ABORDAGEM ARTESANAL, CRÍTICA E PLURAL / ANO 1 (16)

América do Sul, Brasil,

domingo, 3 de junho de 2012

O programa da austeridade


Paul Krugman* / Nobel de Economia (2008)
Tradução: Bernardo Caprara / Reproduzido do El País

“O ápice econômico (e não a crise) é o momento adequado para a austeridade”. Isso afirmava John Maynard Keynes há 75 anos, e tinha razão. Mesmo quando se tem um problema de déficit em longo prazo – quem não tem? –, diminuir drasticamente os gastos enquanto a economia está desaquecida é uma estratégia contraproducente, não faz mais do que agravar a recessão.

E por que o Reino Unido está fazendo justamente o que não deveria fazer? Ao contrário dos governos da Califórnia e da Espanha, por exemplo, o governo britânico pode adquirir empréstimos livremente a taxas de juros mais baixas do que nunca. Então por que o governo está cortando investimentos e eliminando centenas de milhares de empregos no setor público, ao invés de esperar a economia se fortalecer?

Nos últimos dias, tenho feito essa pergunta a alguns defensores de David Cameron (Primeiro Ministro da Inglaterra), tanto em ambientes privados, quanto na televisão. Todas essas conversas têm seguido um padrão semelhante: eles começam com uma metáfora ruim e terminam revelando os verdadeiros motivos ocultos. 

A metáfora ruim – que todos já escutamos muitas vezes – equipara os problemas da dívida de uma economia nacional com os problemas de endividamento de um núcleo familiar. Uma família que assumiu uma dívida excessiva, diz a metáfora, precisa apertar o orçamento e reduzir os gastos. Portanto, se o Reino Unido como um todo engendrou um endividamento excessivo (embora a maior parte da dívida seja privada, e não pública), não deve agir da mesma forma? O que há de errado nessa comparação?

A resposta é que uma economia não é a mesma coisa que uma família endividada. As nossas dívidas são, na sua maioria, forjadas em dinheiro que devemos uns aos outros; e, ainda, o que é mais importante, nossas receitas se originam principalmente do que vendemos uns aos outros. Suas despesas são a minha renda e as minhas despesas são os seus ganhos.

E o que acontece quando todo o mundo reduz os gastos de modo drástico na tentativa de pagar o que deve? A resposta é que as receitas de todo o mundo ficam menores. As minhas receitas diminuem porque vocês estão gastando menos, e as receitas de vocês diminuem porque eu estou gastando menos. À medida que as nossas receitas estão cedendo, o problema das dívidas se agrava, e não melhora.

Nada disso é novo. O reconhecido economista estadunidense Irving Fisher já nos explicou, por volta de 1933, resumindo o que denominava “deflação da dívida” com o conciso e expressivo lema: “quanto mais os devedores pagam, mais devem”. Os acontecimentos recentes, sobretudo o mórbido espiral de austeridade disseminado na Europa, estão ilustrando com feições trágicas a validade das ideias de Fisher.

Vigora uma moral clara para esta história: quando o setor privado tenta desesperadamente pagar o que deve, o setor público deveria agir no sentido oposto, e gastar quando o setor privado não pode e não quer. Uma vez que a economia se recupere, é lógico que o orçamento deve ser equilibrado. A expansão constitui o momento adequado para a austeridade, e não a crise.

Digo novamente que isso não é nada novo. Sendo assim, por que tantos políticos insistem em aplicar medidas de austeridade durante a crise? E por que não mudam de estratégia nem sequer quando a experiência confirma as lições da teoria e da história?

Ora, este é o instante em que as coisas se mostram interessantes. Pois quando um deles (políticos) pressiona os defensores da austeridade demonstrando para eles a falácia da sua metáfora, quase sempre eles se refugiam em afirmações como: “no entanto, é essencial reduzir o tamanho do Estado”.

A assertiva de que a crise econômica demonstra a imperatividade de reduzir o tamanho do Estado é muito comum. Porém, é manifestamente falsa. Basta mirar para as nações europeias que resistiram melhor às tempestades que lá estarão, no topo da lista, países com grandes Estados como a Suécia e a Áustria.

Por outro lado, se olhar para os países que os conservadores admiravam antes da crise, lá estarão opiniões como a de George Osborne, Ministro da Economia e da Fazenda do Reino Unido, arquiteto da atual política econômica da região, que descreve a Irlanda como “um magnífico exemplo da arte do possível”. O Instituto Cato elogiou os baixos impostos da Islândia e recomendou que outros países industrializados “aprendam com o êxito desse exemplo”.

A defesa da austeridade no Reino Unido não tem realmente nada a ver com os déficits na economia; tem a ver com usar o pânico causado pelo déficit como desculpa para desmantelar programas sociais. Isso é exatamente o que está acontecendo nos Estados Unidos.

Para fazer justiça aos conservadores do Reino Unido, sublinho que eles não são tão toscos quanto os conservadores estadunidenses. Não gritam contra os males dos déficits para, logo depois, exigirem vastas reduções de impostos para os ricos (mesmo que o governo de Cameron tenha rebaixado consideravelmente as taxações mais elevadas). Em geral, parecem menos decididos do que a direita estadunidense a favorecer os ricos e prejudicar os pobres. Só que a direção das políticas é a mesma, bem como a sólida falta de sinceridade exposta nos chamamentos que promovem a austeridade.

A grande pergunta é se a evidente incapacidade da austeridade para produzir uma recuperação econômica conduzirá a um Plano B. É possível. Suspeito que, mesmo que um dito Plano B seja anunciado, não será grande coisa. Porque a recuperação econômica nunca foi o objetivo. A defesa da austeridade sempre tentou usar a crise, mas nunca resolvê-la. E continua assim.

 * Paul Krugman (saiba mais) é Economista, Prêmio Nobel de Economia em 2008. Possui uma coluna no jornal The New York Times, cujo original deste texto está acessível para leitura.
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