Bernardo Caprara
Sociólogo e Professor
Lista atrás de lista, a política brasileira entra em acelerada
decomposição. Ficam cada vez mais claras as relações promíscuas entre
Estado e mercado. Políticos e agentes públicos recebem propina, investem
em campanhas eleitorais, são reeleitos e articulam os interesses das
empresas pagadoras, em pleno Congresso Nacional. Há, pelo menos, duas
vias para explicar essa promiscuidade a partir da Sociologia: as teses
patrimonialistas e as teorias críticas.
As teses patrimonialistas depositam sobre os políticos e os agentes
públicos a responsabilidade pelos principais problemas sociais. Ocorre a
apropriação do Estado por pessoas e grupos privados, num processo
histórico que conforma uma espécie de “estamento”. O estamento manipula
as dinâmicas políticas e chantageia os empresários e a sociedade civil,
fazendo da corrupção uma prática intrínseca ao poder público. Nessa
ótica, o mercado pode ser visto como o espaço da virtude, do trabalho
produtivo e da dignidade, enquanto o Estado representa os privilégios e a
ineficiência. Resta, portanto, a tarefa de modernizar o Estado,
instituindo uma ordem burguesa até então sufocada pela burocracia
estamental. Para isso, é preciso diminuir o tamanho do Estado e adotar a
racionalidade da gestão empresarial, afastando, assim, a degradação da
esfera política.
Já as teorias críticas entendem que, nas modernas formações sociais
capitalistas, o Estado é apropriado pelas classes abastadas, a fim de
que a política seja a representação dos seus interesses. Porém, isso é
reflexo de uma relação mais ampla, o conflito entre classes sociais,
marcado pelo conflito entre o capital e o trabalho. Mais recentemente,
tem se observado que tais conflitos são atravessados por uma gramática
moral, própria à modernidade, pela qual são invisibilizadas,
justificadas e legitimadas as desigualdades sociais. Se as pessoas não
se dedicam, não se esforçam e não possuem uma ética do trabalho
produtivo acima de tudo, não são merecedoras de uma vida digna. Essa
ideia não permite que se compreenda os mecanismos de reprodução dos
privilégios injustos das classes dominantes, oriundos de uma sociedade
que não oferece as mesmas chances para todos de acesso ao capital
econômico e cultural, recursos determinantes para uma boa vida.
Parando de procurar a pureza de ambas as abordagens, podemos encontrar
pontos de conexão entre elas. Dessa forma, penso que se pode desenvolver
uma leitura mais fidedigna da modernização em países periféricos do
capitalismo global, como o Brasil. Talvez esteja no tratamento
sociológico rigoroso das possibilidades de contato entre as teses
patrimonialistas e as teorias críticas o caminho para entender melhor o
nosso país. Acontece que, na vida prática, cotidiana, os movimentos da
política parecem apontar para a vitória eleitoral, ali na frente, do
pensamento gerencialista que enxerga no mercado o reino de todas as
maravilhas. Com isso, do Estado pode sobrar somente a repressão e a
cobrança de impostos, fazendo da cidadania e da busca por uma sociedade
mais harmônica algo totalmente inviável.
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