ABORDAGEM ARTESANAL, CRÍTICA E PLURAL / ANO 16

América do Sul, Brasil,

sexta-feira, 27 de abril de 2012

Por que o Brasil precisa das cotas

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DO OUTRAS PALAVRAS
- A importância histórica de certos fatos não é compreendida de imediato pelos que os testemunham. A decisão unânime do Supremo Tribunal Federal (STF), que ontem derrotou, por onze votos a zero, a tentativa de anular as cotas para negros nas universidades é, provavelmente, um deles – por pelo menos dois motivos.
Primeiro, a rapidez com que foram superadas as visões mais preconceituosas sobre o tema. Há cerca de cinco anos, quando as políticas de reserva de vagas começaram a ser adotadas, um coro de condenações e desprezo erguia-se contra elas,Imagem retirada do sítio http://www.outraspalavras.net/2012/04/27/por-que-o-brasil-precisa-das-cotas/?utm_medium=twitter&utm_source=twitterfeed na velha mídia – e não só lá. Nos jornais e TVs, “intelectuais” como Ali Kamel e Demétrio Magnoli tinham todo espaço para afirmar que as novas medidas iriam introduzir… racismo e discriminação no Brasil! A oposição espalhava-se pela classe média e a agressividade contra as cotas atingia (embora minoritária) as próprias universidades públicas. Em muito pouco tempo, porém, as manifestações de superficialidade e histeria foram se dissipando. O conjunto de fatores que provocou a mudança inclui os expressivos resultados acadêmicos alcançados pelos cotistas, a emergência das periferias como sujeito social e político ativo e influente e o declínio dos antigos “formadores de opinião” – classe média e mídia conservadoras em primeiro lugar.
O segundo motivo é analisado em detalhes, no texto abaixo, por um mestre. Autor, entre outros, de O Trato dos Viventes e Introdução ao Brasil – um banquete nos trópicos, organizador do segundo volume da História da Vida Privada no Brasil, Luiz Felipe Alencastro é um dos autores brilhantes da historiografia brasileira contemporânea. Um dos focos de seus estudos são, precisamente, as relações entre Brasil e África e como elas marcaram o país, desde a Colônia até o presente.

terça-feira, 24 de abril de 2012

Dostoievski e a nudez do cárcere

O escritor russo Fiódor Dostoievski, confesso, mexe comigo. Desde a leitura de “Crime e Castigo”, passando por “Memórias do Subsolo” até chegar ao livro “Recordações da Casa dos Mortos”, o despertar do perpétuo movimento da dúvida ganhou fôlego dentro de mim. O talento dele faz com que minhas certezas se defrontem com a realidade imaginária das suas palavras, enredadas na astúcia de uma leitura profunda da vida humana individual e coletiva. Na última obra que referi acima, Dostoievski remonta sentimentos e histórias sob o ponto de vista de um prisioneiro na Sibéria. Ele mesmo foi preso e esteve por lá.

DOSTOIEVSKI, Fiódor. Recordações da Casa dos Mortos. Página 15 – Já declarei que no correr de muitos anos não presenciei entre tais homens arrependimento ou quaisquer ideias de rebate de remorsos, eles em geral cuidado de modo tácito haver agido errado. E isso de modo categórico. Sem dúvida deve concorrer para isImagem retirada do sítio http://www.algosobre.com.br/images/stories/assuntos/biografias/Fidor_Dostoievski.jpgso a desfaçatez que então paradoxalmente se transforma em brio. Será, mesmo? Quem há capaz de sondar direito tais almas; de descobrir o fundo mistério lôbrego do arbítrio por este universo afora? Aparentemente, todavia, minha atenção, nesse sentido, jamais em todo esse tempo lobrigou uma fresta de desespero ou de sofrimento que pudesse clarear nesses corações um compartimento de perplexidade, quando não de horror ao passado. Naturalmente meu julgamento a tal respeito é superficial, já que um criminoso tem sempre ensejo de reforçar a incomunicabilidade de sua consciência, mercê de uma filosofia de cinismo ou apatia. Os presídios, mesmo com trabalhos forçados, de primeira, segunda ou terceira categoria, isto é, em minas, em pavimentações, em artesanato e em degredo temporário ou perpétuo, longe estão de reformar o delinquente; são locais puramente de castigo, garantindo teoricamente a sociedade de renovação de atentados outros por parte de tais indivíduos que por isso são segregados dela. O encarceramento, o trabalho pesado, só hipertrofiam no recluso o ódio, a sede de instintos, sendo que complementarmente acarretam indiferença e marasmo espiritual. Não resta dúvida que o tão gabado regime de penitenciária oferece resultados falsos, meramente aparentes. Esgotada a capacidade humana, desfibra a alma, avilta, caleja e só oficiosamente faz do detento “remido” um modelo de sistemas regeneradores. Na verdade esse “reajustado” não é senão um ex-vivente, um despojo, um casulo murcho e inibido. Está-se a ver que o delinquente exacerba cada vez mais sua rebeldia que se organiza em potencial de rancor. Para ele a sociedade errou e ele quis castigá-la. Ou, quando não, o castigo que ele, sim, teve, uma vez cumprido é automaticamente uma absolvição, antes mesmo do termo já se considerando ele de contas feitas com a sociedade. Ora, desde as eras antes do direito em ordenações, se sabe que aqui ou alhures no mundo isso de crime é crime deveras, tal conceito permanecendo enquanto houver humanidade viva. No presídio, então, por que é que a gente ouve por entre risadas irresponsáveis alusões aos atos mais hediondos, monstruosos e infames?

