Bernardo Caprara
Sociólogo e Professor
O atual sistema político apanha de todos os lados. Desde o
impeachment-golpe, a esquerda tem tomado as ruas. Em todos os atos que
estive presente, deu pra notar, no mínimo, uma diferença entre aqueles
que pedem a volta do PT e os defensores de eleições gerais imediatas.
Mais recentemente, a possibilidade de congelamento dos gastos da União
por duas décadas abrandou as diferenças.
Hoje, o sistema político está em frangalhos. No próximo domingo, os movimentos que canalizaram as
ruas contra o PT, meses atrás, estarão nas ruas outra vez. Mesmo com
notícias de divergências entre os grupos organizadores, são esperadas
milhares e milhares de pessoas nas manifestações.
O mote dos protestos de domingo é a corrupção. Cresci vendo a esquerda
dar porrada na corrupção. Hoje, contudo, em função de mil fatores, a
pauta de combate à corrupção é entendida por parte da esquerda como
subterfúgio da direita fascista para encher as ruas e defender suas
bizarrices ultraconservadoras. Isso não deixa de ser verdade, mas aí
parece residir uma armadilha complicada, algo que pode ajudar a explicar
a dificuldade da esquerda em dialogar com a população em geral.
Ora, se está surgindo a brecha para desestabilizar de uma vez por todas
um sistema político que não dá nenhum sinal de garantir os direitos e
trabalhar para melhorar a vida da maioria dos brasileiros, não seria a
hora de participar (à esquerda, por óbvio) da panela de pressão? Não se
abre uma chance interessante para buscar barrar a PEC 55 e as anomalias
do governo do RS, por exemplo? Tática e estratégia não seriam as
palavras da vez?
Não tenho respostas e tampouco sou linha de
frente no engajamento político. Entretanto, a melancolia que se abateu
sobre muitos de nós parece um grave estado paralisante, bem como o
reforço ao imaginário de que o PT ainda é a força motriz da esquerda -
mesmo que todos os dias a prática desminta a "imagem". Fica difícil
defender o PT e criticar a corrupção, nesse momento.
É claro que
não é simples somar pautas de direitos e mais democracia em atos tomados
por pedidos de intervenção militar e selfies com as forças de
repressão. Mas o que não se pode perder de vista é que o mote da
corrupção mobiliza muitos "cidadãos médios", que não necessariamente se
alinham com a direita*. Há uma multidão insatisfeita, e o pior dos
cenários é ver essa massa guiada somente pelos movimentos autoritários e
ignóbeis. Se os que estão pela redução das desigualdades e pelos
direitos democráticos não encontrarem uma via de aproximação com essa
insatisfação, tudo indica que o futuro próximo nos reservará mais
desigualdade e autoritarismo.
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