ABORDAGEM ARTESANAL, CRÍTICA E PLURAL / ANO 1 (16)

América do Sul, Brasil,

sexta-feira, 22 de maio de 2015

Se o ódio dominar, quem vai sobrar?


Bernardo Caprara
Sociólogo e Professor

Quando eu tinha 12 anos, um acontecimento mudou a minha vida. No Gigantinho, presente na final do Mundial de Futebol de Salão, acompanhava eufórico aquele Inter x Barcelona. Tá, mas esse não é um relato esportivo.

No decorrer da peleia, visualizei um jornalista que me dava asco. Não havia motivos muito concretos, apenas a presunção de que ele torcia para o rival. Com ele na mira, disparei em alto e bom tom, letra por letra e na esperança de que o profissional não me achasse no meio do povão: "Fulano fdp!!!".

Foi horrível. Não somente ele me viu, como apontou para mim imediatamente. Por um instante, achei que o adulto da situação agiria como uma criança, reagindo com ódio e violência. Ao identificar aquele fedelho magrelo e esquisito como o sujeito que havia proferido a agressão verbal, um tom de tristeza tomou conta do seu semblante. Sem falar nada, ele abriu os braços e esboçou uma feição de abatimento, desesperança e incredulidade.

Hoje, aquela expressão do ainda jornalista esportivo retrata o que sinto perante o ódio, a intolerância e a violência que acometem as redes sociais e os comentários nos portais da internet. Só consigo pensar na lição que comecei a aprender aquele dia: quando o ódio dominar, pode não sobrar ninguém.

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quinta-feira, 21 de maio de 2015

O que é comunismo?

Bernardo Caprara
Sociólogo e Professor

No Brasil atual, alguns grupos de pessoas têm defendido a tese de que estamos vivendo no comunismo ou, pelo menos, caminhando para um regime comunista. A tese é bastante absurda, mas tem se espalhado por aí. Vejamos o que diz o sociólogo e professor Allan Johnson (1997, p. 46), da Universidade de Wesleyan, em Middletown, Connecticut, Estados Unidos.

(…) Da forma descrita por Karl Marx, comunismo é um modo de produção no qual os meios de produção e virtualmente todos os demais aspectos da vida social são controlados pelos que deles participam mais diretamente, isto é, pelos trabalhadores, membros da comunidade, e assim por diante. A vida das pessoas é organizada menos em torno da cobiça, competição e medo do que da satisfação de necessidades humanas autênticas, cooperação e compartilhamento. A base material da comunidade é a capacidade de produzir abundância de bens. A base social inclui ausência geral de propriedade econômica privada, divisões de classe social, desigualdades em riqueza e poder e instituições opressivas, como o Estado.

Marx imaginava o comunismo como o resultado inevitável do socialismo, o qual acreditava que seria consequência de transformações revolucionárias das sociedades capitalistas industriais. Após a derrubada do capitalismo, o Estado governaria em benefício dos trabalhadores e asseguraria que não haveria contra-revolução capitalista. Com a passagem do tempo, contudo, o Estado perderia sua razão de ser, uma vez que o controle dos ritmos da vida social seria cada vez mais concentrado no nível local, entre os mais diretamente envolvidos. O Estado, acreditava Marx, simplesmente murcharia.

Uma vez que não houve revoluções socialistas em sociedades industriais avançadas, tampouco houve sociedades comunistas segundo o modelo marxista, embora muitas sociedades socialistas tenham sido erroneamente rotuladas como tal (sobretudo porque, embora na prática fossem socialistas, sua ideologia era comunista). O mais perto que a experiência humana chegou do comunismo foi entre as sociedades tribais, em especial entre as que se entregavam principalmente à coleta de alimentos como meio de subsistência. Resta a ser visto se o comunismo pode ser implantado em sociedades industriais avançadas.

Referência

JOHNSON, Allan. Dicionário de Sociologia: Guia Prático da Linguagem Sociológica. Rio de Janeiro: Zahar, 1997.

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quinta-feira, 14 de maio de 2015

Educação domiciliar e desescolarização


Bernardo Caprara
Sociólogo e Professor

Duas temáticas polêmicas têm sido discutidas recentemente no âmbito da educação: a educação domiciliar e a desescolarização. De modo geral, a primeira diz respeito ao direito de uma família educar os seus filhos em casa; a segunda refere-se a um conjunto de possibilidades educacionais que não requerem a escola como local de aprendizagem [1].