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segunda-feira, 23 de abril de 2012

Quando um “determinante” faz pouco sentido fora das palavras escritas

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Bernardo Caprara
Sociólogo e Jornalista

As temáticas relacionadas aos rendimentos educacionais são atravessadas por diversas formas de investigação. A presente resenha consiste numa apreciação crítica do tratamento realizado pelo respeitado economista Naercio Menezes-Filho, exposto no artigo “Os determinantes do desempenho escolar no Brasil” (Instituto Futuro Brasil, São Paulo, Ibmec, 2007). Por intermédio da base de dados do Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB 2003), o referido autor busca entender as prováveis interferências nos resultados dos estudantes brasileiros.

Os textos oriundos do campo da educação priorizam, de modo geral, abordagens qualitativas. Muitas concepções são focadas nas especificidades inerentes ao processo de ensino e aprendizagem, nas subjetividades norteadoras da construção do conhecimento em ambientes escolares. A vasta literatura condizente com essas noções fundamenta os cursos de licenciatura espalhados pelo país. Nota-se uma visão crescente de que se sucedem transformações no âmago do fazer educativo, num contexto de complexidade ampliada e disseminada mundo afora (MORIN, 2001).

Na sociologia da educação, é fácil encontrar trabalhos qualitativos, inclusive etnografias. Após uma etapa de predomínio dos métodos quantitativos nas ciências sociais, aproximadamente até a década de 1970, de lá para cá persiste uma hegemonia qualitativa. Soares (2005) sublinha, entretanto, que a falta de rigor metodológico e algumas falsas incursões qualitativas dificultam a consolidação do campo científico das humanidades no Brasil.

Por outro lado, alguns economistas se dedicam ao entendimento da realidade educacional, e para tanto utilizam quase que exclusivamente os métodos quantitativos, econométricos ou matemáticos. Modelos estatísticos amparados em bancos de dados oferecem suporte aos analistas dessa vertente, que demonstram a capacidade de apontar os impactos de diferentes elementos concernentes à educação.

Nesse cenário (economia), Menezes-Filho propõe explicitar os fatores que determinam o desempenho escolar, muito insatisfatório, apresentado por quase todas as avaliações no que tange ao território nacional. A partir da organização de 77 variáveis, disponíveis nos dados do SAEB 2003, o autor utiliza uma técnica estatística chamada “regressão linear multivariada”. Ela permite ao pesquisador medir o efeito de uma série de variáveis independentes numa variável dependente, no caso a proficiência dos 52.434 alunos em matemática e português. Compreendidas as tendências apontadas pela execução do seu modelo analítico, surgem algumas sugestões para guiar as políticas públicas intervenientes à escolarização.

quarta-feira, 18 de abril de 2012

A privatização do conhecimento intelectual

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Slavoj Žižek / Filósofo Esloveno (saiba mais)
Publicado no London Review of Books / Reproduzido pelo Viomundo
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Como foi que Bill Gates se tornou o homem mais rico dos Estados Unidos? A riqueza dele não tem nada a ver com a Microsoft produzir bons programas a preços mais baixos que a competição, ou com ‘explorar’ seus trabalhadores com mais sucesso (a Microsoft paga um salário relativamente alto a seus trabalhadores intelectuais). Milhões de pessoas ainda compram programas da Microsoft porque a Microsoft se impôs quase como um padrão universal, praticamente monopolizando o mercado, como uma personificação do que Marx chamou de “intelecto geral”, com o que ele quis dizer conhecimento coletivo em todas as suas formas, da Ciência ao conhecimento prático. Gates privatizou eficazmente parte do intelecto geral e ficou rico ao se apropriar do aluguel deste intelecto.

A possibilidade de privatização do intelecto geral é algo que Marx nunca previu nos seus escritos a respeito do capitalismo (em grande parte porque ele negligenciou a dimensão social do capitalismo). Ainda assim, isso está no centro da luta atual sobre propriedade intelectual: na medida em que o papel do intelecto geral – baseado no conhecimento coletivo e na cooperação social – aumenta no capitalismo pós-industrial, a riqueza se acumula de forma desproporcional no trabalho gasto na sua produção. O resultado não é, como Marx parecia esperar, a autodissolução do capitalismo, mas a gradual transformação do lucro gerado pela exploração do trabalho em renda apropriada através da privatização do conhecimento.

