da vida conhece, de fato, jovens que já "rodaram", já experimentaram a privação de liberdade na Febem, na Fase ou em instituições semelhantes. Cabe deixar claro: há prisões para adolescentes no Brasil. Separadas dos adultos.

O que me parece que pode e deve ser discutido não é a redução da maioridade penal, essa ideia absurda de jogar adolescentes em prisões superlotadas e fazê-los sair de lá PhD`s em crueldade e ainda mais cooptados pela cultura do crime. O que me parece que pode e deve ser discutido é o limite de privação de liberdade que o ECA estipula, atualmente colocado em três anos. Talvez (ressalto, talvez), aumentar esse limite possa servir para inibir ainda mais a criminalidade juvenil, assim como dificultar que adolescentes assumam crimes ou sejam usados como iscas por adultos.

Outro aspecto importante a ser debatido é o que estamos propondo para a nossa juventude. Uma política contundente para o desenvolvimento dos jovens passa por investimentos em educação, saúde, saneamento, lazer, trabalho e, também, mecanismos de combate à criminalidade. Se a ideia da privação da liberdade é regenerar pessoas (questionável, por excelência, mas é a ideia hegemônica), parece mais interessante investir em instituições dignas e com projetos que proporcionem saídas para os infratores, não jogá-los em masmorras ao estilo Idade Média.

Eu não tenho a intenção de esgotar o debate sobre o assunto e entendo que é uma discussão muito complexa. Penso que todos nós, antes de assumirmos uma posição, temos o dever de estudar mais sobre idade penal e idade infracional, no Brasil e no mundo. Sobre os variados elementos que perpassam a temática da violência. Principalmente porque, nesse tópico, a experiência cotidiana, o senso comum, tende a nos fazer confundir justiça com vingança.

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quarta-feira, 1 de abril de 2015

O que é etnocentrismo?


(…) Ter uma visão de mundo, avaliar determinado assunto sob certa ótica, nascer e conviver em uma classe social, pertencer a uma etnia, ser homem ou mulher são algumas das condições que nos levam a pensar na diversidade humana, cultural e ideológica, e, consequentemente, na alteridade, isto é, no outro ser humano, que é igual a cada um de nós e, ao mesmo tempo, diferente.

Observa-se, no entanto, grande dificuldade na aceitação das diversidades em uma sociedade ou entre sociedades diferentes, pois os seres humanos tendem a tomar seu grupo ou sociedade como medida para avaliar os demais. Em outras palavras, cada grupo ou sociedade considera-se superior e olha com desprezo e desdém os outros, tidos como estranhos ou estrangeiros. Para designar essa tendência, o sociólogo estadunidense Willian G. Summer (1840 – 1910) criou em 1906 o termo etnocentrismo.

Manifestações de etnocentrismo podem ser facilmente observadas em nosso cotidiano. Quando lemos notícias sobre crises enfrentadas por povos de outros países, por exemplo, com frequência estabelecemos comparações entre a cultura deles e a nossa, considerando a nossa superior, principalmente se as diferenças forem muito grandes. Os romanos consideravam todos os povos que não eram romanos “bárbaros”. Após a expansão marítima os europeus passaram a chamar os povos americanos de “selvagens”.

O etnocentrismo foi um dos responsáveis pela geração de intolerância e preconceito cultural, religioso, étnico e político, assumindo diferentes expressões no decorrer da história. Em nossos dias ele se manifesta, por exemplo, na ideologia racista da supremacia do branco sobre o negro ou de uma etnia sobre as outras. Manifesta-se, também, num mundo que é globalizado, na ideia de que a cultura ocidental é superior e os povos de culturas diferentes devem assumi-la, modificando suas crenças, normas e valores. Essa forma de etnocentrismo pode levar a consequências sérias em nossa convivência com os que aparentam diferentes de nós (os outros) e nas relações entre os povos.

Referência

TOMAZI, Nelson. Sociologia para o ensino médio. São Paulo: Saraiva, 2010.

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