ABORDAGEM ARTESANAL, CRÍTICA E PLURAL / ANO 16

América do Sul, Brasil,

terça-feira, 3 de março de 2015

O governo e o tiro no pé

Bernardo Caprara
Sociólogo e Professor

O governo enredou-se nas próprias escolhas. A opção pelo ajuste fiscal, cujo foco bate mais nos de baixo, considerando a hierarquia da sociedade brasileira, funciona como um tiro no pé. Tanto no âmbito discursivo, quanto na esfera da política institucional.

Nas eleições, defendi que os projetos do PSDB e do PT eram muito semelhantes. Como semelhantes, havia diferenças. Ainda acho que elas existem, mas parece que o governo faz questão de fazê-las desaparecer. Apostei que aquele era o momento de o governo e o PT enfrentarem o que há de pior no país. Ledo engano. Equívoco sério. Não enfrentaram. Perderam, talvez, a última chance.

O atual Ministro da Fazenda faz exatamente o que pedia a oposição e o que o governo dizia que não deveria ser feito. O “engraçado” é que o governo, agora, apanha da oposição por fazer o que a oposição dizia para ser feito. Sem falar naqueles que batem em qualquer governo, somente por ser governo. Ou naqueles que só consideram problema a corrupção. É o ônus de ser governo. Nada anormal.

Como sempre, sofrem mais os mais de baixo. Sofrem os que dependem dos serviços públicos, cada vez com menos recursos, em função da escolha por fazer bastante caixa para pagar os juros da dívida pública (superávit primário). Isso torna cada vez mais difícil apoiar o governo. Ainda considero o impeachment fora de contexto, mas os governistas precisam ficar espertos. O aumento dos custos na vida das pessoas e a redução dos recursos em serviços públicos fundamentais afetam diretamente o cotidiano social. A oposição tenta se fazer passar por uma alternativa, pela solução dos problemas. Convenhamos, a experiência dos seus governos (FHC, décadas em São Paulo e etc.) mostra que não é solução pra coisa alguma.

Detalhe: nada justifica o apoio ao crescimento dos valores e discursos conservadores, que surfam na onda da revolta nacional, sobretudo ancorados na corrupção endêmica da Petrobras – endêmica mesmo, vigente desde a sua fundação, provavelmente. Intolerância, ódio, linchamentos, racismo, homofobia, misoginia e todas as suas variantes fascistas não configuram oposição ao governo, mas, sim, oposição a qualquer tentativa de fazer da democracia algo real. Aí não dá pra querer.

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