Ambas as propostas me despertam tanto convergências quanto divergências. O que me parece mais válido é o pano de fundo das críticas à escola. De fato, a escola brasileira, em linhas gerais, caracteriza-se como um depósito de gentes, uma prisão para a criatividade e um centro de reprodução dos arbitrários culturais dominantes. Por óbvio, ela não é apenas isso. É uma instituição complexa, feita por pessoas, para pessoas e com diversidades notáveis.

Por outro lado, no que tange à educação domiciliar, preocupa-me o fato de se acreditar que o ambiente doméstico pode suprir os instrumentos mínimos de aprendizagem para uma jovem pessoa [2]. Sei que é possível realizar boas experiências com esse viés, não é o caso de desconstruir a proposta. É o caso, isso sim, de questionar se a vivência num espaço institucional de aprendizagem, exterior ao lar, sem a presença da família, não pode ser uma quase-necessidade num processo de envolvimento primário com a vida social contemporânea.

É de se pensar, também, quais famílias têm a possibilidade de exercer o homeschooling. Isso é muito relevante para a discussão. Num país em que a grande maioria das crianças é fruto de famílias de trabalhadores, que dedicam uma enormidade de tempo ao trabalho, seria possível incorporar a educação domiciliar como um preceito? Não seriam somente famílias com melhores condições econômicas aquelas que poderiam aderir à proposta?

O elemento mais preocupante na defesa da educação doméstica reside no significado que é dado para a figura do professor. Considerando que as famílias não têm, via de regra, formação pedagógica ou a especialização em determinados conteúdos, a ideia de que basta ensinar a aprender, e isso se faz ao natural, não encontra sustentação sólida no confronto com a realidade. Descartar a existência de um profissional dedicado a orientar os percursos de aprendizagem consiste numa grave lacuna argumentativa.

À medida que os debates se aprofundam, as ideias da desescolarização ganham ainda mais fôlego. Nesse ponto vejo muitas convergências com alguns dos princípios que defendo para a melhoria da educação no Brasil. É verdade que a educação formal, com as práticas pedagógicas tradicionais, limita e muito as potencialidades do aprendizado dos nossos estudantes. Aí o estímulo a outros espaços de socialização educativa, com outros recursos, outras pedagogias e outras experiências parece muito salutar. Há uma miríade de pessoas e estabelecimentos propondo espaços de aprendizagem alternativos, vários deles com experiências bastante interessantes [3].

Entretanto, parece-me que não se trata, ao fim e ao cabo, de descartar a escolarização enquanto propositora de práticas educacionais em larga escala. Numa sociedade com milhões de habitantes, cujas famílias mal têm tempo para respirar fora do serviço, as instituições escolares são uma necessidade coletiva. O que me parece fundamental é buscar nas propostas da desescolarização aquilo que elas trazem de mais radical e moderado ao mesmo tempo, isto é, a sua crítica ao padrão atual das práticas escolares. Esse aspecto traz uma relevância ímpar.

Fomentar a diversidade educacional pode ser muito salutar em sociedades cada vez mais complexas. Parafraseando Frei Betto [4], na escola dos meus sonhos os estudantes aprenderiam a cozinhar, consertar eletrodomésticos, costurar, noções aplicadas de eletricidade e hidráulica, noções básicas de mecânica de veículos de transporte; trabalhariam em hortas, marcenaria, pintura, oficinas de arte; integrar-se-iam à sociedade nas suas funções principais, como a produção e circulação de alimentos, informações, na segurança, na saúde e etc.

Das duas, uma: ou a escola dos meus sonhos não seria uma escola, pelo menos como a conhecemos, ou uma nova escola precisaria surgir.

Referências

[1] Para entender o debate: http://www.ebc.com.br/…/documentario-apresenta-desescolariz….
[2] Tal perspectiva remete, de alguma forma, às análises e propostas de Nietzsche sobre a educação: http://www.scielo.br/scielo.php….
[3] Ver o documentário A educação proibida:https://www.youtube.com/watch?v=-t60Gc00Bt8.
[4] http://www.bancodeescola.com/freibeto.htm.

