ABORDAGEM ARTESANAL, CRÍTICA E PLURAL / ANO 16

América do Sul, Brasil,

sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Egos e ervilhas

Bernardo Caprara
Sociólogo e Professor

Desconfio de qualquer jornalista. Quando foi que uma profissão tão relevante tornou-se o berço de impropérios e lugares comuns? O que leva um sujeito que é treinado para ouvir distintas versões sobre os acontecimentos a proferir sentenças absurdas como o dono da verdade?

Alguns colunistas/jornalistas, dia após dia, carimbam a população com a sua pretensa sabedoria. Quem os lê, por sua vez, pode acreditar que eles devoraram os clássicos da filosofia, das ciências sociais e da literatura. Apesar de achar pouco provável, até não duvido que algum conhecimento possa se debater nestas mentes confusas.

Uma das últimas pérolas que li discorre sobre o radicalismo e o idealismo, através de dois exemplos específicos: o feminismo e a figura de José Dirceu. Não há, entretanto, sequer uma definição sobre qualquer um dos conceitos. Para as ideias soltas expostas no texto, tanto o movimento de emancipação da mulher, quanto o político petista se traduzem em manifestações individuais de egoísmo atrelado a um ego faminto por reconhecimento.

Interessante. Sem sentido, mas interessante, do ponto de vista retórico. Uma das técnicas retóricas mais conhecidas é dizer que o outro faz aquilo que estamos fazendo. Bingo! Quanta semelhança com o referido texto. Radical e egoísta e chamando os outros disso tudo. Quanta semelhança com os jornalistas que escrevem sobre tudo e todos, mas se legitimam apenas a partir da amplitude que o veículo de comunicação no qual trabalham alcança na sociedade.

Um dos maiores sociólogos do século XX, o francês Pierre Bourdieu, defendia que as ciências sociais precisam buscar sempre um afastamento das noções cotidianas acerca do real. Uma espécie de vigilância na produção do seu conhecimento, uma ruptura inspirada em Gaston Bachelard. Nessa linha, muitas das assertivas erigidas desde a compreensão espontânea sobre a vida social resvalam em pré-noções, que podem, sim, derivar na reprodução de um arbitrário cultural específico.

Pois bem. Dizer que não há machismo na contemporaneidade é contrapor relatos, experiências detestáveis e estatísticas lançadas por organismos de pesquisa sérios e com mais credibilidade do que o cérebro de jornalistas sabichões. A Organização das Nações Unidas (ONU) não faz rodeios quando retrata a situação da mulher no cenário atual. Cerca de 70% dos seres humanos femininos sofrem algum tipo de violência no decorrer das suas trajetórias na Terra. Uma em cada cinco pessoas femininas será vitimada por tentativa de estupro durante a sua trajetória neste planeta.

Os dados são, infelizmente, incontestáveis. Estão aí para qualquer um ver. Um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), deste ano, não deixa dúvidas: “Destaca-se a necessidade de reforço às ações previstas na Lei Maria da Penha, bem como a adoção de outras medidas voltadas ao enfrentamento à violência contra a mulher, à efetiva proteção das vítimas e à redução das desigualdades de gênero no Brasil”.

Só que essa é só a ponta de um trágico iceberg. Basta olhar para a história humana com rigor, não somente escrever livrinhos feitos para ganhar dinheiro e inchar as ervilhas presentes nas cabeças alheias. O resultado da caminhada machista recai, nos dias de hoje, naquilo que Bourdieu conceituava como violência simbólica. Uma violência, uma dominação que não demanda obrigatoriamente a força física, mas se configura em elementos simbólicos e atitudes. Além disso, que se imiscui no próprio indivíduo que sofre a violência, fazendo com que ele não a entenda como tal.

Salvas as exceções que confirmam as regras, os movimentos pela emancipação da mulher, sob a égide do que se conhece por feminismo, não pretendem inverter a opressão. Não querem que os homens passem ao papel de oprimidos, e as mulheres de opressoras. Querem a justiça. Querem que as mulheres sejam do jeito que bem entenderem. Que se vistam do jeito que bem entenderem. Que ajam da maneira que bem entenderem. Sem receios de serem subjugadas, estupradas ou julgadas por uma moral hipócrita que não resiste à meia dúzia de argumentos.

