Bernardo Caprara
Sociólogo e Professor
O tema da ciência e da tecnologia
na modernidade possui uma ampla gama de abordagens nas Ciências Sociais. As
discussões envolvem, pelo menos, as dimensões epistemológicas, ontológicas e
sociológicas. Este texto apresenta um conjunto de autores indispensáveis para
aprofundar tais questões, constituindo uma espécie de “mapeamento breve” acerca da
temática.
É
possível começar discorrendo sobre o positivismo de Augusto Comte. Nessa ótica,
as Ciências Sociais se assemelham às Ciências Naturais, sendo a realidade
social uma entidade externa ao pesquisador. A realidade social é cognoscível na
sua totalidade, cabendo ao pesquisador descrevê-la e analisá-la. Como cientista
e objeto de pesquisa são diferentes, a ciência pode ser feita com
“neutralidade”, sem que o cientista afete o objeto de pesquisa ou os resultados
dela. Buscam-se leis e regularidades, além de relações causais.
O
pós-positivismo tem em Karl Popper um nome importante. Para o autor, a ciência
é sempre conjectural e provisória. As teorias científicas seriam apenas
teorias, até que sejam “falseadas” pelos fatos. O que as Ciências devem fazer é
procurar provas da falsidade das teorias em questão. O processo de confronto
das teorias com as observações e experimentações pode provar a falsidade ou não
das teorias analisadas. As Ciências devem sempre se aproximar da verdade, mesmo
que seu estado atual seja sempre provisório.
Também
importa falar de Thomas Kuhn. Esse autor costuma ser considerado fundamental
para o chamado “giro histórico e sociológico” dos estudos sobre as “Ciências”,
rompendo com a perspectiva formalista, que não se propõe a discutir a
influência de fenômenos históricos e sociais nos achados científicos. O
referido rompimento estimula a problematização dessas influências na atividade
científica. Kuhn entende que as Ciências se desenvolvem a partir de fases
determinadas. Primeiro, estabelece-se um paradigma, que dá lugar à “Ciência
normal”. Conforme a Ciência segue seu desenvolvimento, novos trabalhos podem
gerar uma crise e engendrar uma “Ciência extraordinária”. Disso, pode ocorrer
uma “revolução científica” e a chegada de um novo paradigma.
Karl
Mannheim entende que é preciso aplicar uma “Sociologia do conhecimento” ao que
chama de “Ciências da Cultura”. As Ciências Naturais não demandariam esse
procedimento, visto que seus paradigmas fundam-se na lógica matemática. A
teoria do autor afirma a “dependência situacional” ou “determinação
existencial” do conhecimento produzido pelas Ciências da Cultura. Mannheim
defende que existem modos de pensamento que não podem ser compreendidos com
rigor se se mantiverem obscuras suas origens sociais.
O
sociólogo Robert Merton delineou quatro conjuntos de imperativos institucionais
que caracterizariam o ethos da ciência moderna e a distinguiriam das
pseudo-ciências: (a) o comunalismo significa que os resultados científicos são
propriedades comuns de toda a sociedade; (b) o universalismo implica que todos
cientistas podem contribuir para a ciência; (c) o desinteresse, com a ideia de
que os cientistas devem agir pela ciência e não por motivos pessoais; e (d) o
ceticismo, que denota a necessidade de as alegações científicas estarem sempre
sob escrutínio crítico.
Pierre
Bourdieu, por sua vez, analisou a produção científica através do conceito de
campo, essencial para a sua Sociologia. Os campos são microcosmos relativamente
autônomos no espaço social, que seguem regras e disputas próprias. A luta no
campo científico conferiria ganhos e perdas aos agentes com base em duas espécies
particulares de capital, o capital social, que está ligado à ocupação de
posições importantes na academia e ao acesso dos agentes a essas relações, e o
capital científico, uma variante do capital simbólico, associado ao
reconhecimento pelos pares. Para o autor, a importância da Sociologia da
Ciência reside na necessidade de uma reflexividade crítica sobre as práticas no
campo científico.
