ABORDAGEM ARTESANAL, CRÍTICA E PLURAL / ANO 16

América do Sul, Brasil,

terça-feira, 19 de março de 2013

Murar o medo, por Mia Couto


O escritor moçambicano Mia Couto (saiba mais), habilidoso com as palavras e muito fértil com a imaginação, também possui uma sensibilidade grande relacionada aos acontecimentos da vida cotidiana. A reflexão abaixo pode despertar bons questionamentos, boas críticas e, ainda, boas problematizações acerca daMia Couto (Imagem retirada do sítio http://blog.ftc.br/comunicacao/wp-content/uploads/2011/08/Mia-Couto.jpg) construção e da consolidação de uma espécie de sentido imaginário hegemônico do medo.

O medo foi um dos meus primeiros mestres. Antes de ganhar confiança em celestiais criaturas, aprendi a temer monstros, fantasmas e demónios. Os anjos, quando chegaram, já era para me guardarem, servindo como agentes da segurança privada das almas. Nem sempre os que me protegiam sabiam da diferença entre sentimento e realidade. Isso acontecia, por exemplo, quando me ensinavam a recear os desconhecidos. Na realidade, a maior parte da violência contra as crianças sempre foi praticada não por estranhos, mas por parentes e conhecidos. Os fantasmas que serviam na minha infância reproduziam esse velho engano de que estamos mais seguros em ambientes que reconhecemos. Os meus anjos da guarda tinham a ingenuidade de acreditar que eu estaria mais protegido apenas por não me aventurar para além da fronteira da minha língua, da minha cultura, do meu território.

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