Bernardo Caprara
Sociólogo e Professor
Ontem eu fiquei em casa. Em silêncio. No fim do dia, uma amizade que anda sumida resolveu se comunicar. Queria falar sobre o que viu nos protestos.
Escutei atentamente. Disse-me que no início da tarde caminhava feliz pelas ruas. Observava muitas pessoas em passeata, exercendo o direito de protestar contra os governantes, exercendo o direito de criticar e expressar descontentamentos coletivamente. Mas que algo não cheirava nada bem.
Abismada, a velha amizade suspirou e deu uma pausa na narrativa. Senti que estava incomodada. Voltou a me contar o que viu. Falou que no meio da galera manifestante tinha algo que não cheirava bem mesmo. Cartazes elogiando a repressão militar; pedindo a morte dos sobreviventes da ditadura militar; pedindo soberania popular e intervenção militar (!?); falando em acabar com o comunismo petista (!?!?) e muitas ameaças a quem vestisse vermelho. Um festival de sandices.
Perguntei se aquilo era uma exceção entre os protestantes. Disse-me que era minoria, mas não exceção. Disse-me ainda que, mobilizada por carros de som instigando a violência e o ódio, a massa aderia com facilidade. A velha amizade me disse que sentia a necessidade de criticar o Executivo, mas também parte do Legislativo, do Judiciário e muitos outros desmandos. Porém, sua crítica era plural e construtiva, sem pedir a cabeça de alguém e focar num único partido. Contou-me que ali seu protesto não tinha lugar.
Tudo previsível. Eu, no meu domingo de silêncio, assim permaneci. Tenho saudades da velha amizade que resolveu se comunicar durante a minha quietude. Houve tempos em que as suas características atraíam muita gente. Lembro que, em silêncio, a velha amizade ouvia todos nós elogiarmos o seu bom senso, a sua constante busca pela razão, pela informação e pelo conhecimento. A sua sensatez.
Fácil notar porque a velha amizade tem aparecido pouco. Hoje a maré não está para o seu peixe. Nessa onda de irracionalismo, ódio e ignorância são combustíveis perigosos. Em silêncio, pensei que, no mínimo, passou da hora de recolocar na vida pública os valores que pautam aquela velha amizade. Porque né, tá foda.
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