Um minuto para respirar. Ter que articular essas palavras tão óbvias dá uma descrença na humanidade, capaz de fazer perder o ar. Sigamos.

Quando tratamos de José Dirceu, aí a coisa tende a ficar ainda mais óbvia. Os festejados escritores de textos bonitinhos – e sem conteúdo – esquecem (ou desconhecem) totalmente as intermitências da cena política e ideológica nacional. Isso que dá jornalistas quererem distribuir verdades compulsórias e irrefletidas.

Desde a década de 1990, as principais correntes “idealistas” começaram a cair fora do Partido dos Trabalhadores (PT). Grande parte dos grupos organizados sob a bandeira de um socialismo mais genuíno (sem trocadilho), sob os preceitos do “Programa de Transição” de León Trotksy ou da sua atualização, nas feições de Nahuel Moreno, não está mais no PT faz tempo. No momento em que a sigla assumiu o Governo Federal, aí toda essa lambança ideológica veio à tona de vez.

O documento intitulado “Carta aos Brasileiros” marca em definitivo o afastamento do PT de uma linha ideológica comprometida com os ideais da esquerda mais radical. Não é imperativo desfrutar de grandes saberes para descobrir isso. No entanto, deve-se buscar informação, reflexão e alguma lógica entre as palavras e a realidade. Muito mais fácil é sair digitando lugares comuns.

Hoje, José Dirceu não é um radical idealista. Nem aqui, nem em Cuba, nem na França, nem na China, nem nos Estados Unidos, nem na Alemanha. Dizer esse absurdo é patinar no barro das falácias dos dizeres espontâneos. Ação que traz pequenos problemas na mesa do bar. Contudo, que se faz lamentável para jornalistas e escritores de renome. Que ajuda a reproduzir desigualdades e opressões. Embora o PT diferencie-se um pouco dos demais partidos por um caráter mais propenso às classes populares, os banqueiros nunca lucraram tanto quanto nos seus mandatos. Os ricos enriqueceram ainda mais. Como pode um líder dos grupos dominantes dessa organização ser, neste contexto, um idealista radical? Alguém me explica, quero compreender.

Sugiro a leitura do texto da sensacional Eliane Brum, na sua estreia no El País, do qual cito este pequeno trecho: “A mudança é um momento agudo de um processo histórico no qual Lula e o PT tiveram, mais do que qualquer outro político e partido, uma contribuição decisiva, no concreto e no simbólico de sua ascensão ao poder. Apartaram-se, porém, e parecem estar bem menos preocupados do que deveriam com seu divórcio com as ruas. O braço erguido, o punho cerrado, é um capítulo melancólico de um partido que parou de escutar”.

Neste mundo de hoje, ser homem, branco e com condições razoáveis de sobrevivência econômica e não perceber todas as opressões e desigualdades que atravessam a nossa existência é algo análogo a uma ofensa grave à espécie humana. Por isso, dedico-me todos os dias a ajudar a criar as oportunidades que tive para outros seres humanos. Dedico-me todos os dias a desconstruir os alicerces simbólicos das injustiças no diálogo com os estudantes que tenho a honra de poder trabalhar.

Por fim, o feminismo e José Dirceu só são radicalismos idealistas no instante em que o ego se junta à ervilha. Ego e ervilha juntos formam um amálgama catalisador de preconceitos, irresistível para quem pensa que pode escrever sobre tudo, mas não se aprofunda em nada. Em alguns casos, assim caminha a humanidade.

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quarta-feira, 27 de novembro de 2013

Olhos nos olhos

Bernardo Caprara
Sociólogo e Professor

Olhos nos olhos. Chico Buarque canta sobre isso. Eu observo. Naquela ocasião, deixei a bicicleta em casa e resolvi sair a pé. Caminhar pela cidade. Abordar com um olhar os olhos das pessoas que pela metrópole transitam. Qualquer semelhante, independente dos atributos.

