ABORDAGEM ARTESANAL, CRÍTICA E PLURAL / ANO 16

América do Sul, Brasil,

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Karl Marx, 1818/1883

……………………………………………………………………………….Bernardo Caprara
………………………………………………………………………………………………..Sociólogo e Professor

Karl Marx e Friedrich Engels foram responsáveis por uma extensa obra que se relaciona com os mais diversos campos do saber. Não obstante, foi nas análises sobre o capitalismo que ambos se tornaram reconhecidamente importantes, na medida em que seus nomes persistem até hoje em correntes teóricas vinculadas à classe trabalhadora ao redor do planeta.

A Ideologia Alemã
pode ser considerado um dos principais textos da dupla. Nestes escritos estão contidas críticas aos pensadores alemães vinculados ao chamado hegelianismo de esquerda, ao qual Marx utiliza a obra para romper de uma vez por todas. Ao criticar Bruno Bauer e Max Stirner, ele identifica nas suas teorias a primazia do pensamento sobre a atividade humana, isto é, o idealismo presente nos autores inspirados em Hegel. Através do amadurecimento intelectual, Marx também ataca o materialismo mecânico de Ludwig Feuerbach, que não incorpora a dialética ao seu escopo, mesmo que rejeite o idealismo. No livro estão contidas as Teses sobre Feuerbach, que sintetizam as considerações sobre o autor. Marx esboça, ainda, uma perspectiva da sociedade comunista, na qual o trabalho estaria desprovido do caráter de exploração de classe, e os indivíduos poderiam satisfazer suas necessidades materiais em harmonia.

Retirando de Hegel a dialética – o devir, o vir a ser, a dinâmica de transformação inevitável da vida, o choque permanente entre os opostos, a negação da negação – e associando-a a visão de que é a atividade humana real que precede a sua consciência, Marx fundamentou o materialismo histórico e dialético. Tratava-se de colocar a dialética de Hegel de ponta a cabeça, invertendo a lógica de que o pensamento antecede as ações reais, e para transformar a sociedade seria preciso substituir as ideias predominantes por novas. Desta forma, as ações de homens reais na vida real, sob o ponto de vista material, originam a consciência que eles terão delas e deles mesmos.

Este entendimento está alicerçado numa profunda análise das transformações ocorridas na história, em que Marx observa que as modificações nas estruturas econômicas iam alterando o caminho das ideias. No prefácio de Para a Crítica da Econômica Política, ele declara que sob a estrutura econômica das sociedades se ergueriam grandes superestruturas. Na produção social da própria vida, os homens contraem relações determinadas, necessárias e independentes de sua vontade, relações de produção estas que correspondem à etapa determinada de desenvolvimento das suas forças produtivas materiais. A totalidade destas relações de produção forma a estrutura econômica da sociedade, a base real a qual se levanta uma superestrutura jurídica e política, e a qual correspondem formas determinadas de consciência.

O modo de produção da vida material condiciona o processo em geral da vida social, política e espiritual. Não é a consciência dos homens que determina o seu ser, mas o seu ser social que determina sua consciência. Esse argumento é muito criticado por diversos pensadores, visto que para os críticos empreende uma sentença por demais economicista. Na introdução dos mesmos escritos, Marx trabalha a questão do método da economia política. Deve-se pensar o concreto como unidade do diverso, ponto de partida efetivo, mas resultado do processo de síntese, abstraído. A ilusão de Hegel, elevar-se do abstrato ao concreto, significa a maneira do pensamento de se apropriar do concreto, para reproduzi-lo como concreto pensado.

Marx prossegue seus estudos e lança, em 1848, um documento que mudaria o rumo dos trabalhadores assalariados, classe oriunda das necessidades de produção da indústria capitalista. O Manifesto do Partido Comunista, material de divulgação política, convocava os trabalhadores do mundo a se unir, em busca do fim da exploração do trabalho humano. A obra sugere o trilho para o proletariado retirar o poder político das mãos da burguesia, centralizando nas mãos do Estado controlado pelos trabalhadores, numa ditadura do proletariado, a fim de construir uma sociedade sem classes.

