ABORDAGEM ARTESANAL, CRÍTICA E PLURAL / ANO 16

América do Sul, Brasil,

segunda-feira, 10 de abril de 2017

Excertos de Frantz Fanon


Os parágrafos que seguem trazem apontamentos referentes a dois textos de Frantz Fanon, que dissertam sobre a colonização enquanto prática e teoria, falando da África, dos colonizadores e dos colonizados, abordando aspectos sociais e psicológicos destes processos de dominação e opressão. As obras de Fanon orientam o leitor para uma compreensão dos fenômenos relacionados à temática, além de oferecer subsídios para as reflexões libertárias e pós-colonialistas.

A condição do colonizado: alienação e opressão

Os verdadeiros condenados da terra são os seres colonizados, que viram suas estruturas sociais ruírem com sobrenatural potência. Não sobraram pedras sobre pedras, não restaram vestígios dos sistemas de referência das populações autóctones e um novo mundo foi forçosamente trazido pelos Impérios Coloniais. Tratou-se de um processo incansável de destruição das características dos nativos, substituídas e postas como selvagens, primitivas, sem razão de serem simplesmente consideradas.

O colonizador tem feito e continua a fazer o colonizado, ou seja, o colonizador tira os seus bens e as suas verdades do sistema colonial. As argumentações centrais que procuram legitimar a dominação colonial estão marcadas em sentenças racistas, que estipulam para o colonizado valores como a preguiça, a selvageria, a impulsividade. Parte atuante nesse cenário, o colonizado constrói uma visão em si oriunda de fora de si, renega-se enquanto negro, num complexo que pretende remontá-lo na figura de um não-negro. A cultura metropolitana passa a vigorar com força impressionante, evadindo as identidades dos colonizados, tirando eles de sua terra, fazendo-os assumir, num complexo de inferioridade, os valores culturais dos colonizadores.

O colonizado se despersonaliza, está alienado pela postura do colonizador. No contexto colonial, lembremos que o racismo constitui a ideologia mais forte e arraigada. Trata-se da superioridade técnica do colonizador travestida em superioridade biológica; como se dissessem aos colonizados que suas técnicas eram ultrapassadas e, portanto, suas características biológicas inferiores. O colonizador levará sua luz às trevas dos colonizados, construindo os alicerces, nestes argumentos, da alienação que servirá de base do sistema colonial. A alienação colonial inferiorizará o colonizado, ao que o sujeito inferiorizado reagirá, numas das combinações possíveis, vestindo uma máscara branca e completando o ciclo do racismo com eficácia. O colonizador deita sua cabeça no travesseiro com serenidade, pois estará subjugando uma “sub-raça”; o colonizado se sentirá fraco, rebaixado, o que majorará uma dominação além dos fatores físicos.

A colonização possui, sim, suas estratégias. Os colonizadores ocupam o espaço de guiar os colonizados, selvagens e cruéis por natureza, tentando com que esses atributos, controlados pelos colonizadores, não sejam postos em evidência no cotidiano de ambos. Os selvagens, os colonizados, precisam, demandam a sabedoria orientadora dos colonizadores. Sem eles os colonizados perderão seus rumos, sucumbirão aos seus instintos primitivos, distanciar-se-ão de qualquer perspectiva civilizatória. Os colonizadores afirmam tais preceitos aos colonizados, numa rede de convencimento e imposição, numa teia de relações, num universo de inferioridade, de negação de si mesmo e assimilação do outro num patamar mais qualificado.

As estruturas coloniais seriam, nas estratégias dos colonizadores, uma espécie de mãe que defenderia seus filhos – os colonizados – de suas próprias atribuições biológicas, de sua inferioridade ontológica, de sua fisiologia enfraquecida. Solidificada a colonização e a hegemonia dos colonizadores, um conjunto de conseqüências pode levar ao desmoronamento das posições de resistência e defesa por parte dos colonizados, numa patologia produzida diretamente pela opressão colonial. A neurose passará a dominar os colonizados, que não mais se aceitarão na sua auto-imagem, na sua cor, tentando aniquilar a sua própria presença. A construção da máscara branca começa na rejeição da sua cor, numa espécie de negro-fobia, na fuga das suas características agora estereotipadas negativamente pelos colonizadores.

Não vestir a máscara branca: revolta e violência

A luta do intelectual colonizado trabalhará no sentido de reconstruir a história do seu povo, trazer seu passado de volta, o passado da sua cultura, exibir sua magnitude e todo seu resplendor. Ao não se submeter ao processo de assimilação, ao não vestir a máscara branca, ao não compactuar com os pressupostos de superioridade dos colonizadores, os colonizados se revoltam abertamente contra seus opressores. Apesar de inserido num contexto colonial, no bojo de um movimento de negação, o colonizado encontra na revolta violenta o único enfrentamento eficiente no caminho da libertação. Mas não devemos nos espantar com as revoltas violentas dos colonizados.

Pelo contrário, num cotidiano que exala a violência, qual seja, o colonial, os colonizados encontrarão respostas absolutas para suas situações absolutas. Velada ou explícita, na expropriação das terras e/ou nos racismos, no canhão e nas baionetas, a violência faz parte da rotina colonial. Os colonizadores cansaram de afirmar que os selvagens, primitivos e inferiores colonizados só entendem os civilizadores na base da força violenta; eis que o caminho da emancipação foi lhes dado pelos próprios opressores. A ironia das dinâmicas sociais coloca no intuito emancipatório dos colonizados o mesmo argumento, baseado na crença de que os colonizadores só entenderão a legitimidade da causa libertária se contrapostos pela violência. A recuperação, com efeito, da dignidade humana dos colonizados dependerá da violência, tida nesse momento como contra-violência. Ao agir no mundo real, nas violências da luta anti-colonial, o colonizado transforma a própria realidade, mas sobretudo transforma a si mesmo. O homem colonizado se libertará na e pela violência.

REFERÊNCIAS

FANON, Frantz.
Os Condenados da Terra. 2. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1979.

_____________. Black Skins, White Masks. New York, NY: Grove, 1968.

LIPPOLD, Walter. O pensamento anticolonial de Frantz Fanon e a Guerra de Independência da Argélia. Monographia, Porto Alegre, número 1, 2005. Disponível em: http://www4.fapa.com.br/monographia/artigos/1edicao/artigo5.pdf
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