Na primeira tentativa, o outro ser humano fugiu da olhada. Bobagem, na próxima iria rolar. Pé frio. Lá se foram mais de vinte miradas. Sequer uma olhadela de volta. Havia algo errado comigo. Devia ser a minha magreza. Talvez a minha barba. Fato: ou era a minha roupa ou a minha feiura.

Parei na sinaleira. Refleti. Engraçada a espécie humana na atualidade. Na época das chuvas intermitentes por aqui, todos me observavam na rua. A sombrinha vermelha com bolinhas brancas que usava me punha em evidência para as visões alheias.

Sinal dos tempos. Um objeto cotidiano chama mais atenção do que a busca descompromissada por um olhar a ser correspondido.

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segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Deve o poder limitar o poder?

Bernardo Caprara
Sociólogo e Professor

O cenário é sinuoso. Quando o líder do judiciário manda prender alguns políticos durante o feriado da República, no Brasil, o que pensar?

Uns dizem que é uma virada no combate à corrupção. Outros juram que é perseguição ideológica. Não sei. Mais do que ambos, talvez.

Para Montesquieu, filósofo francês iluminista, o poder deve limitar o poder, a fim de que não haja abuso de poder. Interessante. O homem que bate o martelo mais pesado da República cresce na parada. Desliza nas ondas do poder. O STF toma grandes decisões. Os outros poderes murcham na descrença geral. As ruas se agitam. Políticos vão para o xadrez. Outros políticos suspeitos seguem soltos.

O homem da capa preta é negro. Num país racista e mestiço. Racismo à brasileira. No mesmo triste mundo em que um jogador de futebol sai do gramado chorando pelas ofensas racistas da torcida. O chefe provoca. Faz e acontece. Muita gente aplaude. Outras gentes ficam espiadas. Advogados se organizam e fazem pressão.

Um impeachment no STF pode gerar um mártir da legalidade. Aquele que botou os corruptos na cadeia pode virar lema de herói popular. Afinal, os outros poderes constitucionais cobrem-se com telhados de vidro. Resistem pouco a uma inocente pedrada. Há pouca novidade em termos de alternativa no jogo político.

Vem aí a caça aos votos, na edição 2014. Em alguma medida, o dia a dia alimenta a ideia de que, se der merda, a regra é procurar a Justiça. E lá vai o magistrado bater o martelo. Na rua, negociar fica pra depois. O vizinho é adversário, por vezes inimigo. Curvas preocupantes. Olhos abertos.

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sexta-feira, 22 de novembro de 2013

Um mapa das desigualdades raciais


Bernardo Caprara
Sociólogo e Professor

Trovejava. Lia um jornal gratuito, escorado debaixo de qualquer marquise. Viajando, construía o mapa das desigualdades entre negros e não-negros no Brasil atual. A lista de orientação era variada:

- Cerca de 50% da população brasileira é negra ou parda (IBGE, 2010).
- O trabalhador negro recebe, em média, 36% a menos na quantia do seu salário do que os não-negros (DIEESE, 2013).
- Cerca de 90% dos negros permanecem fora das universidades, mesmo com o número daqueles que as frequentam aumentando em quatro vezes desde a implementação das Políticas de Ações Afirmativas (MEC, 2011).
- Aproximadamente 70% de todos os assassinatos no país vitimam pessoas negras (IPEA, 2013).

De repente, a cartografia mental banhou-se de sangue, opressão e desigualdade. Respirou, suportou e ousou superar. Da amargura à semente do novo. Daquilo que precisa ser descoberto, como dizia o sábio geógrafo Milton Santos. No cenário erigido pela imaginação do real, tambores começaram a tocar. Grandes e belas cidades negras ergueram-se, consolidaram-se outra vez. Grandes gentes reconhecidas como grandes gentes. O berço de todas as gentes.

