Bernardo Caprara
Sociólogo e Professor
Duas temáticas polêmicas têm sido discutidas recentemente no âmbito da educação: a educação domiciliar e a desescolarização. De modo geral, a primeira diz respeito ao direito de uma família educar os seus filhos em casa; a segunda refere-se a um conjunto de possibilidades educacionais que não requerem a escola como local de aprendizagem [1].
Ambas as propostas me despertam tanto convergências quanto divergências. O que me parece mais válido é o pano de fundo das críticas à escola. De fato, a escola brasileira, em linhas gerais, caracteriza-se como um depósito de gentes, uma prisão para a criatividade e um centro de reprodução dos arbitrários culturais dominantes. Por óbvio, ela não é apenas isso. É uma instituição complexa, feita por pessoas, para pessoas e com diversidades notáveis.
Por outro lado, no que tange à educação domiciliar, preocupa-me o fato de se acreditar que o ambiente doméstico pode suprir os instrumentos mínimos de aprendizagem para uma jovem pessoa [2]. Sei que é possível realizar boas experiências com esse viés, não é o caso de desconstruir a proposta. É o caso, isso sim, de questionar se a vivência num espaço institucional de aprendizagem, exterior ao lar, sem a presença da família, não pode ser uma quase-necessidade num processo de envolvimento primário com a vida social contemporânea.
É de se pensar, também, quais famílias têm a possibilidade de exercer o homeschooling. Isso é muito relevante para a discussão. Num país em que a grande maioria das crianças é fruto de famílias de trabalhadores, que dedicam uma enormidade de tempo ao trabalho, seria possível incorporar a educação domiciliar como um preceito? Não seriam somente famílias com melhores condições econômicas aquelas que poderiam aderir à proposta?
O elemento mais preocupante na defesa da educação doméstica reside no significado que é dado para a figura do professor. Considerando que as famílias não têm, via de regra, formação pedagógica ou a especialização em determinados conteúdos, a ideia de que basta ensinar a aprender, e isso se faz ao natural, não encontra sustentação sólida no confronto com a realidade. Descartar a existência de um profissional dedicado a orientar os percursos de aprendizagem consiste numa grave lacuna argumentativa.
À medida que os debates se aprofundam, as ideias da desescolarização ganham ainda mais fôlego. Nesse ponto vejo muitas convergências com alguns dos princípios que defendo para a melhoria da educação no Brasil. É verdade que a educação formal, com as práticas pedagógicas tradicionais, limita e muito as potencialidades do aprendizado dos nossos estudantes. Aí o estímulo a outros espaços de socialização educativa, com outros recursos, outras pedagogias e outras experiências parece muito salutar. Há uma miríade de pessoas e estabelecimentos propondo espaços de aprendizagem alternativos, vários deles com experiências bastante interessantes [3].
Entretanto, parece-me que não se trata, ao fim e ao cabo, de descartar a escolarização enquanto propositora de práticas educacionais em larga escala. Numa sociedade com milhões de habitantes, cujas famílias mal têm tempo para respirar fora do serviço, as instituições escolares são uma necessidade coletiva. O que me parece fundamental é buscar nas propostas da desescolarização aquilo que elas trazem de mais radical e moderado ao mesmo tempo, isto é, a sua crítica ao padrão atual das práticas escolares. Esse aspecto traz uma relevância ímpar.
Fomentar a diversidade educacional pode ser muito salutar em sociedades cada vez mais complexas. Parafraseando Frei Betto [4], na escola dos meus sonhos os estudantes aprenderiam a cozinhar, consertar eletrodomésticos, costurar, noções aplicadas de eletricidade e hidráulica, noções básicas de mecânica de veículos de transporte; trabalhariam em hortas, marcenaria, pintura, oficinas de arte; integrar-se-iam à sociedade nas suas funções principais, como a produção e circulação de alimentos, informações, na segurança, na saúde e etc.
Das duas, uma: ou a escola dos meus sonhos não seria uma escola, pelo menos como a conhecemos, ou uma nova escola precisaria surgir.
Referências
[1] Para entender o debate: http://www.ebc.com.br/…/documentario-apresenta-desescolariz….
[2] Tal perspectiva remete, de alguma forma, às análises e propostas de Nietzsche sobre a educação: http://www.scielo.br/scielo.php….
[3] Ver o documentário A educação proibida:https://www.youtube.com/watch?v=-t60Gc00Bt8.
[4] http://www.bancodeescola.com/freibeto.htm.
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