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segunda-feira, 11 de maio de 2015

Claude Lévi-Strauss: universalidade e particularidade das culturas


O homem é como um jogador que tem nas mãos, ao se instalar à mesa, cartas que ele não inventou, pois o jogo de cartas é um dado da história e da civilização […]. Cada Claude Lévi-Strauss - Foto da WikiPediarepartição das cartas resulta de uma distinção contingente entre os jogadores e se faz à sua revelia. Quando se dão as cartas, cada sociedade assim como cada jogador as interpreta nos termos de diversos sistemas, quem podem ser comuns ou particulares: regras de um jogo ou regras de uma tática. E sabe-se bem que, com as mesmas cartas, jogadores diferentes farão partidas diferentes, ainda que, limitados pelas regras, não possam fazer qualquer partida com determinadas cartas.

REFERÊNCIA

LÉVI-STRAUSS, Claude. Antropologia estrutural. In: CUCHE, Denys. A noção de cultura nas ciências sociais. Bauru: Edusc, 1999. Página 98.

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Critérios para um regime democrático


Alguns autores procuraram analisar os aspectos institucionais da questão democrática. Para Joseph Schumpeter, Giovanni Sartori, Robert Dahl, Adam Przeworski, Guillermo O’Donnell, entre outros, há a necessidade de serem preenchidos alguns critérios para haver democracia num país:

  • eleições competitivas, livres e limpas para o Legislativo e o Executivo;
  • direito de voto, que deve ser extensivo à maioria da população adulta, ou seja, cidadania abrangente no processo de escolha dos candidatos;
  • proteção e garantia das liberdades civis e dos direitos políticos mediante instituições sólidas, isto é, liberdade de imprensa, liberdade de expressão e organização, direito ao habeas corpus e outros que compreendem o componente liberal da democracia;
  • controle efetivo das instituições legais e de segurança e repressão – Poder Judiciário, Forças Armadas e Forças Policiais. Isso possibilitaria avaliar o genuíno poder de governar das autoridades eleitas, sem que estas fossem ofuscadas por atores políticos não eleitos, como as instituições apontadas, que muitas vezes dominam nos bastidores.
Essas condições institucionais garantiriam a efetivação da democracia representativa.

REFERÊNCIA

TOMAZI, Nelson Dacio. Sociologia para o Ensino Médio. São Paulo: Saraiva, 2010. Página 109.

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Thomas Marshall, cidadania e classe social


             
A cidadania é um status concedido àqueles que são membros integrais de uma comunidade. Todos aqueles que possuem o status são iguais com respeito aos direitos e obrigações pertinentes ao status. Não há nenhum princípio universal que determine o que estes direitos e obrigações serão, mas as sociedades nas quais a cidadania é uma instituição em desenvolvimento criam uma imagem de uma cidadania ideal em relação à qual o sucesso pode ser medido e em relação à qual a aspiração pode ser dirigida. […] A classe social, por outro lado, é um sistema de desigualdade. E esta também, como a cidadania, pode estar baseada num conjunto de ideais, crenças e valores. É, portanto, compreensível que se espere que o impacto da cidadania sobre a classe social tomasse a forma de um conflito entre princípios opostos. Se estou certo ao afirmar que a cidadania tem sido uma instituição em desenvolvimento na Inglaterra, pelo menos desde a segunda metade do século XVII, então é claro que esse crescimento coincide com o desenvolvimento do capitalismo, que é o sistema não de igualdade, mas de desigualdade. Eis algo que necessita de explicação. Como é possível que estes dois princípios opostos possam crescer e florescer, lado a lado, no mesmo solo? O que fez com que eles se reconciliassem e se tornassem, ao menos por algum tempo, aliados ao invés de antagonistas? A questão é pertinente, pois não há dúvida de que, no século XX, a cidadania e o sistema de classe capitalista estão em guerra.

REFERÊNCIA

MARSHALL, Thomas Humphrey. Cidadania, classe social e status. Rio de Janeiro: Zahar, 1967. Página 76.
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Octávio Ianni e o Estado Neoliberal