Entre passados e presentes, o real. As realidades. Luta. Resistência. Orgulho e valor. Até a vitória.
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quarta-feira, 20 de novembro de 2013

O legado de Zumbi dos Palmares


Bernardo Caprara
Sociólogo e Professor

Poderia ser qualquer um. No caso, era ele. Nascido por aqui mesmo, de pele escura. Um rapaz comum. Com atenção, percebia o debate diante de si. Os argumentos principais defendiam a necessidade da valorização do Dia da Consciência Negra e da figura de Zumbi dos Palmares, assassinado em 20 de novembro de 1695. Ele mexia na barba. Pensava. O desdém de alguns na plateia simbolizava uma quase ofensa.

A controvérsia* girava em torno da presença de escravizados no interior do Quilombo dos Palmares, localizado em Alagoas, liderado por Zumbi no século XVII. Território de resistência dos negros escravizados que conseguiam escapar. “Lá tinha escravos!”, gritara um desconhecido. O debatedor explicava que o significado da escravidão entre as sociedades africanas era distinto. Representava uma sujeição ao domínio de outro ser humano, em virtude de guerras ou aprisionamentos. Porém, não era um sistema que transformava seres humanos em mercadorias e gerava acumulação de riquezas através do tráfico de gentes. A exploração não era renovada sistematicamente e não mantinha pessoas cativas de modo institucionalizado, numa categoria especial de subordinação.

Confuso, recordava a história do Brasil. Há 318 anos o Império Português degolara, mutilara, castrara, salgara e deixara em praça pública, no Recife, a cabeça de Francisco, então Zumbi dos Palmares. Durante meses, para servir de exemplo. Refletiu abismado: “Esse deve ter atazanado os senhores!”. Sentiu-se confiante. Mostrava-se possível enfrentar o racismo, resistir, contrapor a injustiça. Zumbi morrera, mas ainda hoje o seu legado ecoa em todos os cantos desse país. Sentiu um sopro de esperança. Vibrou orgulhoso por sentir-se mais negro. Seus antepassados não se deixaram escravizar sem oposição. Seguiu seu caminho, com um sorriso no rosto.

Poderia ser qualquer um. Nascido por aqui mesmo. Um rapaz comum, como eu. Mas eu tenho a pele clara, branca. Seja qual for o nível de ancestralidade africana presente na minha genética, eu o valorizo. Cerro os punhos por ele. Dobro-me em reverência à imagem de Zumbi. Imagem de luta e resistência a uma das maiores tragédias da história da humanidade.

* Não sou historiador, tampouco tenho talento para isso. No entanto, duas citações parecem importantes, no cenário das controvérsias acerca da escravidão entre os africanos e no Quilombo dos Palmares:

“Todas as situações de exploração existentes na África tradicional (...) não se constituem em sistemas escravistas, porque a exploração não era renovada sistematicamente e não suscitava uma categoria de indivíduos mantida institucionalmente (de fato ou de direito) em uma relação de subordinação. A escravidão como modo de exploração só pode existir se se constituir uma classe distinta de indivíduos com um mesmo estatuto social. Essa classe distinta, dita escrava, deve-se renovar de forma contínua e institucional, de tal modo que as funções a ela destinadas possam ser garantidas de maneira permanente e que as relações de exploração e a classe exploradora (senhores) que delas se beneficiam possam também se reconstituir regular e continuamente” (MUNANGA, 2006, p. 24).

“A escravidão produtiva era inviável em Palmares. (...) Não existiam em Palmares condições econômicas para a produção escravista. Os palmarinos viviam uma economia essencialmente natural. O uso da terra era livre. A produtividade da agricultura palmarina era baixa. O produtor palmarino garantiria escassamente seu sustento e produziria um magro excedente” (MAESTRI, 2002, p. 66).

Para maior aprofundamento na temática, recomendo os seguintes materiais:

MAESTRI, Mario. Benjamin Péret: um olhar heterodoxo sobre Palmares. In: PÉRET, Benjamin. O Quilombo dos Palmares. Porto Alegre: Ed. da UFRGS, 2002.