O capitalismo, proveniente da acumulação primitiva de capital, da apropriação (cercamentos) de terras coletivas, se desenvolve consolidando a burguesia enquanto classe social dominante e dissolvendo a ordem feudal para dentro dos livros de história. As transformações das forças produtivas (meios de produção e força de trabalho) vão condicionando a sociedade capitalista, e trazendo a tona uma nova classe social, a antítese da burguesia, que acabara por engendrar seus próprios algozes. Ao proletariado, trabalhadores assalariados que utilizam sua força de trabalho como mercadoria para manter sua sobrevivência, cabe a tarefa de enfrentar a exploração da burguesia e orientar a construção de uma sociedade sem classes. A luta entre classes sociais, nessa concepção, carrega o sentido de motor da história humana. Por intermédio de uma análise histórica organizada, Marx encontra a opressão entre diferentes classes sociais no decorrer do processo histórico. Ainda no Manifesto Comunista, estão contidas críticas as correntes socialistas utópicas, e resumidas algumas concepções do chamado socialismo científico.

A propriedade privada dos meios de produção (instrumentos, terra, fábricas, capital), elemento central da dominação burguesa, caracteriza o modo de produção capitalista. Nessa sociedade, os despossuídos do capital possuem somente sua força de trabalho para vender como mercadoria de sobrevivência, sendo a relação estabelecida entre o capitalista e o operário operando sob a égide do prejuízo, em última instância, aos trabalhadores. O capitalista usa o lucro para reinvestir, como capital, para fazer mais lucro, à custa do trabalho explorado dos operários. Nesse processo, a mais-valia, excedente de trabalho do operário apropriado pelo patrão, representa o caráter da acumulação de lucro da classe dominante. Ela pode ser absoluta, com ampliação da jornada de trabalho mantendo salários, ou relativa, com o enfoque na mecanização, aumentando a produtividade física do trabalho. Marx ressalta, a saber, a distinção entre capital constante e capital variável. O primeiro consiste nos investimentos do capitalista em fábricas, instrumentos de produção; o segundo, na força de trabalho, fonte única de mais-valia.

De fato, as contribuições de Marx e Engels para as ciências humanas ultrapassam os limites de qualquer tentativa de enquadramento nessa ou naquela disciplina. Constituíram, em si e na sua repercussão nos últimos séculos, uma nova fase no pensamento social e na vida de milhões de pessoas.
 
REFERÊNCIAS
 
MARX, Karl. O Manifesto do Partido Comunista. Porto Alegre: L&PM, 2001.
 
___________. A Ideologia Alemã. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
 
___________. Coleção Os Pensadores. São Paulo: Nova Cultural, 1987.

 

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quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Max Weber, 1864/1920

 
……………………………………………………………………………………………………………Bernardo Caprara
………………………………………………………………………………………………………..Sociólogo e Professor
 
O sociólogo alemão Max Weber foi um dos principais responsáveis por defender o rigor científico para as análises das sociedades. Situado num período em que os métodos naturalistas, vinculados às ciências exatas, influenciavam bastante o espaço das ciências sociais, Weber dedicou-se a afastar as noções de que a vida social pode ser avaliada sob o prisma de relações concretas, desprovidas de subjetividade.
           
Em A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo, cuja edição estudada congrega tanto a versão inicial (1904/1905), quanto os comentários adicionados numa revisão do próprio autor (1920), estão contidos subsídios importantes para o entendimento da constituição do capitalismo moderno, sem observar na sua teoria a única causa do desenvolvimento capitalista.
 
Weber declara que uma rápida olhada nas estatísticas ocupacionais de países pluriconfessionais basta para constatar o caráter predominantemente protestante dos proprietários do capital e dos empresários, assim como das camadas superiores da mão-de-obra qualificada. Ele procura demonstrar a combinação fértil de um virtuoso senso de negócios capitalista com as formas mais intensas de devoção que permeia e regula a vida toda de grupos humanos ligados às igrejas e seitas protestantes de maior importância – especialmente o calvinismo.
 
