ABORDAGEM ARTESANAL, CRÍTICA E PLURAL / ANO 16

América do Sul, Brasil,

quarta-feira, 26 de agosto de 2015

Novela da vida real

Bernardo Caprara
Sociólogo e Professor

O enredo poderia ser atrativo. Faz tempo que não vejo novelas. Mas, pra quem gosta, seria uma boa trama. A cena inicial poderia ser, sei lá, um debate para uma eleição presidencial apertada. De um lado ela, a governista. De outro ele, o oposicionista. No meio, um escândalo de corrupção na maior petroleira nacional, fustigando os mandatários das últimas décadas.

Passam os capítulos e o pleito, realmente apertado, consagra a vitória da continuidade dos que já eram governo. No caso, ela. Por ser ela, por ser governo e por ser de uma sigla achincalhada há anos, metade do país solta o verbo contra os vitoriosos. Destila ódio aos quatro ventos. Uns parecem não aceitar a derrota; outros lamentam e deixam claros os equívocos da gestão que permanece.

A coisa vai virando um drama. Sobretudo para o povo. Dias depois da vitória, a presidente reeleita começa a aplicar o programa de governo dos oposicionistas derrotados. Porrada no povo, ajuste no povo, arrocho no povo. O povo é uma espécie de Geni coletiva. A confusão toma conta. Incomodados, muitos votantes da continuidade não se calam: “Estelionato eleitoral! Ela venceu, mas o governo é dos que perderam!”.

No auge da novela, aumenta o burburinho para tirar do poder a presidente recém reeleita. Todas as artimanhas se fazem válidas. Políticos de distintos matizes ideológicos se movimentam. Para derrubar o governo; para blindar o governo. Expressivos protestos de rua querem a cabeça da mulher presidente. Doidões com esperança de voltar para a Idade Média desfilam em carros de som e cantam marchas sangrentas, discursando abobrinhas sem sentido. Ele, o rapaz oposicionista derrotado nas cenas iniciais, começa a ficar animado. Se olha no espelho e diz: “Agora sou eu, uai!”.

Só que não. Enquanto banqueiros, megaempresários e grandes organizações industriais se aprumam para garantir que o governo que está aí deve ficar, deve seguir tocando a agenda da oposição derrotada e arcando com os custos políticos, cortando as pernas mancas da população, o escândalo de corrupção na maior petroleira do país não poupa mais ninguém. Os mesmos delatores que serviam de argumento para apedrejar o governo reeleito, agora dizem com todas as letras que o garoto oposicionista derrotado também estava no esquema.

Roteiro delícia de novela brasileira. Mocinho que não é mocinho. Governo que pouco governa. Lunáticos que tomam as ruas. Democracia em perigo, o comunismo batendo na porta (?!). Democracia em perigo, os militares sendo chamados (?!). Juros altos. Banqueiros sorrindo. Desigualdades brilhando.

Melhor desligar a TV. E buscar outros caminhos.

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