Bernardo Caprara
Sociólogo e Professor
Tomei a vacina. Minutos depois, delírios sortidos vieram com tudo. Era um tal de eu, a rua, o ebó na encruzilhada, o carro zunindo no asfalto aos berros do ciclista, as moças rimando no ponto do busão.
Na rua, era o Brasil potência sempre latente que emergia impávido e colosso. O Brasil que se nega a ser Brazil, porque é mistura e mistura é jogo de troca, de cruza. E lá estava eu com a gelada na mão e o sorriso na roda de samba.
Estive também no Gigante da Beira-Rio, com suas arquibancadas lotadas de suor, camisas vermelhas e cachaças nas mãos. Delirei com um país de Lecis e Jamelões, Marielles, Dandaras, Abdias e Miltons, dos Nascimentos aos Santos - mais vivos e presentes do que nunca.
Honro o poeta Belchior e afirmo meus delírios como experiências com coisas reais. Nas fendas do projeto de mundo que privilegia uns poucos, o Brasil ginga. Dribla e "dibla" milícias fanáticas, Farialimers, Projaquers e influencers afogados na vaidade, muitos ensimesmados no muro da mansão.
Na urgência do precário, o delírio é o Brasil de barriga cheia e nutrida, trabalho digno e diversidade valorizada. Pujante e pulsante. Uma terra que produz vacina de alta tecnologia e, ao mesmo tempo, garante aos povos originários a vida na mata ancestral, aprendendo na troca.
Agora, em pleno domingo, sinto bater o tambor e o vento assobiar. Enquanto a rede balança, degusto Manoel de Barros e leio as folhas que caem no quintal. E busco a vida responsiva, sem peste, genocidas e fanáticos autoritários. Delira, Brasil!