No decorrer dos argumentos, Weber cita Benjamin Franklin, para explicitar uma espécie de “filosofia da avareza”, na qual esta exposta a ideia do dever que tem o indivíduo de se interessar pelo aumento das suas posses como um fim em si mesmo. Não se trata só de pregar uma técnica de vida, mas uma ética peculiar cuja violação é tratada como uma falta com o dever. Ali não se ensina apenas a perspicácia nos negócios, mas é um ethos que se expressa. Com efeito, é assim que Weber se refere ao “espírito do capitalismo” moderno, como o caráter de uma máxima de conduta de vida eticamente coroada.
 
A ideia característica da ética social da cultura capitalista, que em certo sentido faz parte da sua constituição, é a da profissão como dever, uma obrigação que o indivíduo deve sentir com respeito ao conteúdo da sua atividade profissional.
 
Por outro lado, o autor descarta o que chama de materialismo histórico ingênuo, que aponta a superestrutura como um reflexo das estruturas econômicas. Diz que, por exemplo, no estado americano de Massachussetts, terra natal de B. Franklin, o “espírito do capitalismo” existiu incontestavelmente antes do próprio desenvolvimento do capitalismo.
 
Para se impor, o “espírito capitalista” teve de travar duros combates contra um mundo de forças hostis. Essa luta teve como adversário uma espécie de sensibilidade e comportamento que Weber definiu como tradicionalismo. O desenvolvimento dessas tradições e o fortalecimento enérgico do livre lucro no seio dos mesmos agrupamentos sociais não foram acompanhados de uma afirmação ética das novidades, porém tolerados como infelizmente inevitáveis.
 
Na visão weberiana, para saber quais as forças motrizes da expansão do capitalismo moderno, colocar em primeiro lugar as sentenças econômicas é um erro, sendo que o caminho mais interessante é pensar em primeiro plano a questão do desenvolvimento do espírito capitalista.
 
O tipo ideal do empresário capitalista, representado entre os alemães eminentes, não guardava semelhanças com os ricos de aparência óbvia ou refinada. Ele se esquiva à ostentação e a despesa inútil, bem como ao gozo consciente do seu poder. Sua conduta de vida comporta quase sempre certo lance ascético. Para o homem pré-capitalista, é precisamente o fato de o ser humano existir para o seu negócio, e não o inverso, que é inconcebível, enigmático, sórdido e desprezível.
 
Analisando o conceito de vocação em Martinho Lutero, Weber percebe que o mesmo permaneceu com amarras tradicionalistas. Foi a partir das criações de Calvino e do calvinismo, motivadas por elementos puramente religiosos, que Weber centraliza a análise do “espírito do capitalismo”.
 
O feito propriamente dito da Reforma Protestante consistiu simplesmente em ter já no primeiro momento inflado fortemente a ênfase moral e o prêmio religioso para o trabalho intramundano no quadro das profissões. É importante salientar, enfim, que o desenvolvimento do “espírito capitalista” foi conseqüência de motivos puramente religiosos, sendo a salvação da alma, e somente ela, o eixo da vida e da ação dos reformadores. 
 
Em Economia e Sociedade, Max Weber dedica a primeira parte a explicitar o que chama de conceitos sociológicos fundamentais. Por conveniência metodológica, o método da Sociologia Compreensiva é “racionalista”, mesmo que o autor não esteja imputando a crença numa predominância efetiva do racional sobre a vida. Compreensão, em Weber, significa apreensão interpretativa do sentido ou da conexão de sentido. Denomina-se “motivo” uma conexão de sentido que, para o próprio agente ou para o observador, constitui a razão de um comportamento quanto ao seu sentido.
 
Para a Sociologia o objeto a ser investigado é a conexão de sentido das ações. A Sociologia constrói conceitos de tipos e procura regras gerais dos acontecimentos. Com efeito, o conceito de ação social é fundamental na obra de Weber. A ação social orienta-se pelo comportamento de outros, seja este passado, presente ou esperado como futuro. Os “outros” podem ser indivíduos e conhecidos, ou uma multiplicidade indeterminada de pessoas completamente desconhecidas. Um choque entre dois ciclistas, por exemplo, é um simples acontecimento; contudo, se ambos tentarem desviar, se ofender ou partir para a briga ou para uma discussão pacífica após o choque, tratar-se-á de uma ação social. É a ação social que constitui o fato central para a Sociologia como ciência, e ela é, por assim dizer, o seu elemento constitutivo.
 
