ABORDAGEM ARTESANAL, CRÍTICA E PLURAL / ANO 1 (16)

América do Sul, Brasil,

segunda-feira, 22 de julho de 2013

Repensar em busca do híbrido

Bernardo Caprara
Sociólogo e Professor

De férias do trabalho, o trabalho insiste em não dar férias. Tudo normal. Resolvo, então, repensar uma sociologia da minha própria sociologia. Tematizar o núcleo básico do meu fazer profissional e as consequências que pretendo que ele alcance. Seja entre os estudantes com os quais trabalho, seja com os leitores dos meus textos.

Tenho defendido que é importante acionar uma imaginação sociológica. Construir dia após dia, num artesanato intelectual, conjuntos de perguntas que enfrentem a hegemonia do saber e do poder colonizados. Indagações que orientem a atuação em sala de aula ou a pesquisa acadêmica. Que potencializem os horizontes dos espaços de inserção fora dos ambientes restritivos, bem como para além dos padrões epistêmicos eurocentrados. Na figura de professor-pesquisador, posso procurar nas perturbações de cada discente os tentáculos que as estruturas e instituições da modernidade depositam sobre ele, a fim não de retirar-lhe a sua responsabilidade, mas de compreender os caminhos das relações que ele estabeleceu nas suas experiências até ali – para, quem sabe, suscitar alternativas híbridas e hibridizantes de (re)significação das experiências.

Se hoje as perturbações nos sistemas de ensino são vistas como generalizadas, por exemplo, não consigo tratá-las desde as características individuais dos envolvidos. Tampouco à feição dura da estrutura sem a agência humana. A imaginação sociológica precisa ver numa pessoa a sociedade, e na sociedade cada uma das pessoas. Precisa apostar mais na semântica dos conceitos e na sintaxe das teorias, ou seja, apostar na elucidação dos significados e nas ligações que formam os conjuntos de argumentos e significados. Não pode, a despeito da obliteração intencional espalhada por aí, ocultar o viés das estruturas econômicas e políticas. Não pode ter medo das ruas, ou daquilo que apreendemos enquanto realidade nessa vida louca e efêmera.
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domingo, 21 de julho de 2013

Duas médicas, dois livros de Neruda


Bernardo Caprara
Sociólogo e Professor

Que dureza! Não queria comentar a questão, mas não tem jeito. Não depois de hoje. O cara chega para realizar uma consulta médica, pelo convênio, num estabelecimento de pequeno porte. Na região central da capital gaúcha, longe do interior. Gripão pegando, receio da tal H1N1. O cenário é tomado por umas 100 pessoas para serem atendidas. Duas dedicadas e atenciosas médicas. Após uma hora e trinta minutos, chamam meu nome:

- Fulano de tal!

Alegre, quer dizer, meia boca, eu comemoro sentindo o febrão dominante:

- Bingo!

Deveria ter levado um livro, dois, na verdade. Como a menina sentada ao meu lado. Ela lia dois exemplares em idioma original dos poemas de Pablo Neruda. Quis pedir um emprestado, só que a vergonha não permitiu. Sábia jovem que acrescentava bonitezas na sua longa e doentia espera. Nas próximas vezes, farei igual a ela. Levarei duas boas obras. Uma para emprestar voluntariamente.

Embora as médicas estivessem fazendo milagre por ali, os problemas da saúde no Brasil ficaram evidentes. Eles são institucionais, por vezes individuais, sim. Sobretudo, a lógica do sistema é que precisa mudar. Óbvio que necessitamos de mais estrutura. Enquanto isso, por dez mil reais, vamos botar a mão na massa, queridos “doutores”! Parece que precisamos de menos remediação e mais estratégias preventivas. Mais humanidade e menos mercado. Profissionais que se insiram nas comunidades, criando uma nova cultura holística de saúde. 

Uma outra medicina tem que passar a vigorar. Com urgência.
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sexta-feira, 19 de julho de 2013

Epistemologias do sul


O número 80 da Revista Crítica de Ciências Sociais, editado em 2008, disponibiliza uma série de artigos problematizando as questões relativas à colonialidade do poder e do saber. Desde os anos 1960, alguns teóricos e pesquisadores vêm refletindo acerca da possibilidade de outros paradigmas para a produção do conhecimento, distantes de uma matriz eurocentrada. Essas possibilidades podem ser incluídas no escopo dos estudos pós e descoloniais. Abaixo está o link pararccs80capa-small325 esta proeminente edição da revista, junto com um trecho da introdução escrita pela antropóloga moçambicana Maria Paula Meneses.

A procura especulativa do conhecimento é uma componente central da cultura humana. Mas o vasto campo das interrogações abrangidas pela reflexão filosófica excede em muito a racionalidade moderna, com as suas zonas de luz e sombra, as suas forças e fraquezas. Foi a partir desta constatação que, em 1995, Boaventura de Sousa Santos propôs o conceito de “epistemologia do Sul”, o qual veio a suscitar vários debates. Este número da Revista Crítica de Ciências Sociais ambiciona alargar a discussão sobre a diversidade epistemológica do mundo, apresentando algumas das controvérsias que o tema tem gerado.