O neoliberalismo compreende a liberação crescente e generalizada das atividades econômicas, compreendendo a produção, distribuição, troca e consumo. Funda-se no reconhecimento da primazia das liberdades relativas às atividades econômicas como pré-requisito e fundamento da organização e funcionamento das mais diversas formas de sociabilidade; compreendendo não só as empresas, corporações e conglomerados, mas também as mais diferentes instituições sociais. “Neo” liberalismo porque se impõe e generaliza em escala mundial, alcançando inclusive os países nos quais se havia experimentado ou continua a experimentar-se o regime socialista ou o planejamento econômico centralizado. Sob o neoliberalismo, reforma-se o Estado […]. O poder estatal é liberado de todo e qualquer empreendimento econômico ou social que possa interessar ao capital privado nacional e transnacional. Trata-se de criar o “Estado mínimo”, que apenas estabelece e fiscaliza as regras do jogo econômico, mas não joga. Tudo isso baseado no pressuposto de que a gestão pública ou estatal de atividades direta e indiretamente econômicas é pouco eficaz, ou simplesmente ineficaz. O que está em causa é a busca de maior e crescente produtividade, competitividade e lucratividade, tendo em conta os mercados nacionais, regionais e mundiais. Daí a impressão de que o mundo se transforma no território de uma vasta e complexa fábrica global, ao mesmo tempo que shopping center global e disneylândia global.

REFERÊNCIA

IANNI, Octávio. Capitalismo, violência e terrorismo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2004. Página 313 e 314.

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David Harvey e o pós-fordismo


A acumulação flexível, como vou chamá-la, é marcada por um confronto direto com a rigidez do fordismo. […] Caracteriza-se pelo surgimento de setores de produção inteiramente novos, novas maneiras de fornecimento de serviços financeiros, novos mercados e, sobretudo, taxas altamente intensificadas de inovação comercial, tecnológica e organizacional. A acumulação flexível envolve rápidas mudanças de padrões do desenvolvimento desigual, tanto entre setores como entre regiões geográficas, criando, por exemplo, um vasto movimento no emprego no chamado “setor de serviços”, bem como conjuntos industriais completamente novos em regiões até então subdesenvolvidas […].

A acumulação flexível foi acompanhada na ponta do consumo, portanto, por uma atenção muito maior às modas fugazes e pela mobilidade de todos os artifícios de indução de necessidades e de transformação cultural que isso implica. A estética relativamente estável do modernismo fordista cedeu lugar a todo o fermento, instabilidade e qualidades fugidias de uma estética pós-moderna que celebra a diferença, a efemeridade, o espetáculo, a moda e a mercadificação de formas culturais.

REFERÊNCIA

HARVEY, David. Condição pós-moderna. 3a edição. São Paulo: Loyola, 1993. Páginas 140 e 148.

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quinta-feira, 7 de maio de 2015

O bom da internet?

Bernardo Caprara
Sociólogo e Professor

Conversas cotidianas.

- O bom da internet é que eu só vejo o que eu quero.

- Será que isso é bom?!

- Ué, e por que não seria?

- Sei lá, as pessoas não estariam cada vez mais bitoladas? Cada vez mais irreflexivas e presas num nicho específico de ideias?

- Como assim?

- Se tu não te propõe a ver, ler ou escutar o contraditório, aquilo que contraria o teu interesse, acho que tu vai ficando muito intolerante. E o pior, vai ficando com menos conhecimento sobre as coisas.

- Mas se tu te aprofunda num jeito de ver as coisas, por que ficaria com menos conhecimento sobre as coisas?

- É... depende de qual o tipo de material que tu acessa na internet. Só que eu ainda acho que o contraditório é importante. Faz pensar sobre o que é diferente daquilo que nos interessa, daquilo que nós defendemos.

- Pode ser. Eu vejo páginas da rede social, vejo blogs, sites e tal.

- Beleza. E tu te preocupa com as fontes do que tu vê? De onde vêm os argumentos?

- Vêm dos sites, dos blogs e das redes sociais.

- Esse é outro problema. Minha pergunta é se tu sabe se é apenas uma opinião, se é um conteúdo fruto de pesquisa, de reflexão. Qual o critério que tu usa pra acreditar naquilo?

- Se tá lá, publicado, e eu concordo... esse é o critério.

- Então... esse é o meu receio de não buscar o contraditório. Algo que não está entre o que nós defendemos pode incomodar, mas pode ajudar a fazer a gente correr atrás e ver se é real ou não.

- Hmm.

- Acho que é preciso mais do que estar publicado para que a gente possa usar como critério daquilo que defendemos. Investigação, reflexão, fontes confiáveis, estudos aprofundados, enfim, são coisas que podem nos ajudar a fazer com que a gente não caia na vala comum das opiniões sobre tudo e sem relação com a realidade.

- É. Pode ser.

Pensamentos cotidianos.