A ação social pode ser classificada em quatro tipos: 1) racional referente a fins, que utiliza a racionalidade para estabelecer fins e organizar os meios necessários; 2) racional referente a valores, pela crença consciente num valor considerado importante, independente do êxito desse valor na realidade; 3) afetiva, que é determinada por afetos ou emoções; 4) tradicional, que é determinada por um costume ou um hábito arraigado. É importante ressaltar que o autor deixa claro que só muito raramente a ação social orienta-se exclusivamente por uma ou outra destas maneiras. Trata-se de tipos conceitualmente puros, criados para fins sociológicos.
 
Por relação social entende-se o comportamento reciprocamente definido quanto ao seu conteúdo de sentido, por uma pluralidade de agentes que se orienta por essa referência. Convém concluir com o que Weber define como poder. O poder significa toda probabilidade de impor a própria vontade numa relação social, mesmo contra resistências, seja qual for o fundamento dessa probabilidade. Dominação, por sua vez, é a probabilidade de encontrar obediência a uma ordem de determinado conteúdo, entre determinas pessoas. Por fim, disciplina é a probabilidade de encontrar obediência pronta, sistemática, automática a uma ordem, entre uma pluralidade de pessoas, em virtude de atividades treinadas.
 
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O conceito de tipo ideal corresponde a um processo de conceituação que abstrai de fenômenos concretos o que existe de particular. É um instrumento de análise sociológica para a apreensão da sociedade por parte do Cientista Social, com o objetivo de criar tipologias puras, que não existem por completo na realidade. Ele é destituído de qualquer tom avaliativo, de maneira a oferecer um recurso analítico baseado em conceitos. Apesar de não corresponder à realidade completa, pode ajudar na sua compreensão, estabelecido de forma racional, mas sustentado nas escolhas pessoais daquele que analisa.

REFERÊNCIAS

WEBER, Max. A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo. São Paulo: Cia. das Letras, 2005.

___________. Economia e Sociedade. Brasília: UNB, 2000.
 
 
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quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Émile Durkheim, 1858/1917

Bernardo Caprara
Sociólogo e Professor

O sociólogo francês Émile Durkheim é considerado um dos principais responsáveis pela consolidação da Sociologia como disciplina científica. Ele dedicou boa parte dos seus estudos para demonstrar a importância do método, além de caracterizar os instrumentos basilares para a pesquisa dos fenômenos sociais. Os próximos parágrafos constituem um esforço sintetizador, orientados pela releitura de alguns dos seus textos fundamentais.

No trabalho intitulado As Regras do Método Sociológico, Durkheim procurou estipular os caracteres básicos que fazem a Sociologia operar no escopo da ciência, afastando-se da filosofia e se estabelecendo como uma área específica. Na sua versão, a Sociologia é independente daquilo que chamou de “doutrinas da prática”, isto é, ela não deve ser nem determinista, nem individualista, tampouco comunista ou socialista. Seu papel não está atrelado aos partidos políticos; é voltado para a objetividade do método.
 
Sendo o método sociológico objetivo, ele é dominado pela ideia de tratar os fatos sociais como coisas. Mesmo que sob um prisma um pouco diferente, este princípio esteve presente em Comte e Spencer. Assim, o sociólogo deve afastar as noções antecipadas que formula acerca dos fatos, no intuito de encarar os próprios fatos, para atingi-los através do exame dos elementos mais objetivos.
 
Afinal, o que são os fatos sociais? Eles representam maneiras de agir, pensar e sentir que apresentam a marcante propriedade de existir fora das consciências individuais. São tipos de conduta ou pensamento que não são apenas exteriores ao indivíduo, mas também se impõem a ele, quer queira, quer não. Ele existe nas partes porque existe no todo, consistindo na sua generalidade. O sentimento coletivo não exprime apenas o que há de comum entre as consciências individuais, porém é resultante da vida em comum, é produto das ações e reações travadas entre as consciências individuais. A energia da sua origem coletiva é que repercute em cada consciência individual.
 