O mesmo vale para os recursos naturais, cuja exploração é uma das principais fontes de renda do mundo. Existe uma luta permanente sobre quem fica com essa renda: os cidadãos do Terceiro Mundo ou as corporações ocidentais. É irônico que ao explicar a diferença entre trabalho (que produz valor excedente) e outras commodities (que consomem todo seu valor no uso), Marx tenha dado como exemplo o petróleo, uma commodity ‘ordinária’. Hoje, qualquer tentativa de ligar as flutuações do preço do petróleo às oscilações de seu custo de produção ou ao preço da exploração do trabalho não faria o menor sentido: o custo de produção é insignificante como proporção do preço que pagamos pelo petróleo, preço que na realidade é a renda que os donos do recurso podem extrair graças à oferta limitada de petróleo.

A consequência do aumento de produtividade causado pelo crescimento exponencial do conhecimento coletivo é uma mudança no papel do desemprego. É o próprio sucesso do capitalismo (maior eficiência, aumento de produtividade, etc.) que produz desemprego, tornando mais e mais trabalhadores inúteis: o que deveria ser uma bênção – menor necessidade de trabalho pesado – se torna uma maldição.

Ou, para explicar de outra maneira, a oportunidade de ser explorado em um emprego de longo prazo agora é experimentada como um privilégio.

O mercado mundial, como disse Fredric Jameson, é “um espaço onde todo mundo já foi um trabalhador produtivo e no qual o trabalho começou, em toda parte, a se precificar fora do sistema”. No atual processo de globalização capitalista, a categoria dos desempregados não se limita mais ao “exército industrial de reserva” de Marx; ela também inclui, como nota Jameson, “essas massas populacionais do mundo que ‘despencaram da história’, que foram deliberadamente excluídas dos projetos modernizadores do Primeiro Mundo capitalista e descartadas como casos terminais ou sem esperança: os chamados estados falidos (Congo, Somália), vítimas da fome ou de desastres ecológicos, os que caíram na armadilha pseudo-arcaica dos ‘ódios étnicos’, objetos da filantropia ou das ONGs ou alvos da guerra ao terror”.

A categoria dos desempregados foi, assim, expandida para incluir uma vasta esfera de pessoas, dos desempregados temporariamente aos que não podem mais conseguir emprego e estão permanentemente desempregados, aos habitantes de guetos e favelas (quase todos esses descartados por Marx como parte do lumpemproletariado), e finalmente todas as populações e estados excluídos do processo capitalista global, como os espaços vazios de mapas antigos.

Alguns dizem que esta nova forma de capitalismo oferece novas possibilidades de emancipação. Essa é a tese de “Multitude”, de Hardt e Negri, que tenta radicalizar Marx, afirmando que se nós simplesmente cortarmos a cabeça do capitalismo, teremos o socialismo. Marx, eles argumentam, estava limitado historicamente: ele pensou em termos de trabalho industrial centralizado, automatizado e organizado hierarquicamente. Como resultado, entendeu o “intelecto geral” como algo semelhante à agência de planejamento central; somente hoje, com o surgimento do “trabalho não-material”, uma mudança revolucionária se tornou “objetivamente possível”.

Esse trabalho não-material se estende entre dois polos:  do trabalho intelectual (a produção de ideias, textos, programas de computador, etc.) a trabalhos afetivos (desempenhados por médicos, babás e comissários de bordo). Hoje, o trabalho não-material é hegemônico, no sentido com que Marx proclamou, no capitalismo do século XIX, que a produção industrial em larga escala era hegemônica: ele se impõe não através da força dos números, mas por desempenhar um papel-chave, emblemático de toda a estrutura.

O que emerge é um vasto novo domínio chamado de “commons”: conhecimento compartilhado e novas formas de comunicação e de cooperação. Os produtos da produção não-material não são objetos, mas novas relações sociais e interpessoais; a produção não-material é biopolítica, é a produção da vida social.

Hardt e Negri descrevem aqui o processo que os atuais ideólogos do capitalismo pós-moderno celebram como a passagem da produção material para a simbólica, da lógica da hierarquia centralizadora para a lógica da auto-organização e da cooperação multicentralizada.

A diferença é que Hardt e Negri são fiéis a Marx: eles tentam provar que ele estava certo, que o surgimento do intelecto geral é, a longo prazo, incompatível com o capitalismo. Os ideólogos do capitalismo pós-moderno afirmam exatamente o oposto: a teoria marxista (e a prática), argumentam, continua limitada pela lógica hierárquica do controle centralizado do estado e por isso não consegue lidar com os efeitos sociais da revolução da informação.

Existem boas razões empíricas sustentando o argumento deles: o que de fato arruinou os regimes comunistas foi sua incapacidade de se acomodar à nova lógica social sustentada pela revolução da informação. Eles tentaram dirigir a revolução, fazer dela mais um projeto em grande escala de um governo centralizado. O paradoxo é que o que Hardt e Negri celebram como uma oportunidade única para derrubar o capitalismo é comemorado pelos ideólogos da revolução da informação como o surgimento de um capitalismo novo, sem ‘fricção’.

