ABORDAGEM ARTESANAL, CRÍTICA E PLURAL / ANO 16

América do Sul, Brasil,

sexta-feira, 6 de abril de 2018

O velho Brasil

Bernardo Caprara
Sociólogo e Professor

O que motiva tanto ódio por um líder político em especial? No fundo, é o velho Brasil dando as caras. O ódio pelo ex-presidente operário, que leva as pessoas não só ao protesto, mas também às vias de fato, não se manifesta quando estão em jogo as denúncias contra o patrão gaúcho, o playboy mineiro, o mafioso carioca ou o bispo paulista. Denúncias graves, como ameaças de morte a um familiar para evitar delação, e com tanta ou mais materialidade do que as que existem contra o sindicalista nordestino. Panelas não batem pelas falcatruas deles.

Deméritos jurídicos à parte, a real é que o combustível desse ódio nunca foi a corrupção. Parece ter mais a ver com o nosso processo de modernização, seletivo, racista e violento, do que com um clamor por retidão moral. Somos um país arcaico, apenas seletivamente moderno. Nossas classes abastadas, com renda alta, patrimônio e escolaridade de ponta, não respeitam sequer o próprio liberalismo de Locke ou Smith, preferindo astrólogos de plantão ou financistas puro sangue. Não estão dispostas a pactuar pela redução do abismo social e racial, pois cultuam sua posição dominante, acham chique a distinção e desprezam os subalternos. Preferem mergulhar no esgoto ideológico, flertando com protofascistas, como aponta a grande adesão dessas classes ao candidato bufão e autoritário que temos por aí.

Em 2014, às vésperas da eleição, perguntei a um amigo muito querido, envolvido desde sempre com o agronegócio, por quais razões o setor alimentava tanto ódio ao ex-presidente e seu partido? O governo não trazia dinheiro e mais lucros pra eles? Eles não estavam enchendo os bolsos exportando cada vez mais carne, soja transgênica, laranja e tudo mais? Eles não são capitalistas? A resposta foi simples: é uma questão ideológica. Ou seja, é o nosso arcaísmo oligárquico mostrando as garras, arriscando suas cartas no acirramento dos conflitos políticos e sociais, seguro da sua dominação estilo Casa Grande.

Nada mais do que o velho Brasil. A Constituição Cidadã forjou a arquitetura de um país aproximado do ideário moderno de uma República Democrática. Muita gente deu a vida por isso. Mas, nesse imenso latifúndio, como nos demais do sul global, a modernidade veio sangrando colonialismo e escravidão. Sobrou uma sociedade cindida pela desigualdade racial e de classes, operando, em paralelo, numa pegada estamental. Nossos distintos doutores estão sempre dispostos a surrupiar as regras do jogo, se for pra manter intacta a concentração das riquezas de todos nas suas próprias mãos. Se acham merecedores de privilégios. Afinal, vestem togas ou ternos comprados em Miami. Ah, e odeiam "vagabundos".

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