ABORDAGEM ARTESANAL, CRÍTICA E PLURAL / ANO 16

América do Sul, Brasil,

terça-feira, 2 de agosto de 2022

Regar meus sonhos

Bernardo Caprara
Sociólogo e Professor

Já faz algumas semanas que o meu avô descansou. Talvez por estar enredado em tantas demandas externas, talvez por qualquer outra das tantas tretas do dia a dia, eu venho sentindo aos poucos tudo isso.

Em alguns meses, eu perdi as minhas duas avós e o meu avô. O tempo é implacável e a morte é a única lei absoluta da nossa existência. Para quem segue na batalha da vida, falar dos sonhos pelas manhãs ajuda a dilatar o tempo e imaginar um mundo novo.

É imaginando o passado nos domingos gelados na serra gaúcha ou nas temporadas quentes em Rainha do Mar que eu gosto de lembrar do Vô Nelson. É sentindo como se fosse hoje a mesa cheia de gente ao seu redor e a TV ligada anunciando o jogo do Inter horas depois da Fórmula 1.

Numa madrugada de insônia, visitei a casa da Beira-Mar 501 por imagens de satélite. Meu avô estava inteirinho lá. Estava na varanda cochilando e chamando minha avó. Também estava na horta colhendo rúcula e radicci. Andava por tudo fazendo pequenos consertos e chamava a todos para o jantar. A vida florescia próxima do oceano e banhada pelo Sol do sul do planeta.

Diz o poeta que esse mundo errado nos separou de nós, e que não se sabe mais reparar nas estações. Cultivando as pequenas coisas que nos constituem, vou lembrar sempre do Vô caminhando cedinho rumo ao mar, alegre com seus instrumentos de pesca. Com saudade daqueles dias, quero honrar tudo o que ele fez por mim, jamais deixando de regar meus sonhos pelas manhãs.