A análise de Hardt e Negri tem alguns pontos fracos, o que nos ajuda a entender como o capitalismo tem conseguido sobreviver ao que deveria ser (em termos marxistas clássicos) uma nova organização da produção que o tornaria obsoleto. Os dois subestimaram a extensão do sucesso do capitalismo de hoje (ao menos no curto prazo) na privatização do intelecto geral, além de subestimarem a dimensão de como os trabalhadores, mais do que a própria burguesia, estão se tornando supérfluos (com um número cada vez maior de trabalhadores se tornando não apenas desempregados temporários, mas estruturalmente não-empregáveis).

Se o capitalismo antigo idealmente envolvia o empresário que investia (o seu ou emprestado) dinheiro na produção, que ele organizava e geria, e depois tirava lucro disso, um novo tipo ideal está surgindo hoje: não mais o empresário que é dono de sua companhia, mas um administrador especializado (ou um conselho de administração presidido por um CEO), que governa a empresa de propriedade dos bancos (também geridos por administradores, que não são donos do banco) ou investidores diversos.  Neste novo tipo de capitalismo ideal, a velha burguesia, tornada disfuncional, é reciclada como gerenciadora assalariada: os membros da nova burguesia recebem salários, e mesmo quando são donos de parte da empresa, ganham ações como parte de sua remuneração (“bônus” pelo seu “sucesso”).

Essa nova burguesia ainda se apropria da mais-valia, mas no formato (mistificado) do assim chamado “superávit salarial”: eles recebem bem mais que o “salário mínimo” do proletariado (quase sempre um ponto mítico de referência, cujo único exemplo real na economia global de hoje é o salário dos trabalhadores na indústria têxtil da China ou da Indonésia), e é esta distinção em relação proletário comum que determina o status da nova burguesia.

A burguesia no sentido clássico, assim, tende a desaparecer: capitalistas reaparecem como um subsetor de trabalhadores assalariados, como administradores qualificados para ganhar mais pela virtude de sua competência (por isso a avaliação pseudocientífica é crucial: ela legitima as disparidades).  Longe de se limitar aos administradores, a categoria de trabalhadores que ganha superávits salariais se estende a todo tipo de especialista, administradores, servidores públicos, médicos, advogados, jornalistas, intelectuais e artistas. O superávit assume duas formas: mais dinheiro (para gerentes, etc.), mas também menos trabalho e mais tempo livre (para – alguns – intelectuais, mas também para administradores do estado, etc.).

O processo de avaliação usado para decidir quais trabalhadores devem receber superávit salarial é um mecanismo arbitrário de poder e ideologia, sem conexão séria com a verdadeira competência; o superávit salarial existe não por razões econômicas, mas políticas: para manter uma “classe média” e preservar a estabilidade social.

A arbitrariedade na determinação da hierarquia social não é um erro, mas objetivo do sistema, com papel análogo ao da arbitrariedade no ’sucesso de mercado’.

A violência não ameaça explodir quando existe muita contingência no espaço social, mas quando se tenta eliminar a contingência. Em “La Marque du sacré”, Jean-Pierre Dupuy trata a hierarquia como um dos quatro procedimentos (“dispositivos simbólicos”) que têm como função tornar não humilhante a relação de superioridade: a própria hierarquia (uma ordem imposta externamente que me permite experimentar meu status social mais baixo de forma independente do meu valor inerente); desmistificação (o procedimento ideológico que demonstra que a sociedade não é uma meritocracia, mas o produto de disputas sociais objetivas, que me permite evitar a conclusão dolorosa de que a superioridade de alguém sobre mim é resultado dos méritos e realizações do outro); contingência (mecanismo parecido, através do qual entendemos que nossa posição na escala social depende de uma loteria natural e social; os sortudos nascem com os genes certos, em famílias ricas); e complexidade (forças incontroláveis têm consequências imprevisíveis; por exemplo, a mão invisível do mercado pode me levar ao fracasso e o meu vizinho ao sucesso, mesmo que eu trabalhe muito mais e seja bem mais inteligente).

Ao contrário do que parece, esses mecanismos não contestam ou ameaçam a hierarquia, mas a tornam mais palatável, já que “o que dispara o tumulto da inveja é a ideia de que o outro não merece a sorte que tem e não a ideia oposta – a única que se pode expressar abertamente”. Dupuy tira desta premissa a conclusão de que é um grande erro pensar que uma sociedade razoavelmente justa, que se enxerga como justa, estará livre de ressentimento: pelo contrário, é nessas sociedades que aqueles que ocupam as posições inferiores encontrarão nas explosões violentas de ressentimento um veículo para seu orgulho ferido.

Isso está conectado ao impasse que a China enfrenta hoje: o ideal das reformas de Deng era introduzir o capitalismo sem uma burguesia (já que ela formaria a nova classe dominante); agora, porém, os líderes da China estão descobrindo dolorosamente que o capitalismo sem uma hierarquia estabelecida, possibilitada pela existência de uma burguesia, gera instabilidade permanente. Então, que caminho a China seguirá?

