Bernardo Caprara
Sociólogo e Professor
Entre um café e um jogo espetacular da Copa do Mundo, penso nas desigualdades. Nos debates políticos, elas quase sempre entram em campo. Podem servir de suporte para diversos argumentos. Sem dúvidas, para olhar o real com densidade é preciso diagnosticá-las minimante. A esquerda diz que as desigualdades têm se fortalecido. Os liberais sentenciam que não. Eu mergulho na leitura. É aí que o economista do Banco Mundial [1], Branko Milanovic [2], tenta oferecer uma espécie de mapa da situação no capitalismo contemporâneo.
Da visão que promove, pode-se partir de três formas de investigar a desigualdade de renda ao longo do tempo [3]. O primeiro tipo é definido a partir dos Estados Nacionais. A estatística é calculada com o PIB ou os rendimentos médios de cada país, sem ponderar as diferenças de populações. Cada país tem um peso igual, independente do seu tamanho. Sob esse prisma, a desigualdade aumentou consideravelmente, pelo menos até a virada do milênio.
A segunda maneira de conceituar a desigualdade ainda utiliza as médias dos países, sem fazer do indivíduo a unidade de análise. Só que, dessa vez, leva em conta os tamanhos populacionais e pondera os dados de cada nação. Nessa curva, a desigualdade se mostra em decréscimo quase constante.
Numa terceira interpretação, a complexidade das relações humanas ganha força com o entendimento de que é necessário que os dados sejam trabalhados no nível dos indivíduos, e não das médias nacionais. Pensa-se acerca das desigualdades globais. Para isso, as pesquisas domiciliares de larga escala são relevantes. Essas estatísticas podem ser encontradas com alguma regularidade para distintos países somente da década de 1980 em diante. Nesse cenário, desponta uma variabilidade entre crescimento e diminuição da desigualdade, que aparece num leve contínuo declínio.
Com efeito, Milanovic deixa claro quem mais obteve benefícios com a globalização orientada nas duas recentes décadas: em primeiro lugar, os muitos ricos; depois, o segmento social que chama de “classe média de economias de mercado emergentes”, como China, Índia, Indonésia e Brasil. As pessoas que fazem parte do 1% mais rico do planeta viram a sua renda subir em 60%. As referidas classes médias, 80%. Houve uma evolução da renda também das classes médias baixas. Porém, entre os 5% mais pobres, a perda dos rendimentos reais foi grande e a desigualdade elevou-se. O autor sublinha, sem rodeios, que as pessoas mais afetadas negativamente pela economia mundial de 1998 a 2008 são africanas, alguns latino-americanos e os habitantes da antiga União Soviética.
Agindo segundo uma sociologia reflexiva, sinais de questionamentos surgem e se voltam sobre a temática. Além do fato de que as desigualdades de renda não contemplam com exclusividade as profundezas das relações de poder e dominação em curso nas sociedades contemporâneas, outras perguntas se destacam.
Se houve uma transformação positiva no período assinalado, de acordo com as concepções dois e três, a manutenção dos privilégios dos mais ricos não se faz bastante mais significante, tendo em vista que, para quem já tem muito, aumentar em 60% o seu montante representa uma lógica acentuada de persistência das coisas como elas estão? Mesmo aceitando sem muitas críticas esse movimento, a virada abaixo nas curvas da desigualdade, sendo puxada por países como Brasil e China, não sugere que políticas estatais de interferência concreta nos rumos econômicos são mais eficientes do que práticas de desregulamentação ampla dos mercados? Não foram justamente esses países que não se jogaram numa austeridade excessiva durante o calor da crise de 2008?
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[1] Importa lembrar que o Banco Mundial tem sido concebido por muitos analistas como um organismo multilateral colaborador do mercado financeiro, pautando políticas econômicas de cunho neoliberal. Ver:http://www.administradores.com.br/.../o-banco.../31091/.
[2] MILANOVIC, Branko. Global Income Inequality by the Numbers: in History and Now – An Overview. Policy Research Working Paper 6259. The World Bank, 2012. Disponível em: http://elibrary.worldbank.org/doi/pdf/10.1596/1813-9450-6259.
[3] Além disso, o texto defende que, desde a Revolução Industrial, a humanidade não via uma mobilidade entre classes sociais como a que se pode enxergar por intermédio dos dados citados pelo autor. Essa ideia é referenciada por alguns grupos liberais para sustentar as suas teses.
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