Bernardo Caprara
Sociólogo e Professor
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A pesquisa sociológica costuma ser classificada a partir de duas abordagens, a qualitativa e a quantitativa. Porém, ambas as abordagens se relacionam com alguns pressupostos, como as discussões ontológicas e epistemológicas. Em conjunto com os aspectos metodológicos e técnicos, essas discussões constituem o centro deste texto.
Donatella Della Porta e Michael Keating, em “Approaches and Methodologies in the Social Sciences”, organizam este debate categorizando quatro “correntes teóricas”. Do ponto de vista ontológico, as principais questões são: a realidade social existe enquanto entidade coletiva? É possível conhecer a realidade social? Do ponto de vista epistemológico, coloca-se as seguintes questões: como se dá a relação entre pesquisador e objeto de pesquisa? Que tipo de conhecimento é possível produzir?
A primeira corrente teórica citada pelos autores é o positivismo, que aparece em Augusto Comte, Herbert Spencer e, para alguns, em Émile Durkheim. Trata-se de uma escola fundadora da Sociologia como disciplina especializada, e que enxerga as Ciências Sociais como semelhantes às demais ciências. A realidade social é uma entidade externa ao observador, cognoscível na sua totalidade. O pesquisador deve descrever e analisar essa realidade. Pesquisador e objeto de pesquisa são diferentes e é possível que a pesquisa seja feita de forma neutra, sem que o pesquisador afete o objeto de pesquisa. O conhecimento resultante busca “leis”, “regularidades” e relações causais.
Num segundo momento, verifica-se a emergência do pós-positivismo ou neopositivismo, para quem a realidade social permanece entendida como objetiva e existente à revelia da mente humana. Entretanto, ela é imperfeitamente cognoscível. A ideia de “leis” é substituída pela ideia de “probabilidades”. Mesmo que não haja um rompimento com o positivismo no seu âmago, há uma flexibilização importante das suas prerrogativas lógicas e uma aceitação de algum grau de incerteza. O realismo crítico, por exemplo, de Roy Bashkar, define a existência de um mundo objetivo real, à medida que o conhecimento humano sobre ele é socialmente condicionado.
A terceira corrente teórica é a interpretativista, na qual os significados objetivos e subjetivos estão bastante conectados. Subsiste uma forte crítica ao mecanicismo positivista, que é confrontado com a valorização da humanidade presente nos processo sociais. Pelo fato de os seres humanos produzirem significado o tempo todo, a pesquisa sociológica deve interpretar esses significados que motivam as ações. Dessa forma, a subjetividade atravessa o pesquisador, o objeto de pesquisa e o conhecimento produzido.
Mas é na quarta corrente teórica, a humanista, que a subjetividade ganha a sua maior relevância. É imperativo diferenciar as Ciências Sociais das Ciências da Natureza, pelo fato de que as primeiras passam sempre pelo filtro subjetivo por parte dos indivíduos, o que é uma característica importante tanto para a pesquisa, quanto para o objeto de pesquisa. Clifford Geertz argumenta nesse sentido, direcionando as Ciências Sociais para um tipo de “Ciências Interpretativas”. No extremo dessa corrente teórica, a realidade inexiste para além das imagens relativas e parciais construídas pela humanidade.
Diante das quatro correntes teóricas apresentadas por Della Porta e Keating, a pesquisa sociológica pode contar com estratégias metodológicas mais bem informadas. Os positivistas, em geral, trabalham com a linguagem das variáveis, como as “dependentes” (“explicadas”) e as “independentes” (“explicativas”). Com os pós-positivistas o contexto entra em cena e, mesmo que se mantenha a linguagem das variáveis, as relações entre elas não são tidas como válidas para todos os lugares e momentos. As abordagens quantitativas costumam ser relacionadas com essas perspectivas. As correntes interpretativista e humanista tendem a enfatizar casos específicos como entidades complexas, ressaltando o seu contexto. Nem causa e efeito, nem generalizações sãos incentivadas nessa orientação. Esse é o universo em que costumam se desenvolver as abordagens qualitativas.
Para cada orientação ontológica, epistemológica e metodológica, coexistem técnicas de produção e análise de dados empíricos. Entre as abordagens quantitativas, os questionários estilo survey tendem a ser um instrumento característico de produção de dados. Para analisar esses dados, pode-se utilizar a estatística descritiva, destacando médias, medianas, frequências e tabulações cruzadas. Indo além, as análises de correspondência simples e múltipla são recursos valiosos para análises exploratórias, pois fornecem “mapas geométricos” de associações e distanciamento entre variáveis categóricas (entendidas como “modalidades”). A análise de variância (ANOVA) ajuda a entender se as diferenças entre médias são significativas ou não. As regressões lineares, por sua vez, possibilitam a construção de modelos que identificam os efeitos de uma (simples) ou mais (múltipla) variáveis independentes sobre uma variável dependente quantitativa, com dados em distribuição normal.
Quanto às técnicas de produção e análise de dados sob uma abordagem qualitativa, Martin Bauer e George Gaskell definem a necessidade de se captar e analisar valores, significados e aspectos simbólicos. Para isso, são adequados os estudos de caso, as entrevistas em profundidade, os grupos focais, as análises de conteúdo (que pode até flertar com a abordagem quantitativa), as análises de discurso e as etnografias. Essas são técnicas que aprofundam aquilo que é produzido no universo simbólico dos indivíduos e suas relações e interações.
Por fim, é sempre preciso dizer que as escolhas metodológicas devem estar relacionadas a um problema de pesquisa consistente e objetivos claros. Além disso, como fomenta Teresa Duarte, a possibilidade de “investigação a três” ou “triangulação metodológica”, sustentada em concepções ontológicas e epistemológicas bem discutidas, tende a auxiliar o avanço das Ciências Sociais.
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