Bernardo Caprara
Sociólogo e Professor
O debate em torno da maioridade penal está fervendo no Brasil. Todo mundo comenta. Todos têm opinião sobre o assunto. Não sou daqueles que dizem que o senso comum, o saber cotidiano, superficial, é necessariamente ilusório ou equivocado. Porém, o tratamento que a maioria dos brasileiros dá ao tema da maioridade penal é um exemplo gritante de como o senso comum pode nos enganar no confronto com a realidade.
Grande parte da população demonstra ser favorável à redução ou extinção do limite de idade para punir, através do Código Penal, os jovens que desrespeitam a lei. Em suma, as pessoas defendem essa postura com dois argumentos, supostamente baseados em evidências da experiência da vida real. O primeiro afirma que os adolescentes cometem muitos crimes, sobretudo contra a vida, crimes hediondos; o segundo, por sua vez, delibera que os adolescentes sabem que não serão punidos e que serão tratados como coitadinhos pela justiça brasileira.
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Os dois argumentos configuram ilusões que a experiência cotidiana, alimentada pelos grandes meios de comunicação, rasteiros como de regra, acaba produzindo numa sociedade amedrontada por altos índices de violência, exclusão e desigualdade. Uma rápida incursão em busca de conhecimentos mais aprofundados sobre a temática desmente ambas as afirmações que costumam sustentar a ideia de encarcerar adolescentes junto com adultos.
No primeiro caso, quaisquer estatísticas de organizações sérias evidenciam com clareza que os adolescentes não são os maiores vilões da criminalidade urbana. Praticamente todas as entidades responsáveis por estudar e propor políticas públicas para a juventude mostram isso. A Unicef apresenta dados que indicam que menos de 1% dos crimes no Brasil são perpetrados por adolescentes. Os crimes contra a vida representam ainda menos do que isso. Na verdade, são os jovens – em grande parte negros e pobres – os mais atingidos pela violência.
No segundo caso, não é verdade que não existe punição aos adolescentes que infringem a lei brasileira. Há de se distinguir, entretanto, os conceitos de idade penal e idade infracional. Essa distinção é feita em todo o planeta, sejam quais forem os parâmetros adotados pelas políticas criminais. No Brasil, os jovens menores de 18 anos respondem, sim, pelos seus atos, a partir do conceito de idade infracional, a partir do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Quem anda pelas quebradas da vida conhece, de fato, jovens que já "rodaram", já experimentaram a privação de liberdade na Febem, na Fase ou em instituições semelhantes. Cabe deixar claro: há prisões para adolescentes no Brasil. Separadas dos adultos.
O que me parece que pode e deve ser discutido não é a redução da maioridade penal, essa ideia absurda de jogar adolescentes em prisões superlotadas e fazê-los sair de lá PhD`s em crueldade e ainda mais cooptados pela cultura do crime. O que me parece que pode e deve ser discutido é o limite de privação de liberdade que o ECA estipula, atualmente colocado em três anos. Talvez (ressalto, talvez), aumentar esse limite possa servir para inibir ainda mais a criminalidade juvenil, assim como dificultar que adolescentes assumam crimes ou sejam usados como iscas por adultos.
Outro aspecto importante a ser debatido é o que estamos propondo para a nossa juventude. Uma política contundente para o desenvolvimento dos jovens passa por investimentos em educação, saúde, saneamento, lazer, trabalho e, também, mecanismos de combate à criminalidade. Se a ideia da privação da liberdade é regenerar pessoas (questionável, por excelência, mas é a ideia hegemônica), parece mais interessante investir em instituições dignas e com projetos que proporcionem saídas para os infratores, não jogá-los em masmorras ao estilo Idade Média.
Eu não tenho a intenção de esgotar o debate sobre o assunto e entendo que é uma discussão muito complexa. Penso que todos nós, antes de assumirmos uma posição, temos o dever de estudar mais sobre idade penal e idade infracional, no Brasil e no mundo. Sobre os variados elementos que perpassam a temática da violência. Principalmente porque, nesse tópico, a experiência cotidiana, o senso comum, tende a nos fazer confundir justiça com vingança.
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