ABORDAGEM ARTESANAL, CRÍTICA E PLURAL / ANO 2 (17)

América do Sul, Brasil,

quinta-feira, 7 de maio de 2015

Quem quer ser professor no Brasil?

Fernando de Gonçalves
Doutorando em Sociologia pela UFRGS
Do blog Sociedade dos Indivíduos

Uma publicação do ano passado (mas a qual somente li recentemente) do colunista da Veja Gustavo Ioschpe me chamou a atenção. Embora a coluna traga várias informações questionáveis, algumas delas com considerável carga ideológica (como menções à Cuba sem muito contexto), uma delas me chamou a atenção: a de que não há relação entre melhores salários de professores e melhor qualidade no ensino. O argumento é baseado em algumas pesquisas que mostram que a qualidade do ensino não tende a melhorar com o aumento dos salários. Estejam corretas ou não, essas pesquisas, creio que há uma falha metodológica nesses trabalhos: o pequeno lapso temporal testado, geralmente um ano ou dois.

Imagino que, de fato, um salário maior não melhore significativamente a qualidade do ensino ofertado pelos professores que já estão na ativa, embora cumpra um papel fundamental em atrair candidatos mais preparados para a carreira docente e estes sim podem melhorar a qualidade do ensino. Eu mesmo fui professor concursado da Rede Estadual do Rio Grande do Sul durante alguns meses, mas as baixas perspectivas da rede me levaram para outros caminhos.

Esta investigação terá três etapas, com os seguintes objetivos: 1) descobrir quem queria ser professor no Brasil em 2009, 2) verificar se houve aumento real no rendimento dos professores desde então, 3) Comparar o perfil dos candidatos daquele ano com candidatos à carreira docente 5 anos depois, em 2014, para entender se houve alguma alteração no padrão, acompanhando ou não os aumentos salariais e comparar isso com dados nacionais e internacionais sobre a qualidade da educação brasileira. Nesta postagem, vamos tentar dar conta apenas do primeiro objetivo.


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segunda-feira, 4 de maio de 2015

Qual projeto queremos?

Bernardo Caprara
Sociólogo e Professor

Cortar o cabelo é uma tarefa complexa. Os estabelecimentos que oferecem o serviço trazem consigo um ambiente especial. Rola todo tipo de conversa. Costumo apenas observar, interagindo com educação e monossílabos.

Naquele dia, de repente, a escuta da conversa ao lado chamou a atenção. Duas distintas senhoras dialogavam cheias de si.

- Tu viu? O cara fuzilado na Indonésia, o traficante brasileiro?

- Vi! Bem-feito! Tem que matar mesmo! Matar vagabundo!

O cheiro de morte tomou conta de mim. Viajei. Vi sangue, espada e cruz ao mesmo tempo. Indaguei-me em qual projeto de sociedade as distintas senhoras acreditavam. Algo análogo a uma equação em que “errou” é igual a “morreu”.

Questionei-me se não estava assistindo ali, ao vivo e a cores, ao retrato da falência do projeto moderno, iluminista, racional e pelo bem-estar e dignidade humana. Tamanha empreitada moderna, notadamente cheia de avanços e revoluções, estaria amargando as sarjetas dos tempos atuais?

Ainda deu tempo de lembrar duas coisas. Se é verdade que o Esclarecimento trouxe incríveis inovações tecnológicas e científicas, entregando em parte o que prometeu, também é verdade que se construiu apoiado numa violenta dominação da população europeia e suas ideias sobre os demais povos do planeta. Apoiado no saque ao ouro de Minas Gerais, à prata de Potosí. Na escravização de milhões de africanos. Na imposição de uma doutrina religiosa as diversas culturas cujas crenças eram consideradas coisa do demônio.

Será que as fissuras da modernidade, na prática, sobretudo entre os habitantes do sul global, entre os esfarrapados do mundo, podem ter responsabilidade sobre o discurso de ódio presente por aí? Será possível reconstruir o edifício do Iluminismo, com a matéria-prima da liberdade, da igualdade e da fraternidade trabalhada por corações e mentes vivas e não somente como ícones inertes?

O quanto a modernidade falhou eu não sei e nem quero mensurar no momento. Há aqueles que defendem bem o sucesso de muitas das promessas modernas. De todo o modo, desperto daquele transe, cercado por tesouras e distintas senhoras sedentas por sangue, restou a inquietude de procurar entender as disputas pelo projeto de sociedade que estamos produzindo/reproduzindo dia após dia.

Será um projeto ainda moderno? A propósito, deve ser?

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