ABORDAGEM ARTESANAL, CRÍTICA E PLURAL / ANO 16

América do Sul, Brasil,

quarta-feira, 23 de setembro de 2015

Ele e ela no Brasil dos de sempre

Bernardo Caprara
Sociólogo e Professor

Duas histórias. Ele, homem altamente escolarizado, mestrando. Negro e sambista. Ela, motorista de ônibus em rotas intermunicipais de longa distância. Sobretudo, mulher motorista de ônibus. Ambas as histórias se entrelaçam no cenário brasileiro cotidiano. Num contexto de desigualdades multidimensionais.

Eu apenas ouvia a história dele. Amigo de longa data, ele narrava uma visita de técnicos responsáveis por consertar algo em sua cozinha. No meio da tarde, ele aguardava a finalização do trabalho. Conforme a conversa entre ele e os técnicos ganhava contornos banais, um dos técnicos acreditou ter reconhecido o contratante do serviço.

- Tu é sambista, né... só pode. Negão pra estar em casa de tarde, na boa, só se for celebridade.

Eu apenas ouvia a ela dizer as regras da viagem. Nunca a havia visto na vida, mas simpatizei com a ideia de que ela me levaria à cidade em que trabalho. No entanto, nem todos no veículo pensavam da mesma forma. A realidade é que quase todos ficaram espantados, para dizer o mínimo. A maioria não gostou da ideia de que uma mulher nos conduzisse estrada a fora.

- Moça, moça... quando vai chegar o motorista? A gente quer alguém que dirija bem.

Nas duas situações, eu só conseguia sentir vergonha. Vergonha do que via, da indiferença hegemônica, de como as pessoas reproduziam suas certezas fechadas e excludentes sem maiores receios.

Pensava, ainda, o quanto precisamos de médicos e médicas negras, professores e professoras negras, juízes e juízas negras. Pensava em quanto precisamos de mulheres motoristas, engenheiras e chefes. Não porque os homens brancos não podem ajudar na construção de uma sociedade melhor. Mas porque a injustiça e a desigualdade ainda são grandes demais.

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