Bernardo Caprara
Sociólogo e Professor
Sociólogo e Professor
Retomando as atividades profissionais, depois de um detox
imprescindível, mais conhecido como “férias”, não dá pra esquecer a
situação desse Brasil de minhas Deusas. Daí que lembrei um TCC
interessantíssimo que orientei há pouco tempo. A estudante,
hoje licenciada em Filosofia, articulou a teoria contratualista de
Thomas Hobbes com a desobediência civil pregada por Henry Thoreau.
Ao apresentar a fórmula da necessidade do Estado para Hobbes, ela mostrou que o medo e a insegurança
extrema podem levar as pessoas a aderir ao absolutismo, delegando todos
os poderes ao “soberano”. Só que, para isso, o “todo-poderoso” precisa
garantir, de fato, a segurança dos indivíduos e suas propriedades. Se
essa “troca” não se concretiza por parte do “soberano”, os “súditos”
teriam alguma brecha para contestar o “contrato”.
Aí poderia entrar a desobediência civil proposta por Thoreau. Quase
como um pressuposto moral do indivíduo, que não aceitaria apenas ceder a
sua liberdade para um governo com plenos poderes, sem que fosse
garantida, na prática, a contrapartida da segurança, desobedecer
caracterizaria um ato de resistência legítima.
Duas matrizes de
questões se sobrepõem: em primeiro lugar, mesmo que uma maioria
esmagadora da sociedade brasileira estivesse disposta a ceder o que
resta da sua liberdade em troca de segurança pessoal, está mesmo o
Estado apto a cumprir a promessa? Suas instituições, que deveriam
promover o mínimo de bem-estar, estão presentes com qualidade nas áreas
mais vulneráveis do país? Estão trabalhando para ajudar a diminuir o
abismo social que perdura há séculos por aqui? Suas forças de repressão
oferecem segurança?
Depois, quais as estratégias válidas e
eficazes de desobediência civil num contexto de concentração acentuada
de riquezas, no qual borbulham fanatismos e autoritarismos? Poderíamos
pensar a desobediência a partir do trabalho de base contra opressões e
desigualdades, das práticas de economia colaborativa dispersas em ações
de micropolítica ou mesmo da busca por consolidar uma espécie de “gestão
comum” (compartilhada, horizontal, cooperativa) de determinados bens
prioritários para o planeta e a espécie humana?
A primeira matriz
de indagações parece ter respostas óbvias. Já a segunda pode indicar um
caminho reflexivo para a proposição de uma nova utopia política, com a
cara do século XXI, contra e para além da mercantilização de todos os
aspectos da vida, e radicalmente democrática no respeito à diversidade e
na horizontalidade das decisões que afetam a vida de todos nós. Uma
tarefa e tanto.
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