Bernardo Caprara
Sociólogo e Professor
A
greve é uma manifestação ligada à divisão da sociedade em classes
sociais. O conceito de classes sociais é central para a Sociologia.
Venho estudando a temática há seis anos. Podemos pensar as classes
sociais, pelo menos, de quatro maneiras: negar completamente a sua
existência e/ou importância; defini-las desde a posição ocupada no mundo
do trabalho; pensá-las a partir da situação econômica em dado mercado,
com o foco na capacidade de consumo; e, por fim, pensar classe com a
percepção de que possuímos acessos desiguais a recursos econômicos e
culturais e isso conforma nossas práticas.
Negar a existência e/ou a importância das clivagens de classe tornou-se um argumento comum na segunda metade do século XX. Autores chamados de “pós-modernos” ou “pós-estruturalistas” passaram a defender que as pessoas não seriam mais condicionadas pelas identidades coletivas, como o pertencimento de classe. Nossas principais orientações, gostos ou escolhas políticas, seriam frutos de identificações fluidas, sem vinculações à narrativas estruturais, mas adaptadas ao crescente processo de “individuação”. Afora as interessantes discussões que essa perspectiva suscita, o fato é que ela não corresponde à realidade. Diversas investigações sociológicas indicam a relevância dos aspectos de classe na vida contemporânea.
Os fundamentos da noção de classe estão na obra de Marx. Nessa ótica, a produção da vida material antecede o pensamento, sendo a vida concreta a base das sociedades humanas. Os indivíduos ocupariam diferentes posições nas relações de trabalho. No capitalismo, aqueles que possuem os meios de produção (fábricas, máquinas, terras, etc.) exploram a força de trabalho daqueles que não possuem outra coisa senão a sua própria força de trabalho. A luta concreta entre as diferentes classes, com posições desiguais nas relações produtivas, seria o mecanismo primeiro de reprodução ou transformação social. Os trabalhadores, ao perceberem a exploração sofrida, passariam a disseminar uma “consciência de classe”, mobilizando-se politicamente e buscando, no limite, o fim da sua exploração e da divisão em classes sociais. A ação coletiva dos trabalhadores libertaria a humanidade.
Mais recentemente, dada a complexificação da vida em sociedade, as análises de classe avançaram. Inspirados em Marx, mas também em Weber, muitos sociólogos viram que, de fato, permanecem as desigualdades econômicas em diferentes grupos sociais e isso gera desvantagens e privilégios na competição pela sobrevivência. Porém, existiriam muitas “frações de classe” (como as classes médias), associadas ora ao lugar ocupado nas relações trabalhistas, ora às distintas capacidades de consumo. Os neoweberianos, sobretudo, demonstram a relevância das dessemelhantes posições econômicas entre as classes, mas não entendem que essas dessemelhanças formatam preferências políticas, julgamentos morais ou hábitos de consumo. Não haveria uma relação automática entre o pertencimento de classe e essas práticas individuais.
É na matriz derivada da obra de Pierre Bourdieu que podemos ver a noção de classe social atendendo melhor aos pressupostos da atualidade. O sociólogo francês percebeu que as pessoas estão espalhadas pelo espaço social de acordo com a propriedade e o volume de diferentes tipos de capitais, principalmente o econômico e o cultural. Os capitais são “trunfos” para a competição nos diferentes campos da vida coletiva. Agentes (pessoas, dotadas de agência) com maiores volumes de capital econômico e cultural conquistariam e reproduziriam as suas posições dominantes no espaço social. O ponto chave na obra de Bourdieu é a forma como a posição relativa de classe produz ações e percepções de mundo. Através de um mecanismo gerador de práticas (chamado de “habitus”), as estruturas sociais e as propriedades atuantes (capitais) tornam-se incorporadas em cada um de nós, conformando nossas práticas e a exteriorização da nossa individualidade, numa relação sincrônica e diacrônica. Assim, a posição relativa de classe, sempre com fronteiras instáveis e em constante disputa, produziria homologias entre o maior ou menor acesso aos capitais e os gostos, as preferências políticas, alimentares, esportivas e etc. A classe social segue conformando as práticas culturais, e as lutas simbólicas operam o tempo inteiro para legitimar ou desestabilizar a distribuição dos capitais no espaço social.
Se olharmos para os dados da PNAD 2017, fica claro que a imensa maioria dos cidadãos brasileiros vive da renda do seu trabalho. A maioria não é "patrão" – nem se incluirmos os “por conta própria”, como denomina o IBGE. Se observarmos os estratos de renda, a grande maioria possui baixo acesso ao consumo. Se, ainda, atentarmos para o acesso à escolaridade elevada ou ao acesso a bens culturais distintivos, também a imensa maioria fica de fora do jogo. As reformas tocadas goela abaixo no Congresso são defendidas com unhas e dentes pelas classes privilegiadas econômica e culturalmente. Por esta razão, a greve segue um instrumento importante de manifestação política, ainda mais num momento como esse.
