Bernardo Caprara
Sociólogo e Professor
Sociólogo e Professor
Uma das coisas mais preocupantes no tempo presente e no futuro
próximo é a avalanche de notícias e informações falsas chegando para
cada um de nós, por meio de várias plataformas. Se com a falsificação de
textos e imagens uma parcela enorme da sociedade já tem dificuldades de
distinguir o que é verdade e o que é mentira, quando se popularizar a
manipulação de vídeos e áudios nós estaremos, literalmente, mais que
perdidos. Isso já tá rolando, sob a alcunha de “deep fake news” (“falsificação profunda de notícias”, em tradução livre).
Uma das loucuras nisso tudo é que a discussão sobre o “estatuto da
verdade” já existe há muito tempo na Filosofia e nas Ciências Humanas.
Entre as notícias que recebemos no cotidiano, em geral temos condições
de distinguir o que é falso e o que não é. Em grande parte ainda é
simples separar o joio do trigo. Já existem até sites e jornalistas
fazendo isso. Ocorre que a noção de “fact check” (“checar os fatos”),
esgaçada até o limite, não nos leva a um lugar conclusivo. É fácil
questionar diversas conclusões dos “checadores de fatos” sobre
determinados temas mais complexos, que envolvem maior subjetividade. A
menos que se cheque absolutamente tudo (tarefa insana!), a própria
seleção do que checar já denota alguma ausência e pode enviesar um
debate.
No fundo, Jornalismo e Ciências Humanas estão diante da
popularização de algo que atravessa os nossos fazeres profissionais há
um bom tempo, que é a necessidade de estar sempre discutindo o que se
entende por verdade. No Jornalismo, temos, sobretudo, a questão da
imparcialidade. Nas Ciências Humanas, pra falar só de alguns caminhos,
podemos pensar que a verdade é objetiva e basta pesquisá-la; que ela é
objetiva, mas é preciso um trabalho de pesquisa metódico e sistemático;
podemos pensar que só temos condições de conhecer uma parte dela, porque
a verdade é carregada de subjetividades; ou, enfim, que o foco não deve
estar na busca da verdade, mas somente nas subjetividades das relações
humanas.
Nas últimas décadas, o distanciamento da comunidade
científica e a seletividade ideológica dos meios de comunicação de massa
ajudaram a pôr essas instituições sob a desconfiança de diferentes
setores da sociedade. A essa altura do campeonato, com o mundo em
chamas, parece que estamos à deriva, e que diferentes grupos disputam a
direção de um barco que ninguém calcula pra onde vai. Nessa batalha,
perdemos todos. Sem o mínimo de confiança nas mensagens que nos
bombardeiam sem parar, em qual mentira vamos acreditar?
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