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Quem quer ser professor no Brasil?

Fernando de Gonçalves
Doutorando em Sociologia pela UFRGS
Do blog Sociedade dos Indivíduos

Uma publicação do ano passado (mas a qual somente li recentemente) do colunista da Veja Gustavo Ioschpe me chamou a atenção. Embora a coluna traga várias informações questionáveis, algumas delas com considerável carga ideológica (como menções à Cuba sem muito contexto), uma delas me chamou a atenção: a de que não há relação entre melhores salários de professores e melhor qualidade no ensino. O argumento é baseado em algumas pesquisas que mostram que a qualidade do ensino não tende a melhorar com o aumento dos salários. Estejam corretas ou não, essas pesquisas, creio que há uma falha metodológica nesses trabalhos: o pequeno lapso temporal testado, geralmente um ano ou dois.

Imagino que, de fato, um salário maior não melhore significativamente a qualidade do ensino ofertado pelos professores que já estão na ativa, embora cumpra um papel fundamental em atrair candidatos mais preparados para a carreira docente e estes sim podem melhorar a qualidade do ensino. Eu mesmo fui professor concursado da Rede Estadual do Rio Grande do Sul durante alguns meses, mas as baixas perspectivas da rede me levaram para outros caminhos.

Esta investigação terá três etapas, com os seguintes objetivos: 1) descobrir quem queria ser professor no Brasil em 2009, 2) verificar se houve aumento real no rendimento dos professores desde então, 3) Comparar o perfil dos candidatos daquele ano com candidatos à carreira docente 5 anos depois, em 2014, para entender se houve alguma alteração no padrão, acompanhando ou não os aumentos salariais e comparar isso com dados nacionais e internacionais sobre a qualidade da educação brasileira. Nesta postagem, vamos tentar dar conta apenas do primeiro objetivo.


Continuar leitura….

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segunda-feira, 4 de maio de 2015

Qual projeto queremos?

Bernardo Caprara
Sociólogo e Professor

Cortar o cabelo é uma tarefa complexa. Os estabelecimentos que oferecem o serviço trazem consigo um ambiente especial. Rola todo tipo de conversa. Costumo apenas observar, interagindo com educação e monossílabos.

Naquele dia, de repente, a escuta da conversa ao lado chamou a atenção. Duas distintas senhoras dialogavam cheias de si.

- Tu viu? O cara fuzilado na Indonésia, o traficante brasileiro?

- Vi! Bem-feito! Tem que matar mesmo! Matar vagabundo!

O cheiro de morte tomou conta de mim. Viajei. Vi sangue, espada e cruz ao mesmo tempo. Indaguei-me em qual projeto de sociedade as distintas senhoras acreditavam. Algo análogo a uma equação em que “errou” é igual a “morreu”.

Questionei-me se não estava assistindo ali, ao vivo e a cores, ao retrato da falência do projeto moderno, iluminista, racional e pelo bem-estar e dignidade humana. Tamanha empreitada moderna, notadamente cheia de avanços e revoluções, estaria amargando as sarjetas dos tempos atuais?

Ainda deu tempo de lembrar duas coisas. Se é verdade que o Esclarecimento trouxe incríveis inovações tecnológicas e científicas, entregando em parte o que prometeu, também é verdade que se construiu apoiado numa violenta dominação da população europeia e suas ideias sobre os demais povos do planeta. Apoiado no saque ao ouro de Minas Gerais, à prata de Potosí. Na escravização de milhões de africanos. Na imposição de uma doutrina religiosa as diversas culturas cujas crenças eram consideradas coisa do demônio.

Será que as fissuras da modernidade, na prática, sobretudo entre os habitantes do sul global, entre os esfarrapados do mundo, podem ter responsabilidade sobre o discurso de ódio presente por aí? Será possível reconstruir o edifício do Iluminismo, com a matéria-prima da liberdade, da igualdade e da fraternidade trabalhada por corações e mentes vivas e não somente como ícones inertes?

O quanto a modernidade falhou eu não sei e nem quero mensurar no momento. Há aqueles que defendem bem o sucesso de muitas das promessas modernas. De todo o modo, desperto daquele transe, cercado por tesouras e distintas senhoras sedentas por sangue, restou a inquietude de procurar entender as disputas pelo projeto de sociedade que estamos produzindo/reproduzindo dia após dia.

Será um projeto ainda moderno? A propósito, deve ser?

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