ABORDAGEM ARTESANAL, CRÍTICA E PLURAL / ANO 1 (16)

América do Sul, Brasil,

terça-feira, 28 de março de 2017

Nietzsche e a vontade de poder


Por Jefferson Pereira de Almeida
Professor de Filosofia do IFRS

Na Genealogia da moral, Nietzsche tratou de esboçar uma distinção acerca dos tipos possíveis de humano. O ser humano fraco, subserviente à moral de rebanho, tem necessidade de normas externas às quais possa obedecer. Ele é escravo, pois assim deseja, já que essa condição satisfaz determinados interesses. No que se refere ao outro humano, forte, nobre e aristocrático, sua disposição e interesse se localiza no mando. Esse mando representa sua responsabilidade diante daquilo que lhe é fundamental, ou seja, a afirmação de si mesmo por meio da afirmação de sua vontade. Haveria, portanto, uma ética da vontade de poder e do perspectivismo? Pode-se buscar uma aproximação à questão, retomando aquilo que estaria na base de toda ação nobre e aristocrática, uma autenticidade capaz de alcançar a genuína vontade de poder, livre de toda vontade alheia, no exercício de superação de si mesmo, autoaniquilando-se cotidianamente para gestar, a cada dia, um ser humano superior.

No entanto, é preciso reconhecer que a ética de Nietzsche, da mesma forma que aquela professada por Kant, pode ser compreendida como um formalismo, já que não faz considerações sobre eventuais conteúdos valorativos. Se Kant faz de seu imperativo categórico um mandamento, Nietzsche, na explícita referência à doutrina do eterno retorno, impõe um dever ser com o qual a vontade humana forja uma vida a ser vivida incontáveis vezes. Na inapelável defesa da vivência do presente, contra as teleologias, o advento do imperativo moral: vive de tal forma que queiras viver sua mesma vida novamente e incontáveis vezes. No amor fati, o imperativo categórico.

Na redução da ética à estética a liberdade busca sua chancela na vontade criadora. O ser humano criador é tal como um artista que, no exercício de seu talento, buscando construir sua obra, goza de uma liberdade inaudita, uma liberdade que não se orienta pela moralidade, porém pelo exercício mesmo de criação. Sendo assim, tanto em Kant como em Nietzsche, permanece a inabalável crença na liberdade humana, ainda que o filólogo reprove o idealista por se manter atrelado às crenças ascéticas. Na opinião de Nietzsche, Kant teria professado a maioridade, sem, no entanto, vivenciá-la: faltou-lhe audácia e coragem, permaneceu em sua servidão voluntária, apaziguou-se em seu mundo transcendente. Faltou a Kant o gozo da liberdade, pois destituído do prazer e da força na autodeterminação, refém de suas crenças e de seus desejos de certezas. Kant não foi “o espírito livre por excelência”. Assim falou o moralista!

REFERÊNCIA

ALMEIDA, Jefferson Pereira de. Friedrich Nietzsche: a justificação estética da existência e a reatualização do ethos da modernidade. Dissertação de Mestrado Acadêmico, PPG Educação, PUCRS, Porto Alegre, 2009. Páginas 89 e 90.

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segunda-feira, 27 de março de 2017

Aula Magna na Licenciatura em Ciências Humanas da Unipampa, câmpus São Borja


No dia 23 de março, em São Borja (RS), cheguei pensando que estava numa terra de dois presidentes depostos pelos donos do poder desse país tão complexo. Com a minha fala na Aula Magna do curso de Licenciatura em Ciências Humanas da Unipampa, tentei colaborar criticamente para um debate de ideias sobre a Reforma do Ensino Médio, o contexto educacional e político brasileiro e as alternativas para a melhoria da nossa educação formal. A conversa com os estudantes e colegas professores foi muito promissora e me mostrou, mais uma vez, que não estamos sozinhos na busca por liberdade e igualdade para todos. Agradeço aos colegas da Unipampa - São Borja pela oportunidade e acolhida.


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quinta-feira, 9 de março de 2017

Marchando com elas

Bernardo Caprara
Sociólogo e Professor

Se ontem tivemos a retrógrada declaração de um governante associando a mulher ao lar, aos filhos e ao supermercado, como se essas tarefas fossem exclusivamente femininas, também presenciamos as marchas das minas espalhadas pelo mundo, uma grande demonstração de força da luta pela igualdade de gênero. Se parecemos imersos numa ofensiva daqueles que pretendem retornar à Idade Média, se isso parece estrangular o tempo presente, também é notável que a busca para tirar do papel a liberdade e a igualdade para todos não é um devaneio, mas, sim, uma necessidade prática para muitas e muitos. O velho desafia o novo a se reinventar, o saldo disso tudo ainda está em aberto e a cada dia temos a chance de fazer diferente.

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domingo, 5 de março de 2017

Depois do carnaval

Bernardo Caprara
Sociólogo e Professor

O fim do carnaval marca o retorno ao compasso do cotidiano. Nas férias, por diversas vezes pensei nas dificuldades e no peso da vida que estamos levando nas grandes cidades. Relaxado, integrado aos lugares que frequentei, vivendo com simplicidade e num ritmo bem menos acelerado, fiquei viajando nos motivos que teríamos para temer ou não o futuro próximo.

De fato, não só do ponto de vista nacional, mas do contexto atual da globalização, é possível indicar sinais de que os tempos vindouros podem ser preocupantes. Sem conseguir dar sentido às nossas vidas hiperconectadas, hiperaceleradas e hiperpolarizadas, parece que a cada dia as promessas modernas de liberdade e igualdade sucumbem quando são confrontadas ao cotidiano feito de desigualdades, violências, violações e desejos frustrados. A gente quer o mundo, parte pra cima e busca conquistá-lo, mas nós sequer sabemos com serenidade se realmente desejamos tudo isso.

Enquanto as férias ainda são consideradas um direito do trabalhador, tenho procurado encontrar o que me falta o ano inteiro. É óbvio que não encontro tudo e que são apenas férias. Por isso, o negócio é acampar. Sério mesmo. No acampamento, a gente opta pelo simples, por fazer o tempo passar mais suave e ficar mais sensível ao que realmente importa. Fazer a própria comida, com calma, sem neurose, sem celular, sem se importar se for uma comida básica, nada gourmet. Conversar com as pessoas, ao vivo, trocando olhares. Misturar sotaques, histórias e culturas numa roda de mate e de alegria. Se for perto da praia, então, os dias passam inteiros, e a vida ensaia se completar.

Agora, no início de mais uma temporada nessa aventura que é ser professor, continuo repleto de dúvidas, angústias e desejos. Há indícios de que a marcha na direção de uma imprevisível tormenta acelerou de vez. Ainda assim, outras vidas estão por aí, comunicando e fazendo pequenas redes de cooperação, solidariedade e amizade. O que virá desse caldeirão pode nos trazer maiores temores ou fomentar novos sonhos. Nesses sonhos, amar e mudar as coisas me interessa mais.

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