A constituição mútua do Norte e do Sul e a natureza hierárquica das relações Norte‑Sul permanecem cativas da persistência das relações capitalistas e imperiais. No Norte global, os “outros” saberes, para além da ciência e da técnica, têm sido produzidos como não existentes e, por isso, radicalmente excluídos da racionalidade moderna. A relação colonial de exploração e dominação persiste nos dias de hoje, sendo talvez o eixo da colonização epistémica o mais difícil de criticar abertamente. A relação global etno-racial do projecto imperial do Norte Global vis à vis o Sul Global – metáfora da exploração e exclusão social – é parte da relação global capitalista. Esta hierarquização de saberes, juntamente com a hierarquia de sistemas económicos e políticos, assim como com a predominância de culturas de raiz eurocêntrica, tem sido apelidada por vários investigadores de “colonialidade do poder”. Uma dasexpressões mais claras da colonialidade das relações de poder acontece com a persistência da colonização epistémica, da reprodução de estereótipos e formas de discriminação (…).


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sexta-feira, 12 de julho de 2013

A liberdade atrás do medo

Bernardo Caprara
Sociólogo e Professor

O medo é aliado da conservação. A falsa sensação de estabilidade que vivemos constantemente faz com que queiramos manter as nossas vidas do jeitinho que elas estão. A vida pode até não estar boa, maravilhosa ou cheia de comemorações. Para muita gente ela não está. Mas há uma tendência oculta de conservar as poucas alegrias do cotidiano. Tendência legítima. Só que a reflexão deve ir além.

Mario Quintana dizia que o fato é um aspecto secundário da realidade. Como podemos ler a vida humana sem perceber que a nossa experiência é uma sucessão de contingências, uma abrangente iminência na qual o sentimento de estabilidade é movediço e ilusório? A qualquer momento, algum acontecimento pode tirar toda e qualquer linearidade das nossas trajetórias. E isso estimula uma forma de medo.

Quando Mia Couto propõe murar o medo, ele nos coloca a incumbência de cercar aquilo que nos cerca de modo incessante. Sem nos darmos conta, todos os dias somos impelidos a gradear os nossos receios. Encaramos as ruas para ir trabalhar, mesmo com medo das violências, dos acidentes, das pessoas alheias ou do que for. Porém, quando rompemos outras amarras, quando nos juntamos às multidões que ocupam as ruas em marchas, protestos ou manifestações, aí o conjunto de contradições de uma ordem nada estável e deveras injusta, até então adormecido para determinadas parcelas da sociedade, bate em todas as portas e acentua os nossos medos. Compreensível.

Se deixarmos as ruas, o medo vencerá e trará de volta aquela falsa ordem emoldurada pela falsa sensação de estabilidade. Nós somos seres relacionais, não somos substâncias. Os acontecimentos aparentemente mais longínquos guardam alguma relação, seja ela sutil e escondida, seja ela evidente. Podemos perder para as estruturas, para as instituições, para os dominantes. Penso que não podemos, entretanto, perder para a nossa própria subjetivação, imiscuída em temores forjados por uma sociabilidade historicamente desigual e violenta.

Descolonizar os nossos desejos e a nossa subjetividade é uma imperativa tarefa árdua e complexa. Sentado no sofá, mexendo no PC ou no controle remoto, o caminho de conservar as coisas como elas estão seguirá o seu curso. Tudo parecerá um enorme simulacro. Um minuto nas ruas, coletivamente, e a liberdade indicará pulsar detrás dos medos.
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terça-feira, 9 de julho de 2013

Belluzzo: Foucault e o neoliberalismo


A releitura do liberalismo econômico clássico, proferida pelos pensamentos de Friedrich Hayek e Milton Friedman, após a Segunda Guerra Mundial espalhou-se ao redor do planeta como uma fórmula mágica das elites do poder. Mais do que uma doutrina relativa ao campo da economia, o neoliberalismo carrega uma espécie de filosofia social embutida. Luiz Gonzaga Belluzzo (saiba mais), economista Michel Foucault (Imagem reproduzida do sítio http://lh3.ggpht.com/-ka8dkI1-sHk/UWqyxLlwc0I/AAAAAAAACl4/R8-9DTdt5eE/foucault%25255B12%25255D.jpg?imgmax=800).consultor  da Revista Carta Capital, disserta sobre como o intelectual francês Michel Foucault (saiba mais) soube compreender com profundidade o alcance do espectro neoliberal, para além dos quesitos tradicionais.

O mundo se abriu para o novo milênio dominado por certezas que hoje se desmancham sob a ação demolidora da crise financeira. A ideologia neoliberal, quase sem resistências, tentou demonstrar que, com a queda do Muro de Berlim, o espaço político e econômico tornou-se mais homogêneo, menos conflitivo, com a concordância a respeito das tendências da economia e das sociedades. Não há mais razão, diziam, para se colocar em discussão questões anacrônicas, como a reprodução das desigualdades ou as tendências dos mercados a sair dos trilhos, frequentemente destrambelhados pelos excessos nascidos de suas engrenagens.

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