Bernardo Caprara
Sociólogo e Professor
Uma tragédia de proporções históricas como a enchente que assola quase todo o nosso estado afeta uma pluralidade de setores da sociedade. A área educacional terá um papel relevante no processo de reconstrução que está por vir, sendo que escolas e universidades já estão na ponta dos acontecimentos, enquanto as águas ainda estão invadindo diversas localidades no Rio Grande do Sul. Em particular, o conhecimento sociológico e o ensino da sociologia na escola básica podem oferecer contribuições importantes para o enfrentamento da crise climática e social que caracteriza o tempo presente.
Neste momento crítico, muitas instituições educacionais vêm mobilizando doações, servindo de abrigo ou auxiliando de diferentes formas. Há docentes e funcionários(as) trabalhando incansavelmente como voluntários(as) em inúmeras frentes. Escolas e universidades compartilham responsabilidades que ultrapassam a formação acadêmica, lidando com aspectos sociais, emocionais, culturais etc. relativos à sociedade em que estão inseridas. A ideia de uma educação que apenas repasse conteúdos é uma ficção de mau gosto, inclusive em tempos de “normalidade”. Educar não significa instalar softwares em hardwares humanos, não tem a ver com transferir informações para páginas em branco ou apenas preparar pessoas para o mercado de trabalho.
Nos lugares afetados em que as aulas estão retornando, e quando as aulas retornarem em todo o estado, o cotidiano vai apresentar ainda mais desafios para o setor. Não bastasse a precariedade salarial e de condições profissionais já existentes, as perseguições ideológicas e a campanha onipresente para sepultar a educação em mercadoria, professoras e professores terão forças para criar espaços de diálogo abertos, em que as e os estudantes possam expressar suas preocupações? Como estabelecer estratégias pelas quais as pessoas se sintam à vontade para questionar as causas das tragédias naturais e buscar soluções críticas e inventivas para os problemas delas derivados? Cabe dizer que respostas positivas a essas indagações não emergem somente como consequências de um colapso socioambiental. Parcela considerável das pesquisas especializadas demonstra que uma educação de qualidade envolve, entre outras coisas, boa estrutura, dignidade profissional e acolhimento e criação de conexões entre os e as partícipes do processo.
Diante da emergência climática, também se mostra essencial que as escolas integrem em seus currículos temas relacionados à cidadania ativa, meio ambiente e justiça social. Os cidadãos e as cidadãs do presente e do futuro precisam analisar criticamente as políticas públicas relacionadas à prevenção de catástrofes, à gestão ambiental e à distribuição de recursos. Nesse sentido, o ensino da sociologia na educação básica oferece uma perspectiva valiosa ao entendimento dos aspectos sociais, culturais e estruturais que colaboram para a vulnerabilidade mediante fenômenos naturais extremos. A sociologia escolar pode auxiliar no estudo das desigualdades associadas à exposição aos riscos ambientais, identificar as barreiras à participação comunitária na gestão de desastres e propor estratégias críticas de fortalecimento dos laços sociais, contrariando a responsabilização individual que move os discursos dominantes na atualidade.
Além disso, a sociologia, de modo geral, ou uma parte dela, vem apoiando a promoção da justiça ambiental, investigando como as políticas de desenvolvimento urbano e de meio ambiente perpetuam a marginalização de determinados grupos sociais. Tais perspectivas sociológicas disponibilizam evidências empíricas e análises aprofundadas capazes de subsidiar medidas para garantir uma distribuição equitativa dos ônus e benefícios das ações de reconstrução e adaptação às mudanças climáticas. Mais do que isso, indicam como a questão da emergência climática requer muito mais do que simplesmente restaurar as estruturas físicas danificadas por uma ocorrência específica, demandando um modelo econômico que a coloque no centro da sua pauta e promova a sustentabilidade ambiental e social.
O enorme descaso com relação à saúde do nosso planeta – favorecendo interesses econômicos imediatos e a manutenção de um modo de vida predatório – resulta na exposição da população a riscos cada vez maiores, especialmente as camadas mais pobres e com menos direitos efetivos. No âmbito da subjetividade, a busca pela gratificação instantânea e o foco no sucesso pessoal obscurecem a compreensão dos impactos das nossas ações sobre o meio ambiente e as comunidades, fomentando negacionismos variados. Na contramão disso, a educação e a sociologia podem fornecer ferramentas para a mobilização em prol de políticas que incentivem a transição para energias renováveis, práticas agrícolas sustentáveis e medidas de adaptação e mitigação das mudanças climáticas. Através de uma abordagem integrada, combinando educação crítica, engajamento cívico e ação política, podemos ter uma chance para construir um futuro mais justo, democrático e sustentável.