Os ex-comunistas estão emergindo como os administradores mais eficientes do capitalismo porque sua inimizade histórica com a burguesia como classe casa perfeitamente com a tendência atual do capitalismo de se tornar um capitalismo administrativo, sem burguesia – nos dois casos, como Stalin disse faz tempo, “os quadros decidem tudo”. (Uma diferença interessante entre a China e a Rússia de hoje: na Rússia, os professores universitários têm salários ridiculamente baixos – eles já são, de fato, parte do proletariado – enquanto na China recebem um superávit salarial confortável para garantir sua docilidade).

A noção de superávit salarial também coloca sob nova ótica os constantes protestos “anticapitalistas”.  Em momentos de crise, o candidato óbvio para apertar o cinto são as classes mais baixas da burguesia assalariada: protestos políticos são seus únicos recursos se quiserem evitar se juntar ao proletariado.

Apesar de seus protestos serem, nominalmente, dirigidos contra a lógica brutal do mercado, elas estão protestando, de fato, contra a erosão gradual de sua posição econômica privilegiada (politicamente).

Em “Atlas Shrugged”, Ayn Rand tem a fantasia de fazer greve contra capitalistas “criativos”, uma fantasia que encontra realização pervertida nas greves de hoje, quase todas sustentadas por “burguesias assalariadas” movidas pelo medo de perder o superávit salarial. Esses não são protestos proletários, mas protestos contra a ameaça de ser reduzido a proletariado.

Quem tem coragem de entrar em greve hoje, quando ter um salário fixo é, em si mesmo, um privilégio? Trabalhadores com baixos salários (o que resta deles) da indústria têxtil, etc., não; mas os trabalhadores privilegiados que têm emprego garantido (professores, empregados dos transportes públicos, policiais), sim. Isso também explica a onda de protestos estudantis: sua principal motivação é, sem dúvida, o medo de que a educação superior não garanta um superávit salarial mais tarde, na vida.

Ao mesmo tempo está claro que o grande renascimento de protestos no último ano, da Primavera Árabe à Europa ocidental, do Occupy Wall Street à China, da Espanha à Grécia, não deve ser descartado meramente como uma revolta da burguesia assalariada. Cada caso deve ser analisado de acordo com seus próprios méritos. Os protestos estudantis contra a reforma universitária na Grã-Bretanha são claramente diferentes dos distúrbios de agosto, que foram um carnaval consumista de destruição, uma verdadeira explosão dos excluídos.

Pode-se argumentar que os levantes no Egito começaram, em parte,  como uma revolta da burguesia assalariada (com jovens educados protestando por conta de sua falta de perspectiva), mas este foi apenas um dos aspectos de um protesto mais amplo contra um regime opressivo. Por outro lado, o protesto não mobilizou, realmente, trabalhadores mais pobres e camponeses e a vitória eleitoral dos islâmicos deixa clara a estreita base social do protesto secular original. A Grécia é um caso especial: nas últimas décadas, foi criada uma nova burguesia assalariada (especialmente na inchada administração estatal), graças à ajuda financeira da União Europeia, e os protestos, em boa parte, foram motivados pela ameaça do fim disso.

A proletarização das camadas mais baixas da burguesia casa, no oposto extremo, com a alta remuneração irracional de administradores e banqueiros do topo (irracional como demonstraram as investigações nos EUA, já que ela tende a ser inversamente proporcional ao sucesso da companhia). Ao invés de submeter essas tendências à crítica moralizante, devemos lê-las como sinais de que o sistema capitalista não é mais capaz de uma estabilidade autorregulada – em outras palavras, ele ameaça ficar fora de controle.
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terça-feira, 17 de abril de 2012

Debate no Programa Plural, da UFPR TV

Em maio de 2011, o editor deste blog participou do debate sobre a inflação no Programa Plural, da UFPR TV, via teleconferência. Trata-se de uma produção universitária semanal que se propõe a discutir questões da atualidade, refletindo sobre elas e aprofundando os argumentos. O programa é transmitido pela rede de TV aberta vinculada à Universidade, no Paraná.

Além da presença do sociólogo responsável por este blog, também participaram o professor do Departamento de Economia da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Luciano Nakabashi, e o administrador, empresário e consultor de finanças pessoais, Altemir Farinhas. O programa teve a mediação realizada por Vanderson Almeida, e a duração de aproximadamente 45 minutos.

Foram abordadas as causas da inflação, um histórico do cenário econômico internacional e brasileiro e algumas orientações relativas à economia pessoal em momentos de elevação dos preços. É possível visualizar todo o debate acessando o vídeo postado acima.


……….……Veja também:

…………………1) CAPRARA, Bernardo. O calvário do controle da inflação.

…………………2) Maria da Conceição Tavares na TV Senado.

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segunda-feira, 16 de abril de 2012

Millôr vive: Um novo e revolucionário conceito de tecnologia de informação

Imagem retirada do sítio http://i.amalgama.blog.br/2012/03/millor-fernandes.jpg Millôr Fernandes (1923-2012)*

Na deixa da virada do milênio, anuncia-se um revolucionário conceito de tecnologia de informação, chamado de Local de Informações Variadas, Reutilizáveis e Ordenadas – L.I.V.R.O.

L.I.V.R.O. representa um avanço fantástico na tecnologia. Não tem fios, circuitos elétricos, pilhas. Não necessita ser conectado a nada nem ligado. É tão fácil de usar que até uma criança pode operá-lo. Basta abri-lo!

