Bernardo Caprara
Sociólogo e Professor
Sociólogo e Professor
À frente, centenas de pessoas descem do trem. É cedo, rua bombando.
À direita, no trânsito, o homem de 40 e poucos anos fala ao celular:
- Pode passar a SUV pra outro... meu guri tá indo pra Inglaterra, não vai mais ficar com a nave.
À esquerda, debaixo do viaduto, uma família faz o fogo de chão pro café da manhã.
O homem à direita segue ao telefone. Sinal fechado. Ele dá risada:
- Porra, irmão! O guri fez o melhor colégio, melhor cursinho e tudo mais. Mas não passou. Essa banda na Europa é pra amenizar o baque.
À sombra do viaduto, toalha perfeitamente esticada sobre a mesa improvisada, talheres, pratos e copos sortidos, duas fatias de pão e um café preto aguado. Quatro pessoas pra comer. Duas crianças lavam o rosto e os dentes, sob o olhar atento dos pais.
Atrás, dois vizinhos comentam a chegada da família ao viaduto.
- Falei com eles ontem. Ele tem curso superior, mas não consegue emprego. Há um ano eles viviam dos bicos de ambos. Até isso rareou. Pode ver, ali tá tudo caprichado, com esmero. Tudo limpo, dentro do possível naquelas condições. Olha a barba super bem feita dele.
Aberto o sinal, o pai do garoto viajante arrancou sua Mercedez. Os vizinhos completaram:
- Viu esse que tava no telefone, falando do filho? Negou três vezes uma vaga pro cara na empresa dele. A mina, nem pra faxina ele aceitou.
- Ué, mas por quê?
- Disse que até tinham um currículo razoável, mas que, morando na rua, só podiam ser vagabundos, gente que não se esforça.
Brasil, século XXI. Meritocracias ao avesso. Vida aviltante - ao cubo.
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