MUNANGA, Kabengele. Para Entender o Negro no Brasil de Hoje: História, Realidades, Problemas e Caminhos. São Paulo: Ação Educativa, 2006.

Assim, não se esgotarão os debates, mas já se terá alguma referência sólida baseada em pesquisa documental e análise acadêmica.

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sexta-feira, 15 de novembro de 2013

Joãozinho e a República

Bernardo Caprara
Sociólogo e Professor

Joãozinho estava feliz, o feriado se aproximava. Não sabia a razão de uma folga geral como aquela, em plena sexta-feira. Curioso, resolveu descobrir. Perguntou aos familiares. A resposta foi lacônica: “É algum feriado político”. Joãozinho deu de ombros.

Faltavam cerca de 20 minutos para terminar a aula. O feriado iria começar, finalmente. A professora tentava explicar o conceito de República. Fazia a associação entre o feriado e a construção da República Brasileira, proclamada em 1889. “Essa é uma forma de governo que emana do povo, ou seja, surge das mãos da população”, insistia a docente, em meio ao caos instalado na sala de aula.

Caiu a ficha. Atento, Joãozinho entendeu os motivos da folga que estava quase chegando. Entendeu, mas não concordou com o conceito. “Lá na quebrada o poder não tá na mão da rapaziada, nem aqui na escola, nem em lugar nenhum que eu conheço!”. A reflexão do menino beirava a inocência juvenil.

Tocou o sinal. A gurizada se libertou com velocidade da escola. O feriado virou realidade. E a República?

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terça-feira, 12 de novembro de 2013

Pobreza é uma questão coletiva


Bernardo Caprara
Sociólogo e Professor

“Pobre é pobre porque quer”. A frase me corroía por dentro. Não saía da cabeça a polêmica afirmação (?!) de um jovem conhecido. Num boteco da rodoviária, observava o real em volta de mim. Os funcionários combinavam as escalas do fim de ano. Queriam uma chance para visitar os familiares. Torci para que eles conseguissem. Diziam que o patrão era duro na queda. Voltei àquela frase tão difícil de digerir.

Viajei. De repente, organizei alguns dados do PNUD, vinculado à ONU. Cerca de 1,57 bilhão de pessoas vivem em estado de “pobreza multidimensional”. Além de possuírem renda baixíssima (R$ 2,50 por dia, em média), não têm acesso à saúde e educação. Não têm perspectivas de qualidade de vida. Filosofei, na linha do politicamente incorreto, na moda hoje em dia: “É muita gente querendo ser pobre!”. Por outro lado, um banco suíço diz que os milionários representam 0,6% da população adulta do planeta. Cuspi: “É muito pouca gente querendo ganhar milhões!”.

Sobressaltado, brilhou-me uma recente lição. Temos a tendência a enxergar o mundo a partir das nossas sociabilidades. A transformar casos minoritários, excepcionais, em regras infalíveis – desde as nossas interações com a parte do mundo que nos cabe. Tendemos ao equívoco. Isso pode nos levar a desferir frases aparentemente certeiras. Mas que, na verdade, não passam de pré-noções cheias de irreflexão.

O balanço do ônibus fez pensar no movimento da vida. Na sua complexidade. Nas oportunidades que se distribuem por aí, de modo desigual. Bastante desigual. Sempre tive oportunidades na vida. A melhor maneira de agradecer a isso parece ser aproveitar as chances que a vida me deu, tentando construir oportunidades para mais pessoas. Num mundo em que competir e vencer é a lei maior, as evidências apontam que a pobreza é uma questão coletiva. Não é puramente individual.

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sábado, 9 de novembro de 2013

A vida é mesmo um sopro

Bernardo Caprara
Sociólogo e Professor

A vida é um sopro, dizia o velho Niemeyer. Um movimento de chegadas e partidas. Encontros e despedidas. Uma obra de arte, pintada de alegrias e tristezas. Se for isso mesmo, é muito intenso. Um sopro feito de furacões. Quando alguém querido se vai, como suportar? Como explicar o inexplicável? Quais as razões do imponderável, de uma partida absurdamente precipitada?