Cada L.I.V.R.O. é formado por uma seqüência de páginas numeradas, feitas de papel reciclável e capazes de conter milhares de informações. As páginas são unidas por um sistema chamado lombada, que as mantêm automaticamente em sua seqüência correta.

Através do uso intensivo do recurso TPA – Tecnologia do Papel Opaco – permite-se que os fabricantes usem as duas faces da folha de papel. Isso possibilita duplicar a quantidade de dados inseridos e reduzir os seus custos pela metade!

Especialistas dividem-se quanto aos projetos de expansão da inserção de dados em cada unidade. É que, para se fazer L.I.V.R.O.s com mais informações, basta se usar mais páginas. Isso, porém, os torna mais grossos e mais difíceis de serem transportados, atraindo críticas dos adeptos da portabilidade do sistema.

Cada página do L.I.V.R.O. deve ser escaneada opticamente, e as informações transferidas diretamente para a CPU do usuário, em seu cérebro. Lembramos que quanto maior e mais complexa a informação a ser transmitida, maior deverá ser a capacidade de processamento do usuário.

Outra vantagem do sistema é que, quando em uso, um simples movimento de dedo permite o acesso instantâneo à próxima página. O L.I.V.R.O. pode ser rapidamente retomado a qualquer momento, bastando abri-lo. Ele nunca apresenta “ERRO GERAL DE PROTEÇÃO”, nem precisa ser reinicializado, embora se torne inutilizável caso caia no mar, por exemplo.

O comando “browse” permite fazer o acesso a qualquer página instantaneamente e avançar ou retroceder com muita facilidade. A maioria dos modelos à venda já vem com o equipamento “índice” instalado, o qual indica a localização exata de grupos de dados selecionados.

Um acessório opcional, o marca-páginas, permite que você faça um acesso ao L.I.V.R.O. exatamente no local em que o deixou na última utilização mesmo que ele esteja fechado. A compatibilidade dos marcadores de página é total, permitindo que funcionem em qualquer modelo ou marca de L.I.V.R.O. sem necessidade de configuração.

Além disso, qualquer L.I.V.R.O. suporta o uso simultâneo de vários marcadores de página, caso seu usuário deseje manter selecionados vários trechos ao mesmo tempo. A capacidade máxima para uso de marcadores coincide com o número de páginas.

Pode-se ainda personalizar o conteúdo do L.I.V.R.O. através de anotações em suas margens. Para isso, deve-se utilizar um periférico de Linguagem Apagável Portátil de Intercomunicação Simplificada – L.A.P.I.S. Portátil, durável e barato, o L.I.V.R.O. vem sendo apontado como o instrumento de entretenimento e cultura do futuro. Milhares de programadores desse sistema já disponibilizaram vários títulos e upgrades utilizando a plataforma L.I.V.R.O.

 

* Milton Viola Fernandes (Rio de Janeiro, 16 de agosto de 192327 de março de 2012), mais conhecido como Millôr Fernandes, foi um desenhista, humorista, dramaturgo, escritor, tradutor e jornalista brasileiro.

Começou a trabalhar ainda jovem na redação da revista O Cruzeiro, iniciando precocemente uma trajetória pela imprensa brasileira que deixaria sua marca nos principais veículos de comunicação do país. Em seus mais de 70 anos de carreira produziu prolífica e diversificadamente, estendendo sua criatividade ao jornalismo, literatura, artes, teatro, cinema e até ao esporte. Em seus trabalhos costumava valer-se do humor para criticar o poder e as forças dominantes, sendo em consequência confrontado constantemente pela censura. Dono de um estilo singular, era visto como figura desbravadora no panorama cultural brasileiro: no teatro, por exemplo, empreendeu uma revolução no campo datradução de peças, tanta era diversidade e a personalidade que impunha aos trabalhos – características que se manifestavam também em suas incursões como autor, artista plástico, jornalista e pensador.

Com a saúde fragilizada após sofrer um acidente vascular cerebral no começo de 2011, morreu em março de 2012, aos 88 anos.

Mais informações na fonte original
http://pt.wikipedia.org/wiki/Mill%C3%B4r_Fernandes

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Abaixo segue o link para a entrevista de Millôr Fernandes no programa Roda Viva, da TV Cultura.

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quarta-feira, 11 de abril de 2012

Pierre Bourdieu, escola e capital cultural


Bernardo Caprara
Sociólogo e Professor

Os pioneiros trabalhos de Pierre Bourdieu e seus parceiros de pesquisa que obtiveram maior repercussão estão justamente relacionados ao estudo do campo escolar. A obra de Bourdieu é, todavia, bastante ampla e não deve ser pensada como um todo acabado, em que cada parte corresponde às outras que conduziriam a uma coerência absoluta. Proceder-se-á um tratamento exploratório sobre a postura sociológica de Bourdieu, além das noções de espaço social e classe, campo, habitus, capitais e capital cultural – finalizando com a sua relação com o campo escolar.