É possível, portanto, resumir o domínio em que a Sociologia atua na perspectiva de Durkheim. O fato social é reconhecível pelo poder de coerção externa que exerce ou pode exercer sobre os indivíduos; a presença desse poder é reconhecível pela existência de alguma sanção determinada ou resistência que o fato opõe a qualquer iniciativa individual que tenta violentá-la. Por fim, apresenta uma difusão no interior do grupo, independente das formas individuais que assume ao se difundir.
           
As reflexões de Émile Durkheim também discutem o método para determinar a função da divisão do trabalho. Ele sentencia que os serviços econômicos que a divisão do trabalho produz são de pequeno valor, ao lado do efeito moral que ela causa. Sua verdadeira função é criar um sentimento de solidariedade entre as pessoas. Através da divisão do trabalho é que se tornam possíveis as sociedades, estabelecendo uma ordem moral e social sui generis. Analisada sob essa ótica, a divisão do trabalho garante a coesão social.
 
Para verificar o papel da divisão do trabalho, geradora de solidariedade social, e assim conseguir analisá-la, é preciso estudar o seu símbolo mais visível, que é o direito. A vida social tende, sempre que existe de maneira durável, inevitavelmente a assumir uma forma definida e a se organizar. O direito é o que a própria organização tem de mais estável e conciso. No que concerne ao argumento de que nem toda vida social é regulada por formas jurídicas, Durkheim defende que, se em dado momento não se evidencia o direito, a regulamentação fica a cargo dos costumes. Todo preceito jurídico pode ser definido assim: uma regra de conduta sancionada.
 
A questão da solidariedade social perpassa profundamente a obra do sociólogo francês. A solidariedade mecânica expressa uma ligação direta entre o indivíduo e a sociedade, nascida das semelhanças, tornando harmônicos inclusive os pormenores dessa conexão. Essa solidariedade social decorre de certo número de estados de consciência comuns a todos os membros da mesma sociedade, representada materialmente pelo direito repressivo.
 
Por outro lado, a solidariedade orgânica, produzida pela divisão do trabalho, só é possível se a personalidade individual não for completamente absorvida pela personalidade coletiva, se houver uma esfera própria de ação para a consciência individual. Isso origina uma coesão social mais forte; cada um depende da sociedade na qual o trabalho é dividido, e a atividade de cada um é tanto mais pessoal quanto mais especializada ela seja.
 
Nesse contexto, Durkheim percebe a preponderância progressiva da solidariedade orgânica. As sociedades primitivas, por ele alcunhadas de hordas, funcionavam pela lógica da coesão através das semelhanças – solidariedade mecânica – e iniciaram progressivamente o caminho da divisão do trabalho social. A passagem de um estado para outro se faz por intermédio de uma lenta evolução. A solidariedade orgânica jamais se encontra sozinha, do mesmo modo que ela se torna cada vez mais preponderante.
 
Convém concluir descrevendo a divisão do trabalho anômica. Ela consiste na situação em que não está organizada a divisão do trabalho, e por isso não ocasiona solidariedade social. A priori poderíamos dizer que o estado de anomia é impossível sempre que os órgãos solidários estejam em contato bastante e suficientemente prolongado. Se os trabalhadores são reduzidos ao papel de máquina, é porque a divisão do trabalho se encontra em circunstâncias anormais e excepcionais. Normalmente, o desempenho de cada função especial supõe que o trabalhador/indivíduo não se feche estreitamente, mas que mantenha relações constantes com as funções vizinhas, sentindo que serve para alguma coisa.
 
REFERÊNCIAS
 
DURKHEIM, Émile. As Regras do Método Sociológico. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1977.
_______________. Durkheim (Coleção Grandes Cientistas Sociais). Organização José Alberto Rodrigues. São Paulo: Ática, 2003.
 
 
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