ABORDAGEM ARTESANAL, CRÍTICA E PLURAL / ANO 16

América do Sul, Brasil,

domingo, 5 de março de 2017

Depois do carnaval

Bernardo Caprara
Sociólogo e Professor

O fim do carnaval marca o retorno ao compasso do cotidiano. Nas férias, por diversas vezes pensei nas dificuldades e no peso da vida que estamos levando nas grandes cidades. Relaxado, integrado aos lugares que frequentei, vivendo com simplicidade e num ritmo bem menos acelerado, fiquei viajando nos motivos que teríamos para temer ou não o futuro próximo.

De fato, não só do ponto de vista nacional, mas do contexto atual da globalização, é possível indicar sinais de que os tempos vindouros podem ser preocupantes. Sem conseguir dar sentido às nossas vidas hiperconectadas, hiperaceleradas e hiperpolarizadas, parece que a cada dia as promessas modernas de liberdade e igualdade sucumbem quando são confrontadas ao cotidiano feito de desigualdades, violências, violações e desejos frustrados. A gente quer o mundo, parte pra cima e busca conquistá-lo, mas nós sequer sabemos com serenidade se realmente desejamos tudo isso.

Enquanto as férias ainda são consideradas um direito do trabalhador, tenho procurado encontrar o que me falta o ano inteiro. É óbvio que não encontro tudo e que são apenas férias. Por isso, o negócio é acampar. Sério mesmo. No acampamento, a gente opta pelo simples, por fazer o tempo passar mais suave e ficar mais sensível ao que realmente importa. Fazer a própria comida, com calma, sem neurose, sem celular, sem se importar se for uma comida básica, nada gourmet. Conversar com as pessoas, ao vivo, trocando olhares. Misturar sotaques, histórias e culturas numa roda de mate e de alegria. Se for perto da praia, então, os dias passam inteiros, e a vida ensaia se completar.

Agora, no início de mais uma temporada nessa aventura que é ser professor, continuo repleto de dúvidas, angústias e desejos. Há indícios de que a marcha na direção de uma imprevisível tormenta acelerou de vez. Ainda assim, outras vidas estão por aí, comunicando e fazendo pequenas redes de cooperação, solidariedade e amizade. O que virá desse caldeirão pode nos trazer maiores temores ou fomentar novos sonhos. Nesses sonhos, amar e mudar as coisas me interessa mais.

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