Leia também: CAPRARA, Bernardo. A influência do capital cultural
no desempenho estudantil: reflexões a partir do Saeb 2003
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A proposta de sociologia encontrada em Bourdieu (2005) está ancorada numa filosofia relacional, contrária ao substancialismo, dando ênfase às relações e misturando Cassirer e Bachelard. Noutro prisma, uma filosofia da ação, passível de ser alcunhada de disposicional, “[...] que atualiza as potencialidades inscritas nos corpos dos agentes e na estrutura das situações nas quais eles atuam ou, mais precisamente, em sua relação” (BOURDIEU, 2005, p. 10). O autor fomenta a captura das lógicas aprofundadas do mundo social, como uma tarefa da sua rotina científica, cujo sucesso está ligado a submergir numa especificidade de uma realidade empírica, situada e datada na história. Torna-se, então, possível erigi-la como um “caso particular do possível”, na expressão de Bachelard. O real é relacional, e Bourdieu (2005, p. 17/18) ressalva que

[...] é preciso cuidar-se para não transformar em propriedades necessárias e intrínsecas de um grupo qualquer (a nobreza, os samurais ou os operários e funcionários) as propriedades que lhes cabem em um momento dado, a partir de sua posição em um espaço social determinado e em uma dada situação de oferta de bens e práticas possíveis.

A base para a noção de espaço social está na ideia de diferença, separação, num aglutinado de posições coexistentes, mas distintas, “[...] exteriores umas às outras, definidas umas em relação às outras, por sua exterioridade mútua e por relações de proximidade, de vizinhança ou de distanciamento e, também, de ordem, como acima, abaixo e entre [...]” (BOURDIEU, 2005, p. 18/19). É primordial perceber que é um par de princípios que vigora como central para a diferenciação social, o capital econômico e o capital cultural. Sob a égide de ambos, o espaço social é construído fazendo com que os agentes ou os grupos se vejam espalhados em função dos aportes dos referidos capitais que possuem.

Construir o espaço social, essa realidade invisível, que não podemos mostrar nem tocar e que organiza as práticas e as representações dos agentes, é ao mesmo tempo possibilitar a construção de classes teóricas tão homogêneas quanto possível da perspectiva dos dois principais determinantes das práticas e de todas as propriedades que daí decorrem (BOURDIEU, 2005, p. 24).

O sociólogo francês desenha a realidade social com a imagem de microcosmos relativamente autônomos, os campos, universos intermediários nos quais estariam situados os agentes e as instituições que “produzem, reproduzem ou difundem a arte, a literatura ou a ciência” (BOURDIEU, 2004, p. 20). Noutras palavras, os campos são mundos sociais que correspondem a leis sociais mais ou menos específicas. Todos os campos são campos de força e de disputa, e a posição ocupada por cada agente na estrutura da distribuição do capital específico de cada campo vai encaminhar as suas possibilidades de atuação.

Os agentes se constituem enquanto agentes na medida em que, conforme Bourdieu, no ritmo peculiar da sua existência nos campos, constroem o habitus, isto é, suas disposições permanentes e duradouras, o sentido do jogo, as disposições incorporadas que orientarão as suas tomadas de decisão (BOURDIEU, 2008; 2010). Refere-se às “estruturas sociais de nossa subjetividade”, construídas em princípio na vivência das primeiras experiências sociais (habitus primário) e, posteriormente, da vida adulta (habitus secundário). É um princípio unificador, que recompõe a unidade velada na diversidade de práticas instituídas em campos tomados por diferentes lógicas.

Uma das funções da noção de habitus é a de dar conta da unidade de estilo que vincula as práticas e os bens de um agente singular ou de uma classe de agentes [...] O habitus é esse princípio gerador e unificador que retraduz as características intrínsecas e relacionais de uma posição em um estilo de vida unívoco, isto é, em um conjunto unívoco de escolhas de pessoas, de bens, de práticas (BOURDIEU, 2005, p. 22).

Em síntese, ele é a maneira como as estruturas sociais se imprimem na racionalidade e no corpo dos agentes, por meio da interiorização da exterioridade, um “sistema de disposições duráveis e transponíveis”, em que as múltiplas respostas às variáveis situações são dadas a partir de um conjunto limitado de esquemas de ação e pensamento (CORCUFF, 2001).

Vídeo da UNIVESP TV trata da abordagem de Bourdieu sobre o campo escolar

O termo capital, na obra de Bourdieu, ultrapassa a perspectiva econômica. O caminho é conceber alguns tipos de capitais, que são propriedades atuantes em determinados campos ou na totalidade do espaço social. Eles podem atuar em um estado objetivado, no formato de propriedades materiais, títulos, finanças, imóveis e objetos, por exemplo; podem, também, se apresentar num estado incorporado, num momento específico, por meio do desenvolvimento do habitus. O autor afirma que,

[...] sendo capital uma relação social, ou seja, uma energia social que existe e produz seus efeitos apenas no campo em que ela se produz e se reproduz, cada uma das propriedades associadas à classe recebe seu valor e sua eficácia das leis específicas de cada campo: na prática, ou seja, em um campo particular, nem sempre todas as propriedades incorporadas (disposições) ou objetivadas (bens econômicos e culturais), associadas aos agentes, são eficientes simultaneamente; a lógica específica de cada campo determina aquelas que têm cotação neste mercado, sendo pertinentes e eficientes no jogo considerado, além de funcionarem, na relação com este campo, como capital específico e, por conseguinte, como fator explicativo das práticas (BOURDIEU, 2008, p. 107).