Não dá pra responder. As palavras ficam vazias. As lágrimas doem. Pesam demais. Por mais que possa parecer o contrário, se tem algo concreto nesse mundo, esse algo é o amor. Como podem alguns deixá-lo para trás, atribuindo valor ao que só tem um valor ilusório? Sei lá. Agora não importa. O corpo se vai. O amor fica. A vida é mesmo um sopro.

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quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Filosofia Tiranossauro Rex

Bernardo Caprara
Sociólogo e Professor

Uma das iniciativas menos proveitosas do momento reside em acompanhar comentários de grandes portais na internet. Que baita merda enveredar nessa tarefa. Outra: ler os editoriais dos jornalões tradicionais. Que asco!

Parece haver uma espécie de Filosofia Tiranossauro Rex perpassando os conteúdos expostos nesses locais. Um “pega, mata e come” (pós)moderno. Uma ode aos de cima, um desprezo aos de baixo. Não há relações entre acontecimentos. Não há passado, origens ou sequências prévias conectadas ao aqui e agora. Há – isso sim – muita raiva, rancor, vingança, imediatismo, irreflexão, elitismo e simplismo nos ditos argumentos. Intolerância aos borbotões.

Diz uma música do Jorge Ben Jor: “Que pra acabar com a malandragem, tem que prender e comer todos otários...”. Talvez nos tempos dos dinossauros essa fosse a regra. Esse tempo já se foi. O Código de Hamurabi ficou pra trás. Será mesmo?

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sexta-feira, 1 de novembro de 2013

Quem vai salvar quem?


O episódio envolvendo ativistas contrários ao uso de animais em testes científicos levantou bastante polêmica. Por um lado, aqueles que defendem que animais sentem dor, portanto a humanidade não pode dispor deles para avançar na ciência. De outro, aqueles que dizem que os humanos estão acima dos animais naImagem retirada do sítio http://www.estadao.com.br/noticias/vidae,coisas-que-eu-queria-saber-aos-21-sidarta-ribeiro,790164,0.htm lógica da vida. O Professor Titular de Neurociência da UFRN, Sidarta Ribeiro (saiba mais), discorre sobre o tema e amplia os horizontes da compreensão sobre o assunto. O texto está publicado no jornal Estadão.

No vórtex contestatório que levanta pessoas em todo o planeta, eis que chega ao Brasil a ira santa contra a experimentação animal. Ativistas invadem laboratórios e retiram cães, para desespero dos cientistas que pesquisavam remédios oncológicos com esses animais. Confrontam-se argumentos. Há ética em submeter beagles adoráveis à experimentação fria? Por outro lado, será ético criar cães em apartamentos minúsculos, permitindo que desenvolvam problemas renais por baixa frequência de micção e obesidade por falta de exercício? Os ativistas acham que os cientistas são uns animais e vice-versa, como se isso fosse a maior ofensa.

O tema é forte e mobiliza paixões. São inegáveis os avanços para a saúde humana obtidos graças à experimentação animal, tais como vacinas, antibióticos, transplantes e reconstituição de órgãos. Sem a vivissecção, seria hoje impossível seguir avançando nas pesquisas sobre câncer, aids e doenças degenerativas, entre muitas outras. Mas se a pesquisa científica é patrimônio da humanidade, não há quem não se compadeça de um cãozinho melancólico.

O momento é oportuno para questionar injustiças e olhar de frente a questão dos direitos dos animais. Em perspectiva, nosso sucesso como espécie depende há milhares de anos da exploração de outras formas de vida. Nossos ancestrais nômades aprenderam a extrair de outros seres vivos seus alimentos, remédios, vestuário e serviços variados, domesticando espécies e criando novas raças a serviço do bicho homem. Não é exagero dizer que, sem tal domínio de outros seres, não haveria civilização. Portanto, o uso dos animais pela ciência nos últimos séculos, seja para compreender a biologia ou para resolver problemas práticos das pessoas, se configurou num contexto em que animais são coisas.

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