Não
obstante, é com o Programa Forte em Sociologia do Conhecimento que a
valorização do contexto social da prática científica ganha maior relevância.
David Bloor, um dos seus principais expoentes, propõe uma investigação
sociológica voltada aos processos sociais de elaboração cognitiva e de
aceitação do conhecimento científico, inclusive quanto ao seu conteúdo. A ciência
e a tecnologia não estariam livres dos condicionamentos sociais, à medida que
sua validade e legitimidade possuiriam estreita correlação com as dinâmicas
sociais que atravessam o fazer científico. A abordagem de Bloor elenca quatro
princípios: a causalidade, a imparcialidade, a reflexividade e a simetria. Este
último, bastante relevante, expressa um tratamento equivalente do verdadeiro e
do falso, do científico e do social.
Karin
Knorr-Cetina argumenta que existem “conexões transepistêmicas” incorporadas nas
práticas científicas, que precisam ser levadas em conta no que ela chama de
“organização contextual da produção do conhecimento”. As arenas
transepistêmicas não permitiriam diferenciar o que é ciência especializada e o
que se refere a assuntos transversais, porque estaria justamente nas relações
entre ambos os aspectos a construção do conhecimento científico e tecnológico.
Já
Bruno Latour analisa a ciência e a tecnologia desde uma perspectiva
“construtivista”, indicando que o processo de produção científica envolve uma
rede intrincada de elementos humanos (cientistas, engenheiros, financiadores e
etc.) e não humanos (máquinas, laboratórios, insumos e etc.), que deve ser
observado em interação contínua. A chamada teoria do ator-rede propõe seguir os
actantes nas suas interações relacionadas com o resultado da práxis científica,
denominada tecnociência. A produção do conhecimento é realizada em redes,
sustentada por movimentos de aproximações e distanciamentos entre o que se
passa dentro e fora dos laboratórios.
Em
Michel Foucault fortalece-se a ideia de que saber, ciência e tecnologia mantêm
relações próximas com a temática do poder. O desenvolvimento das ciências
modernas acompanha a disseminação das tecnologias de controle e disciplinamento
dos corpos, característica destacada pelo autor central no decurso da
modernidade. O conhecimento acumulado sobre o ser humano acabaria sustentando o
processo de “docilização” e “conformação” dos corpos, na medida em que tais
saberes fundamentam a atuação das instituições modernas.
Ainda
pensando a ciência na interface com o poder, Félix Guattari e Gilles Deleuze
trabalham com as noções de “ciência maior” (ou “régia”) e “ciência menor” (ou
“nômade”). A ciência maior partiria do método científico moderno, tratando o
objeto de estudo de forma isolada, seguindo classificações organizadas,
utilizando amostras e teorias e axiomas. A ciência nômade ocorreria nos
interstícios da ciência régia, sem buscar um desenvolvimento autônomo,
agregando saberes que não possuem um status científico, não sendo considerados
saberes hegemônicos. São saberes restritos, locais e particulares. Para os
autores, ambas as ciências coexistem, mas a ciência maior sempre tentaria
institucionalizar a ciência menor, numa relação de captura e em um jogo de
poderes.
A
última forma de pensar ciência, tecnologia e sociedade abordada neste texto
pode ser agrupada sob o rótulo de “pós-colonialismo”. Em geral, para autores
como Walter Mignolo, Boaventura de Sousa Santos, Aníbal Quijano ou Gayatri
Spivak, a ciência moderna está intrinsecamente conectada ao processo de
colonização europeia sobre os demais continentes do planeta. Ainda que o
colonialismo enquanto política de expansão territorial tenha acabado no século
XX, a “colonialidade” permaneceria no âmbito do saber, do poder e do
imaginário. Boaventura de Sousa Santos, por exemplo, defende que o paradigma
científico moderno criou uma espécie de “linha abissal” entre os conhecimentos
originados no “norte” e no “sul” global, enquanto propõe o que chama de “epistemologias
do sul” como alternativas de valorização dos saberes decolonizados e
complexificação do entendimento da realidade social.
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