ABORDAGEM ARTESANAL, CRÍTICA E PLURAL / ANO 1 (16)

América do Sul, Brasil,

domingo, 14 de abril de 2013

Michel Foucault e a noção de poder


(…) O que Foucault está nos dizendo exatamente? Em primeiro lugar, que não podemos entender as relações de poder reduzindo-as à sua dimensão econômica ou à esfera do Estado. Para ele, as estruturas de poder extrapolam o Estado e permeiam, ainda que de forma difusa e pouco evidente, as diversas práticas sociais cotidianas. Ouvimos dizer que os governantes detêm o poder. Sim, masMichel Foucault (imagem retirada do sítio http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/d/d1/Michel_Foucault_Dibujo.jpg/200px-Michel_Foucault_Dibujo.jpg) apenas até certo ponto. Governantes não têm o poder, por exemplo, de determinar qual será a nova moda que mobilizará os jovens e fará circular uma quantidade incalculável de dinheiro no próximo inverno. Será, então, que são os ricos que detêm o poder? Os ricos certamente têm muito poder, mas não têm todo o poder. Nem eles, nem ninguém. Ninguém é titular do poder, porque ele se espalha em várias direções, em diferentes instituições, na rua e na casa, no mundo público e nas relações afetivas.

Em segundo lugar, Foucault está insistindo em sua resposta numa ideia que atravessa toda a sua obra e que vimos destacando até aqui: existe uma forte correlação entre saber e poder. Instituições como a escola, o hospital, a prisão, o abrigo para menores etc. nem são politicamente neutras, nem estão simplesmente a serviço do bem geral da sociedade. Nós é que acreditamos que elas são neutras, legítimas e eficazes porque acreditamos na neutralidade, na legitimidade e na eficácia dos saberes científicos – como a pedagogia, a medicina, o direito, o serviço social – que lhes dão sustentação. Foucault nos ajuda a perceber, portanto, que há relações de poder onde elas não eram normalmente percebidas. O conhecimento não é uma entidade neutra e abstrata; ele expressa uma vontade de poder. Se a ciência moderna se apresenta como um discurso objetivo, acima das crenças particulares e das preferências políticas, alheio aos preconceitos, na prática, ela ajuda a tornar os “corpos dóceis”, para usar outra de suas expressões.

“Se o poder fosse somente repressivo, se não fizesse outra coisa a não ser dizer não”, provoca Foucault, “você acredita que seria obedecido?”. Por meio de perguntas como esta, ele nos leva a refletir sobre os mecanismos de manutenção, aceitação e reprodução do poder. O poder, tal como Foucault o concebe, não equivale à dominação, à soberania ou à lei. É um poder que se faz aceito porque está associado ao conceito de verdade: “Somos submetidos pelo poder à produção da verdade e só podemos exercer o poder mediante a produção da verdade”, afirma ele. Nós estamos acostumados a pensar a verdade como independente do poder porque acreditamos que ela de nada depende, é única e absoluta. Assim sendo, temos dificuldade em aceitar a ideia de que o “verdadeiro” é “apenas” aquilo que os próprios seres humanos definem como tal. Para Foucault, é a crença nessa verdade que independe das decisões humanas que nos autoriza a julgar, condenar, classificar, reprimir e coagir uns aos outros.

BOMENY, Helena & FREIRE-MEDEIROS, Bianca. Tempos Modernos, Tempos de Sociologia. São Paulo: Editora do Brasil, 2010. Páginas 89/90.

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