ABORDAGEM ARTESANAL, CRÍTICA E PLURAL / ANO 16

América do Sul, Brasil,

segunda-feira, 24 de novembro de 2014

Um bocadinho de tristeza

Bernardo Caprara
Sociólogo e Professor

A vida é uma loucura. Diz o poeta: “Fazer o quê, se é assim, vida louca, cabulosa!”.

Ontem e hoje. Hoje e amanhã. Idas e vindas. Encontros e despedidas. Convicções e arrependimentos. Sucessos e fracassos. Erros e acertos. Pessoas do agora. Pessoas do sempre. Isso pra falar só dos detalhes.

Tem também uma pá de outras coisas muito mais loucas, muito mais complexas. A gente planeja, sonha, bota o coração e, olha aí, acontece. Por completo. Pela metade. Com mais sacrifícios ali na frente. Ou nunca acontece mesmo. A vida pode ser dura. É. Bate na gente. Nos outros. Bate na trave. Bate na trave e entra. Vai vendo...

No fim, há vários fins. O fim é um baita desafio. Se o caminho teve alegria, se foi intenso, inevitavelmente caberá um bocado de saudade e tristeza. Difícil, mas que fique uma saudosa lembrança e só um bocadinho de tristeza.

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terça-feira, 11 de novembro de 2014

Natureza e cultura: os “genes da violência”


Por Fernando de Gonçalves
Sociólogo pela UFRGS
Do blog
Sociedade dos Indivíduos

Nos últimos dias, a divulgação de uma pesquisa sobre a descoberta de genes que poderiam estar associados com a violência despertou uma série de temores, que iam desde a eugenia à volta das teorias lombrosianas, passando pelas acusações de darwinismo social. Minha ideia nesta breve postagem é mostrar que esses temores não deveriam se sustentar.

Não devemos pensar no comportamento violento como algo recente, fruto do capitalismo, do Estado ou da modernidade, muito menos como um padrão patológico. A evolução biológica selecionou não aqueles organismos mais violentos e fortes, como uma leitura superficial da teoria da evolução poderia levar a crer, mas sim aqueles que conseguiam equilibrar padrões de violência e de não violência. Como Dawkins nos mostra em O Gene Egoísta, animais fazem uso da violência para uma série de coisas vitais que proporcionam sua perpetuação, desde conseguir alimento, se defender para não virar alimento e disputar parceiros sexuais. Ocorre, porém, que ao contrário de pedras e da maioria das plantas, o animal é um ser que vai revidar à violência quando atacado. Assim, um organismo “programado” para atacar sob quaisquer circunstância, acabaria sendo eliminado pela seleção natural, visto que se colocaria em subsequentes situações de confronto. Dawkins cita uma série de experimentos com modelos computacionais – com o auxílio da teoria dos jogos – que descreviam diferentes organismos com diferentes estratégias em reação à violência, desde organismos pacifistas, que nunca atacavam  e sempre buscavam a cooperação (mesmo depois de atacados) a organismos beligerantes, que atacavam sob qualquer circunstância. Em praticamente todos os modelos, os organismos “vencedores” eram aqueles com estratégias do tipo “olho por olho, dente por dente”: nunca ataque primeiro, seja forte o suficiente para resistir a um primeiro ataque, ataque quem lhe atacou antes e coopere com quem cooperou com você na rodada anterior. No mundo real, isso pode significar que tanto organismos ingênuos (que sempre escolheriam a cooperação) e organismos beligerantes (que sempre atacariam) não conseguiram passar seus genes adiante e, portanto, foram eliminados pelo processo de seleção natural. Esse fluxo pode dar pistas sobre como o padrão de violência em animais pode ter evoluído até nossos ancestrais primatas e desvendar as “causas profundas” das propensões à violência que fariam parte do genoma de todos os seres humanos.


Continuar leitura…

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segunda-feira, 3 de novembro de 2014

A disputa pela verdade nacional

Bernardo Caprara
Sociólogo e Professor

Passadas as eleições, a política ficou. Cheia de ódio, mas ficou. Há, pelo menos, quatro tipos-ideais de discursos que tentam dizer qual é a verdade sobre a sociedade brasileira. Primeiro, os mais radicais.

1) O Brasil é uma ditadura comunista em curso, metendo a mão na liberdade das pessoas. Vai virar Cuba e não podemos deixar isso acontecer. Os militares precisam agir. As políticas sociais do governo demonstram isso e a corrupção também. Fomentam a alegria dos vagabundos, das putas e dos gays. A democracia é uma farsa. Lobão é o líder redentor e a revista Veja o bastião da liberdade de imprensa. Ordem já!

2) As políticas sociais do governo são assistencialistas e não mudam a estrutura política e econômica do país. Há um crescimento do consumo das classes populares, mas não uma diminuição das desigualdades, pois os ricos estão cada vez mais ricos. O Estado brasileiro é autoritário e o governo reeleito não tocou na fonte desse autoritarismo em 12 anos. Pelo contrário, aprofundou esse cenário, como junho de 2013 demonstrou. Não há avanços significativos. A democracia é uma farsa. É preciso derrubar ou reconstruir o sistema.

Ambos os discursos batem no PT, de maneiras muito distintas, é óbvio. O PT é o epicentro da disputa pela verdade nacional. Vamos aos moderados.

3) O PT está desorganizando a economia e incentivando mecanismos institucionais autoritários. Não consegue pensar na combinação entre livre mercado e políticas sociais, porque está mergulhado em ideologias ultrapassadas. Está aparelhando o Estado e minando a democracia. A alternância do poder é necessária, mas não se deve pensar em golpe. A via da política institucional deve ser mantida e fortalecida, o que não impede denúncias e críticas ao PT. O PT é o alvo, pois os radicais pró-militares são minorias ridicularizadas pela nação. Prega-se um Estado mínimo e eficiente, com políticas sociais.

4) O Estado brasileiro vem sendo saqueado há séculos. O PT não modificou o modus operandi da política brasileira, apenas criou e fortaleceu políticas sociais importantes, que fizeram as classes populares darem um salto no que tange às oportunidades de ascensão social. É preciso pressionar o PT para que essas conquistas sejam aprofundadas, para que a democracia seja aprofundada. É preciso rejeitar os vícios autoritários do PT e estimular uma maior participação popular, consolidando as vias institucionais. É preciso combater os golpistas e sustentar os procedimentos democráticos como ponto de partida para um aprofundamento do combate às desigualdades e em prol dos direitos humanos. Essas pressões têm mais chances de ocorrer com o PT no governo do que com os demais partidos da ordem.

A coisa é mais complexa, eu sei. Mas esses argumentos estão por aí. Entrelaçados ou separados. E então, como pensar a realidade brasileira? Há mais perigo com o PT instrumentalizando o Estado com seu viés dito estalinista? Há mais perigo no saudosismo das ditaduras militares, cada vez mais presente? Não há perigo, há de se disputar os rumos numa democracia que já está consolidada?

As hipóteses de resposta, de minha parte, ficam para outra ocasião.

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