ABORDAGEM ARTESANAL, CRÍTICA E PLURAL / ANO 16

América do Sul, Brasil,

sábado, 29 de abril de 2017

A dignidade de um trabalho decente


Bernardo Caprara
Sociólogo e Professor

A greve, historicamente, é um dos principais instrumentos de pressão dos trabalhadores. O conflito entre capital e trabalho constitui as sociedades capitalistas. Por mais que os agentes econômicos possam querer uma boa vida para todos, capital e trabalho possuem interesses distintos. O capital busca maior rentabilidade; os trabalhadores querem melhores salários e condições de trabalho.

De 1789 a 1917, da Revolução Francesa à Revolução Russa, o capital ditava as regras das relações econômicas sofrendo pressões pontuais, como a Primavera dos Povos, em 1848, ou a Comuna de Paris, em 1871. As condições de vida dos trabalhadores eram terríveis. Jornadas de trabalho de 16 horas diárias, acidentes corriqueiros nas fábricas, crianças pequenas fazendo atividades de adultos, mulheres grávidas trabalhando em contextos insalubres. O capital apregoava um mundo de “liberdades”, no qual os direitos trabalhistas eram entraves para o desenvolvimento.

Em outubro de 1917, quando os camponeses e operários tomaram o poder na Rússia, pela primeira vez quem vivia do suor do seu trabalho enxergava a possibilidade de uma sociedade sem exploração de classes. Anos depois, em 1929, a quebra da Bolsa de Valores de Nova Iorque desestabilizava o capitalismo moderno. O Ocidente olhava para Moscou como uma ameaça real. Logo viria a Segunda Grande Guerra e o populismo de extrema direita de Hitler e Mussolini.

De 1933 até o final de 1970, de olho na ameaça Soviética, o Ocidente capitalista se reinventava. Franklin Delano Roosevelt, quatro anos após a Grande Depressão, iniciava as políticas econômicas do New Deal, pelas quais o governo passava a investir maciçamente em obras públicas, criava agências de regulação do mercado, diminuía a jornada de trabalho, instituía o seguro-desemprego e outras medidas para atenuar as mazelas dos trabalhadores estadunidenses. Era o prenúncio do Estado de Bem-Estar Social, consolidado depois da guerra, a partir das orientações de John Maynard Keynes. O Estado passava a regular o mercado efetivamente, e a tributação subsidiava políticas públicas e seguridade social.

O século XX, sociologicamente, terminou em 1989. O fracasso da burocracia Soviética abriu espaço para a dilapidação da estrutura de defesa dos trabalhadores no mundo Ocidental. Um pouco antes, Margareth Thatcher, na Inglaterra, e Ronald Reagan, nos EUA, aceleraram a desregulamentação financeira, diminuindo impostos dos grandes empresários e fomentando o capital transnacional. As cartas do “fim da História” estavam jogadas. Bancos, seguradoras e grandes corporações dominavam as relações econômicas.

Em 2007, a “crise do subprime”, empréstimos de alto risco e sem lastro, símbolo da desregulamentação, jogava o capitalismo contra a parede. O Estado, mais uma vez, entrava em cena e salvava banqueiros e empresários. Alguns apressados anunciavam o começo de uma era “pós-neoliberal”. Só que a Grécia, a Espanha, a Itália e muitos países seguiam sofrendo a pressão dos credores para detonar direitos e implodir os serviços estatais.

De lá para cá, os rendimentos do capital cresceram e a desigualdade também. É nesse cenário que as reformas colocadas goela abaixo no Brasil estão inseridas: num contexto de ofensiva do grande capital. As mobilizações de trabalhadores pelo mundo demonstram que esse jogo não acabou. A nossa existência, a dignidade de um trabalho decente, essa luta segue viva como há 100 anos.

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