De modo genérico, Bourdieu fala em quatro tipos de capital. No que vale para o capital econômico, ele destaca o controle dos recursos econômicos na sociedade em questão, como a propriedade privada de bens móveis e imóveis, a dominação das ofertas de bens e serviços e a direção de empresas. O capital social representa um conjunto de relações produzidas no decorrer de uma trajetória (reconhecimento, autoridade, prestígio, influência, etc.). O capital simbólico, por sua vez, diz respeito à capacidade de impor uma visão específica sobre o mundo, sempre escorada numa divisão (eles versus nós), uma espécie de linguagem legítima, com pretensões de se configurar como “a verdade”.

O capital cultural compreende um conjunto de recursos e competências disponíveis e mobilizáveis em matéria de cultura dominante. Trata-se dos gostos, das disposições estéticas, fruídas a partir dos dominantes e traduzidas no estado incorporado através do habitus (disposições sistemáticas e esquemas de percepção). Esse é o aspecto mais complicado de ser adquirido pelos dominados, pois há uma distância entre aprender sobre música ou arte e manifestar a preferência, desfrutar dos elementos da cultura dominante. “Sendo pessoal, o trabalho de aquisição é um trabalho do ‘sujeito’ sobre si mesmo (fala-se em ‘cultivar-se’)” (BOURDIEU, 2007, p. 74). Os dois outros estados de capital cultural são, respectivamente, o objetivado pela posse de objetos culturais no ambiente doméstico e o institucionalizado pela posse dos títulos escolares reconhecidos, que incidem como sustentação distintiva dos dessemelhantes grupos de agentes.

No que concerne ao caráter do campo escolar, em tese, o capital cultural dos estudantes condiciona suas carreiras no mundo do saber sistematizado, fazendo com que aqueles que já partem de uma situação favorável desde nascença mantenham suas posições no desenrolar dos acontecimentos. A escola, território em que os despossuídos dos códigos culturais dominantes atuam com dificuldades, acaba por perder o sentido para eles, indicando uma espécie de “crise” nos sistemas de ensino. De maneira similar, os grandes colégios reconhecidos pelos grupos dominantes seriam os responsáveis por recrutar a renovação dos principais postos de trabalho na sociedade em questão (BOURDIEU, 1998).

Para o autor, o sistema escolar e a própria ação pedagógica conteriam o caráter de reprodução do arbitrário cultural dominante, mascarando-se com falsas alternativas de sucesso aos despossuídos do capital cultural necessário para resultados satisfatórios. A escola transformadora, dotada do esperançoso ideal de melhorias sociais, não passaria de uma falácia. As escolas brasileiras, vistas de dentro, para além dos seus muros, para além das matérias especiais feitas pelos grandes canais de televisão, observadas no calor do cotidiano, apresentam sinais de que a reprodução das desigualdades convive com honestas tentativas de mudança. A experiência de dois anos de docência em escolas públicas indica que estão presentes as considerações de Bourdieu, em geral e em princípio, é imperativo ressaltar, ainda que sejam elas partes integrantes de uma miscelânea de elementos. Só uma pesquisa de razoável densidade está apta a afirmar com maior clareza a importância do capital cultural no desempenho estudantil médio.

REFERÊNCIAS

BOURDIEU, Pierre. A Distinção. Porto Alegre: Zouk, 2008.

_______________. A Economia das Trocas Simbólicas. São Paulo: Perspectiva, 2011.

_______________. A Ilusão Biográfica. In: AMADO, Janaina e FERREIRA, Marieta de Moraes (organizadoras). Usos e abusos da história oral. Rio de Janeiro: FGV, 1996b.

_______________. A Reprodução. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1992.

_______________. As Regras da Arte: Gênese e Estrutura do Campo Literário. São Paulo: Companhia das Letras, 2010b.

_______________. Coisas Ditas. São Paulo: Brasiliense, 1990.

_______________. Escritos de Educação: Pierre Bourdieu. Petrópolis: Vozes, 2007.

_______________. Los Herederos: Los Estudiantes y La Cultura. Buenos Aires: 2002a.

_______________. Meditações Pascalianas. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2001.

_______________. O Poder Simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2010a.

_______________. O Senso Prático. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009.

_______________. Ofício do Sociólogo: Metodologia da Pesquisa na Sociologia. Petrópolis, RJ: Vozes, 2004b.

_______________. Os Usos Sociais da Ciência. São Paulo: UNESP, 2004a.

_______________. Pierre Bourdieu Entrevistado por Maria Andréa Loyola. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2002b.

_______________. Razões Práticas: Sobre a teoria da ação. Campinas: Papirus, 1996a.

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