ABORDAGEM ARTESANAL, CRÍTICA E PLURAL / ANO 16

América do Sul, Brasil,

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Émile Durkheim, 1858/1917

Bernardo Caprara
Sociólogo e Professor

O sociólogo francês Émile Durkheim é considerado um dos principais responsáveis pela consolidação da Sociologia como disciplina científica. Ele dedicou boa parte dos seus estudos para demonstrar a importância do método, além de caracterizar os instrumentos basilares para a pesquisa dos fenômenos sociais. Os próximos parágrafos constituem um esforço sintetizador, orientados pela releitura de alguns dos seus textos fundamentais.

No trabalho intitulado As Regras do Método Sociológico, Durkheim procurou estipular os caracteres básicos que fazem a Sociologia operar no escopo da ciência, afastando-se da filosofia e se estabelecendo como uma área específica. Na sua versão, a Sociologia é independente daquilo que chamou de “doutrinas da prática”, isto é, ela não deve ser nem determinista, nem individualista, tampouco comunista ou socialista. Seu papel não está atrelado aos partidos políticos; é voltado para a objetividade do método.
 
Sendo o método sociológico objetivo, ele é dominado pela ideia de tratar os fatos sociais como coisas. Mesmo que sob um prisma um pouco diferente, este princípio esteve presente em Comte e Spencer. Assim, o sociólogo deve afastar as noções antecipadas que formula acerca dos fatos, no intuito de encarar os próprios fatos, para atingi-los através do exame dos elementos mais objetivos.
 
Afinal, o que são os fatos sociais? Eles representam maneiras de agir, pensar e sentir que apresentam a marcante propriedade de existir fora das consciências individuais. São tipos de conduta ou pensamento que não são apenas exteriores ao indivíduo, mas também se impõem a ele, quer queira, quer não. Ele existe nas partes porque existe no todo, consistindo na sua generalidade. O sentimento coletivo não exprime apenas o que há de comum entre as consciências individuais, porém é resultante da vida em comum, é produto das ações e reações travadas entre as consciências individuais. A energia da sua origem coletiva é que repercute em cada consciência individual.
 
É possível, portanto, resumir o domínio em que a Sociologia atua na perspectiva de Durkheim. O fato social é reconhecível pelo poder de coerção externa que exerce ou pode exercer sobre os indivíduos; a presença desse poder é reconhecível pela existência de alguma sanção determinada ou resistência que o fato opõe a qualquer iniciativa individual que tenta violentá-la. Por fim, apresenta uma difusão no interior do grupo, independente das formas individuais que assume ao se difundir.
           
As reflexões de Émile Durkheim também discutem o método para determinar a função da divisão do trabalho. Ele sentencia que os serviços econômicos que a divisão do trabalho produz são de pequeno valor, ao lado do efeito moral que ela causa. Sua verdadeira função é criar um sentimento de solidariedade entre as pessoas. Através da divisão do trabalho é que se tornam possíveis as sociedades, estabelecendo uma ordem moral e social sui generis. Analisada sob essa ótica, a divisão do trabalho garante a coesão social.
 
Para verificar o papel da divisão do trabalho, geradora de solidariedade social, e assim conseguir analisá-la, é preciso estudar o seu símbolo mais visível, que é o direito. A vida social tende, sempre que existe de maneira durável, inevitavelmente a assumir uma forma definida e a se organizar. O direito é o que a própria organização tem de mais estável e conciso. No que concerne ao argumento de que nem toda vida social é regulada por formas jurídicas, Durkheim defende que, se em dado momento não se evidencia o direito, a regulamentação fica a cargo dos costumes. Todo preceito jurídico pode ser definido assim: uma regra de conduta sancionada.
 
A questão da solidariedade social perpassa profundamente a obra do sociólogo francês. A solidariedade mecânica expressa uma ligação direta entre o indivíduo e a sociedade, nascida das semelhanças, tornando harmônicos inclusive os pormenores dessa conexão. Essa solidariedade social decorre de certo número de estados de consciência comuns a todos os membros da mesma sociedade, representada materialmente pelo direito repressivo.
 
Por outro lado, a solidariedade orgânica, produzida pela divisão do trabalho, só é possível se a personalidade individual não for completamente absorvida pela personalidade coletiva, se houver uma esfera própria de ação para a consciência individual. Isso origina uma coesão social mais forte; cada um depende da sociedade na qual o trabalho é dividido, e a atividade de cada um é tanto mais pessoal quanto mais especializada ela seja.
 
Nesse contexto, Durkheim percebe a preponderância progressiva da solidariedade orgânica. As sociedades primitivas, por ele alcunhadas de hordas, funcionavam pela lógica da coesão através das semelhanças – solidariedade mecânica – e iniciaram progressivamente o caminho da divisão do trabalho social. A passagem de um estado para outro se faz por intermédio de uma lenta evolução. A solidariedade orgânica jamais se encontra sozinha, do mesmo modo que ela se torna cada vez mais preponderante.
 
Convém concluir descrevendo a divisão do trabalho anômica. Ela consiste na situação em que não está organizada a divisão do trabalho, e por isso não ocasiona solidariedade social. A priori poderíamos dizer que o estado de anomia é impossível sempre que os órgãos solidários estejam em contato bastante e suficientemente prolongado. Se os trabalhadores são reduzidos ao papel de máquina, é porque a divisão do trabalho se encontra em circunstâncias anormais e excepcionais. Normalmente, o desempenho de cada função especial supõe que o trabalhador/indivíduo não se feche estreitamente, mas que mantenha relações constantes com as funções vizinhas, sentindo que serve para alguma coisa.
 
REFERÊNCIAS
 
DURKHEIM, Émile. As Regras do Método Sociológico. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1977.
_______________. Durkheim (Coleção Grandes Cientistas Sociais). Organização José Alberto Rodrigues. São Paulo: Ática, 2003.
 
 
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