Bernardo Caprara
Sociólogo e Professor
Sociólogo e Professor
Uma vez, um estudante me perguntou: o que é democracia? Essa pergunta dá o que falar. Diante da
situação política no Brasil, tenho tentado pensar a partir de três pontos sobre
isso. Primeiro, como as pessoas avaliam a democracia, entre a população em geral. Depois, o que a
teoria política diz acerca da democracia e pode ser considerado um consenso
mínimo, olhando para o século XXI. Por fim, quem são os apoiadores e os inimigos de
governos democráticos e qual o futuro da democracia.
Há variadas pesquisas sobre a percepção e avaliação da
democracia em todo o mundo. A ONG Latinobarómetro publica dados anuais sobre
diversas temáticas, frutos de investigações em diversos países. Os dados sobre
a democracia, no Brasil, não são, digamos, muito entusiasmantes. Em 2015, pouco
mais da metade dos brasileiros defenderiam a democracia sempre, independente
das circunstâncias. Existe, portanto, uma boa parcela da sociedade que não teme
regimes autoritários, seja num contexto especial ou em qualquer situação. Além
disso, é possível perceber uma espécie de polarização entre acreditar em
líderes salvacionistas autoritários e acreditar na participação das pessoas
organizadas como forma de solucionar os problemas da vida coletiva. De fato, a
democracia de hoje não parece dar conta daquilo que as pessoas acreditam ser preciso para melhorar as suas vidas.
Do ponto de vista da teoria política, uma premissa democrática é que o
poder emana do povo. Além disso, costuma-se falar em eleições regulares, livres e
competitivas, voto secreto, sufrágio universal, competição partidária, acesso e
reconhecimento de associações e grupos de interesse e prestação de contas dos
representantes aos eleitores. Robert Dahl, célebre cientista político estadunidense, categorizou uma forma de avaliar o
quão democráticos são os governos, com a noção de poliarquia. Quanto maior for
a inclusão da população nos processos políticos e mais ampla e competitiva for
a busca pelo poder político, mais democrática é a sociedade. Essa visão se apoia nas ideias do austríaco Joseph Schumpeter, também cientista político, desde uma noção procedimental de democracia, em que a
manutenção de um desenho institucional que delimita as regras para a
participação nos processos políticos, para as escolhas dos
governantes e quais as formas de disputar o poder político caracteriza a
possibilidade de definir uma democracia.
Penso na democracia como algo mais ousado. Talvez pense na
democracia enquanto uma utopia, por fazer, que ajuda a caminhar e que, no
caminhar, vai sendo feita. Penso na democracia como igualdade/equidade de
condições para exercer a liberdade de negociar o poder e os rumos da vida em
sociedade. No capitalismo, as relações desiguais entre as classes sociais e o
acesso aos bens e recursos escassos envolvem negociações e exercício de poder.
Em sociedades patriarcais, as relações entre homens e mulheres, desiguais,
envolvem exercício e negociação de poder. Em sociedades colonizadas,
marcadamente escravocratas, as relações desiguais entre populações
tradicionais, negros e minorias étnicas com os descendentes de europeus,
envolvem poder, conflitos e negociações. Há equidade nas condições para o
exercício do poder, na vida cotidiana, no dia a dia do Brasil profundo? Há
equidade de oportunidades para acesso aos bens e recursos escassos? A resposta negativa é uma obviedade.
Jacques Rancière, filósofo francês, diz que o ódio à
democracia existe e sempre existiu entre aqueles que não querem ver o outro
como um igual em possibilidades políticas. O que chama de Estado Oligárquico de
Direito dá o tom da organização política que institucionaliza esse ódio na atualidade. Os oligarcas mandam, acham que representam. O povo obedece,
finge que escolhe, e vai passando a fingir que obedece. A geração de jovens que
ocupa escolas, ocupa as ruas, ocupa a vida com o amanhã feito agora, no
presente, ousa sedimentar uma democracia de escolhas práticas, reais e diretas,
que se auto-organiza e não parece se conectar com facilidade aos ditames
oligárquicos. Nessa gurizada eu boto fé. Talvez esteja aí o futuro da democracia.
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