Bernardo Caprara
Sociólogo e Professor
Bernardo Caprara
Sociólogo e Professor
É difícil não se emocionar com os secundaristas de São Paulo. Na real, por que não se emocionar? Pois os adultos são sábios, racionais e centrados? Balela. A cada vídeo, declaração, imagem ou acontecimento protagonizado por essa gurizada, que não aceita quieta o fechamento das suas escolas, a emoção toma conta. Ganha a cidadania, a democracia e a esperança.
Nesse semestre, caiu no meu colo o desafio de ministrar uma cadeira de “Direitos e cidadania”, com uma ementa bastante teórica, racionalista e legalista. Um desafio e tanto para um aventureiro como eu. Sinto que há uma cobrança geral para que o professor universitário enverede com rigor nos labirintos teóricos, fomentando o exercício constante da razão. Esse é, de fato, um caminho fundamental para o ensino superior.
Contudo, acho pouco. Acredito que analisar a realidade racionalmente, aprofundando o conhecimento sobre ela, configura um pressuposto, uma premissa. Ainda mais em tempos de ódio, opressão e apologia ao irracionalismo. Só que a razão não é o único elemento que movimenta nossas mentes e corpos. A gente vibra e pulsa. A gente sente.
Quando o governo quer nos tirar aquilo que nos constitui, como as sucateadas e problemáticas escolas paulistas, por mais que se tenha uma relação de amor e ódio com elas, razão e emoção podem se juntar. Fechar escolas exige estudos profundos e diálogos exaustivos, não apenas um canetaço.
Os secundaristas de São Paulo estão provando que o futuro está por fazer. Que democracia e cidadania podem sair da letra teórica e ganhar vida. E que eles não vão arregar para o despotismo e a repressão. Isso é emocionante.
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Bernardo Caprara
Sociólogo e Professor
Na mesma semana em que fui convidado para fazer uma fala sobre a tão falada crise brasileira em um evento, o processo de impeachment da presidente da República ganhou força. A minha intenção era tentar explicar possíveis razões e dimensões da crise, além de possibilidades futuras. Vou fazer um resumo por aqui.
Este texto é uma síntese, clique aqui para acessar o texto completo
Em geral, tem sido dito que há duas dimensões que se retroalimentam na crise atual: uma econômica e outra política. Sigo esse caminho. Acho que há, ainda, um terceiro elemento, uma espécie de bônus (ou seria ônus?) histórico, representado pela instabilidade da democracia liberal no Brasil.
A crise econômica tem um fundo internacional. Mas também se relaciona com as escolhas dos governos petistas. A construção de uma grande frente política liderada por Lula, frente neodesenvolvimentista, marcada pela ideia de crescimento econômico com alguma redistribuição de renda, não mexeu, a meu ver, com as estruturas do Estado neoliberal. A lógica de diminuição do Estado, de relação direta com o capital financeiro, de supressão de direitos trabalhistas e sociais, de concessões e privatizações dos serviços públicos permaneceu de modo atenuado.
A frente neodesenvolvimentista reuniu diferentes frações do grande capital, do agronegócio aos bancos, passando pela indústria de base financiada a juros baixos pelo BNDES. Com o foco no consumo do mercado interno e na exportação de commodities, rendeu bons frutos até a quebra do sistema financeiro, em 2008, dividindo alguns pedaços desse sucesso com os trabalhadores e as classes populares. A estagnação da economia chinesa (que nos vendia produtos industrializados a preços baixos) e a queda no valor das commodities complicou o cenário. A “marolinha” chegou ao Brasil. A resposta do governo foi aumentar os gastos públicos e incentivar ainda mais a inclusão pelo consumo, na tentativa, também, de manter o pacto neodesenvolvimentista.
A segunda dimensão é a dimensão política da crise. Dois aspectos são importantes: a desestabilização da frente neodesenvolvimentista e a perda crescente de legitimidade das instituições políticas perante a população. A crise do pacto neodesenvolvimentista começou a ganhar maior corpo em 2014, quando a economia se deteriorou, mas também quando a polarização ideológica aumentou. Muito em função das eleições e do próprio PT, diga-se de passagem. Aí enquadro uma mea culpa, visto que, no afã de garantir as parcas – mas importantes – conquistas do petismo, entrei com robustez numa polarização cega e desmedida.
A polarização ideológica associada à deterioração econômica impulsionou um recuo das classes dominantes, no que tange ao projeto neodesenvolvimentista, fato acompanhado, como lembra o professor Armando Boito Júnior, da Ciência Política da Unicamp, de uma ofensiva restauradora do capital internacional e das altas classes médias. Essa ofensiva, me parece, segue em curso e pretende recolocar o Brasil nos rumos de um projeto neoliberal genuíno e que se quer ortodoxo.
Em 2015, após vencer um pleito difícil e tumultuado, o governo recuou novamente e tentou atenuar a ofensiva cedendo espaço aos seus algozes. Vem protagonizando um ajuste fiscal recessivo que joga o país ainda mais na lama, cortando mais e mais direitos conquistados, acenando com medidas privatizantes e aumentando, mais ainda, a sanha daqueles que sempre detestaram o PT pelo que acreditam ser o seu verniz esquerdista.
Não só as escolhas atuais do governo, como a própria frente neodesenvolvimentista, hoje em frangalhos, carregam problemas muito graves, exponencialmente demonstrados pelas violências contra os povos indígenas, a ideia de um desenvolvimento explorador e predatório, além da adesão a interesses espúrios eivados de uma corrupção endêmica. Portanto, o PT e o governo tem muita responsabilidade na atual crise e na possibilidade de perda do mandato presidencial.
Ainda na dimensão política, a desmoralização das instituições políticas, fruto das suas mazelas internas, do desinteresse generalizado entre a população e de uma mídia sensacionalista ao extremo, fragiliza a legitimidade dos nossos representantes e incentiva que o imaginário popular associe imediatamente política com corrupção, desmandos e enriquecimentos ilícitos.
O bônus (ou ônus) histórico, por último, remete a instabilidade da democracia liberal brasileira. Se nós realmente temos todos os procedimentos de uma democracia liberal, e me parece que sim, isso não significa que a tentação autoritária não esteja presente no cotidiano. Muitos grupos ideologicamente incomodados com as políticas sociais do petismo, como a massiva entrada de negros e pobres nas Universidades Públicas, a regulamentação das empregadas domésticas, a disseminação de médicos estrangeiros pelo interior do país e etc., têm muitas dificuldades em aceitar a regra da maioria eleitoral e flertam, sem dúvidas, com qualquer possibilidade de retomar o poder pela força ou por manobras, no mínimo, duvidosas.
Por fim, acho que há três posições possíveis para quem defende os interesses dos trabalhadores e das classes populares. A primeira é a defesa incondicional do governo frente à conturbação atual. Considero um enorme equívoco essa postura. O governo é responsável direto pelo que está aí, seja pelas barganhas imorais que vem fazendo desde sempre, seja por suas opções ressaltadas acima. A segunda é o criticismo autoproclamado neutro, que critica por criticar e manda tudo para os ares. Outro grande equívoco.
A última posição rejeita fortemente os rumos da política recessiva do ajuste fiscal governista. Rejeita as barganhas imorais, o desenvolvimento predatório e todas as suas consequências. Defende o fortalecimento da democracia e fomenta uma nova agenda pautada na justiça social. Para isso, é indispensável a mudança nas polícias militares, por exemplo, que precisam parar agora o genocídio dos pobres e negros. Contudo, ainda que considere essa uma posição interessante, eu tenho poucas esperanças que ela se torne uma realidade expressiva.
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