ABORDAGEM ARTESANAL, CRÍTICA E PLURAL / ANO 16

América do Sul, Brasil,

segunda-feira, 16 de março de 2015

Por mais democracia

Bernardo Caprara
Sociólogo e Professor

Sobre os protestos de ontem: dirijo-me aos amigos e conhecidos que exerceram o seu direito democrático de criticar o governo, a corrupção e até pedir a saída da presidente eleita há poucos meses. Ponto para a democracia. Manifestar-se é legítimo.

Porém, peço licença para compartilhar convosco uma preocupação. Vocês dividiram espaço com coisas muito bizarras e lamentáveis, coisas que vocês certamente não concordam. Nos seus próximos atos, não caiam na armadilha de defender ditaduras militares, o machismo, a homofobia, o racismo, o ódio ou a agressão ao seu semelhante de camisa vermelha.

Não caiam na armadilha de acreditar que vivemos numa ditadura comunista/esquerdista, com um liberal ortodoxo no Ministério da Fazenda; com eleições financiadas por empreiteiras e construtoras capitalistas; com um atuante imaginário meritocrático, individualista e apologista da competição feroz; com tantos direitos trabalhistas desrespeitados diuturnamente em prol do enriquecimento de uns cada vez mais poucos cidadãos; com uma mídia hegemônica reacionária e cheia de contas secretas na Suíça. Não, definitivamente o Brasil não vive uma ditadura comunista/esquerdista.

Leiam Paulo Freire, não arrotem seu nome por aí. Ele é um dos intelectuais brasileiros mais respeitados no campo da educação em todo o planeta, sobretudo nos países que vocês mais admiram. É só verificar. Buscar conhecimento e informação. Não repitam que a educação brasileira é dominada pelo marxismo, pelo gayzismo ou qualquer ismo considerado de esquerda. Ela não é. Muito pelo contrário, a educação formal brasileira reproduz o arbitrário cultural dominante, na sua maioria. Um ideário do ter, não do ser; do eu, não do nós; da vitória contra a derrota.

Desculpem os meus receios e medos postos a público. É que eu não gostaria de vê-los bradando ao lado de fascistas de qualquer estirpe. Lotem as ruas. Preparem-se bem e critiquem o PT por aquilo que ele deve ser criticado. Por Belo Monte. Pela corrupção endêmica que o partido hoje faz parte. Pelo prosseguimento das políticas de drogas e segurança pública autoritárias em vários aspectos. Por se aliar com partidos escrotos como o PP e o PMDB. Enfim, pautas não vos faltam e faltarão.

Não se unam aos que desprezam a democracia. Usem o seu direito democrático de manifestação para aprofundar a democracia, não ajudar a corroê-la. Eu não estarei lá, mas espero que esteja vivendo, trabalhando, dialogando, tomando uma cerveja e abraçando vocês como sempre, dispostos que estaremos a achar um caminho negociado para as nossas diferenças.

Por fim, quero deixar claro: o meu campo político não é o que estava nas ruas ontem. De certo, cada vez menos tem a ver com o PT. O meu campo político eu não sei definir, mas ele pauta-se pela busca da redução da concentração de riquezas, pelo fim das opressões, pelo exercício profundo da democracia e dos direitos humanos, pelo fomento de políticas sociais contundentes e de várias coisas que provavelmente seriam escorraçadas das ruas por alguns no dia de ontem. Espero que vocês não venham a estar entre eles.

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