Bernardo Caprara
Sociólogo e Professor
Toda segunda-feira é a mesma coisa: recomeçamos nossas rotinas de 
trabalho. Não é raro o desânimo, a sensação de que estamos jogando a 
vida fora, que a recompensa é pequena, seja pela grana, reconhecimento, 
satisfação, etc. Por mais que os “catálogos de sorrisos” expostos nas 
redes sociais disfarcem um pouco, é difícil encontrar algum trabalhador 
que não tenha sentido isso uma vez ao menos. Vários, inclusive, já se 
perguntaram: por que seguir obedecendo ao ritmo desse tipo de vida?
Na Sociologia, temos algumas pistas. Podemos pensar que a exploração do
 trabalho em sociedades capitalistas faz com que os indivíduos da classe
 trabalhadora sigam trabalhando, para conseguir a sobrevivência. A
ideologia dominante (dos dominantes) não permitiria que se enxergasse a exploração (Marx). Dá 
pra pensar que a dominação nessas formações sociais se relaciona ao 
exercício do poder, mas só é efetiva porque as pessoas legitimam a sua 
“servidão” (Weber). Ou, então, que essas relações são legitimadas pelas pessoas,
 mas não são consideradas relações de exploração e dominação, sendo 
tratadas como naturais (Bourdieu).
De qualquer forma, resta a pergunta: por 
que seguir obedecendo àquilo que não me faz bem? O filósofo Étienne de 
La Boétie diz que a responsabilidade trazida pela liberdade nos assusta.
 A "servidão voluntária" tenderia a ser um caminho menos instável e que 
inspira mais segurança. Na década de 1960, o psicólogo social Stanley 
Milgram foi mais longe. Ele passou a estudar o comportamento das pessoas
 em situações que exigiam obediência a uma autoridade reconhecida. Se 
alguém com autoridade ordenasse, as pessoas machucariam algum 
desconhecido? Se o desconhecido implorasse o fim das suas dores, mas a 
ordem fosse mantida, as pessoas seguiriam obedecendo?
Milgram 
foi, sem dúvidas, um dos mais polêmicos cientistas sociais do último 
século. Seus métodos experimentais desafiaram as concepções éticas da 
área e são realmente muito discutíveis. No entanto, os resultados da 
pesquisa são assustadores. Quando as pessoas foram confrontadas com a 
ordem de seguir punindo violentamente um desconhecido, mais de 60% foram
 até o final. A maioria não desobedeceu à autoridade e praticou a 
violência até o limite, sem qualquer razão sólida para isso, mesmo com a
 reação desesperada e os apelos do desconhecido. Recentemente, o 
experimento foi replicado e os resultados foram semelhantes.
Na 
mesma década de 1960, a filósofa Hannah Arendt refletia sobre a 
“banalidade do mal”, com base na cobertura jornalística do julgamento de
 um alto oficial nazista. Sob a firmeza das ordens de uma autoridade, as
 pessoas seriam capazes de realizar as mais atrozes práticas e, à noite,
 dormir tranquilamente sem sentir o peso de qualquer responsabilidade. 
Já Milgram dizia que a crescente divisão do trabalho poderia ter parte 
na percepção cada vez mais reduzida que possuímos acerca do todo. Sem 
entender as relações entre as ações, interações e estruturas sociais, a 
ausência de sentido nos traria medo, incerteza e a sensação de 
desencontro frequente. Para buscar “segurança” e “estabilidade”, nada 
seria mais eficaz do que obedecer e “tirar o corpo fora”.
Entre 
machucar alguém e seguir uma rotina degradante de vida e trabalho, de 
certo há uma boa distância. Porém, num mundo em que as lutas simbólicas 
operam classificando e desclassificando as pessoas em termos materiais e
 culturais, com uma parcela pequena concentrando privilégios variados, a
 insatisfação completa pode ser como gasolina no meio de um incêndio. O 
medo, a desilusão e as frustrações diversas parecem depender apenas de 
uma faísca para que despertem as nossas piores obediências – aquelas que
 banalizam o mal e não afetam o nosso sono.
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