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Negar a existência e/ou a importância das clivagens de classe tornou-se um argumento comum na segunda metade do século XX. Autores chamados de “pós-modernos” ou “pós-estruturalistas” passaram a defender que as pessoas não seriam mais condicionadas pelas identidades coletivas, como o pertencimento de classe. Nossas principais orientações, gostos ou escolhas políticas, seriam frutos de identificações fluidas, sem vinculações à narrativas estruturais, mas adaptadas ao crescente processo de “individuação”. Afora as interessantes discussões que essa perspectiva suscita, o fato é que ela não corresponde à realidade. Diversas investigações sociológicas indicam a relevância dos aspectos de classe na vida contemporânea.
Os fundamentos da noção de classe estão na obra de Marx. Nessa ótica, a produção da vida material antecede o pensamento, sendo a vida concreta a base das sociedades humanas. Os indivíduos ocupariam diferentes posições nas relações de trabalho. No capitalismo, aqueles que possuem os meios de produção (fábricas, máquinas, terras, etc.) exploram a força de trabalho daqueles que não possuem outra coisa senão a sua própria força de trabalho. A luta concreta entre as diferentes classes, com posições desiguais nas relações produtivas, seria o mecanismo primeiro de reprodução ou transformação social. Os trabalhadores, ao perceberem a exploração sofrida, passariam a disseminar uma “consciência de classe”, mobilizando-se politicamente e buscando, no limite, o fim da sua exploração e da divisão em classes sociais. A ação coletiva dos trabalhadores libertaria a humanidade.
Mais recentemente, dada a complexificação da vida em sociedade, as análises de classe avançaram. Inspirados em Marx, mas também em Weber, muitos sociólogos viram que, de fato, permanecem as desigualdades econômicas em diferentes grupos sociais e isso gera desvantagens e privilégios na competição pela sobrevivência. Porém, existiriam muitas “frações de classe” (como as classes médias), associadas ora ao lugar ocupado nas relações trabalhistas, ora às distintas capacidades de consumo. Os neoweberianos, sobretudo, demonstram a relevância das dessemelhantes posições econômicas entre as classes, mas não entendem que essas dessemelhanças formatam preferências políticas, julgamentos morais ou hábitos de consumo. Não haveria uma relação automática entre o pertencimento de classe e essas práticas individuais.
É na matriz derivada da obra de Pierre Bourdieu que podemos ver a noção de classe social atendendo melhor aos pressupostos da atualidade. O sociólogo francês percebeu que as pessoas estão espalhadas pelo espaço social de acordo com a propriedade e o volume de diferentes tipos de capitais, principalmente o econômico e o cultural. Os capitais são “trunfos” para a competição nos diferentes campos da vida coletiva. Agentes (pessoas, dotadas de agência) com maiores volumes de capital econômico e cultural conquistariam e reproduziriam as suas posições dominantes no espaço social. O ponto chave na obra de Bourdieu é a forma como a posição relativa de classe produz ações e percepções de mundo. Através de um mecanismo gerador de práticas (chamado de “habitus”), as estruturas sociais e as propriedades atuantes (capitais) tornam-se incorporadas em cada um de nós, conformando nossas práticas e a exteriorização da nossa individualidade, numa relação sincrônica e diacrônica. Assim, a posição relativa de classe, sempre com fronteiras instáveis e em constante disputa, produziria homologias entre o maior ou menor acesso aos capitais e os gostos, as preferências políticas, alimentares, esportivas e etc. A classe social segue conformando as práticas culturais, e as lutas simbólicas operam o tempo inteiro para legitimar ou desestabilizar a distribuição dos capitais no espaço social.
Se olharmos para os dados da PNAD 2017, fica claro que a imensa maioria dos cidadãos brasileiros vive da renda do seu trabalho. A maioria não é "patrão" – nem se incluirmos os “por conta própria”, como denomina o IBGE. Se observarmos os estratos de renda, a grande maioria possui baixo acesso ao consumo. Se, ainda, atentarmos para o acesso à escolaridade elevada ou ao acesso a bens culturais distintivos, também a imensa maioria fica de fora do jogo. As reformas tocadas goela abaixo no Congresso são defendidas com unhas e dentes pelas classes privilegiadas econômica e culturalmente. Por esta razão, a greve segue um instrumento importante de manifestação política, ainda mais num momento como esse.
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