A revista Carta Capital entrevistou o pensador francês Edgar Morin, hoje com 90 anos, no auge da sua lucidez, em Paris. A entrevista foi publicada na edição do dia 15 de maio de 2012. O sociólogo, ex-integrante da Resistência Francesa, possui origem judaica e trocou de nome durante a Segunda Guerra Mundial. Seus dois últimos livros se chamam, respectivamente, "O caminho" e o "O caminho da esperança", este último elaborado com o ex-embaixador Stéphane Hessel, de 94 anos.
Morin, que possui trabalhos em diversas áreas e é considerado um dos maiores intelectuais franceses ainda vivos, considera que "[...] a grande questão atualmente é saber como abolir a especulação do capital financeiro (saiba mais sobre o capital financeiro) que aterroriza os Estados e esmaga os povos, como na Grécia”. O francês falou sobre variados assuntos. Reproduzimos abaixo a entrevista produzida pela Carta Capital, através do sítio da Escola da Complexidade.
Edgar Morin: Depois de "Indignez-vous", diziam a Hessel que não bastava indignar-se, e ele retrucava afirmando que "O Caminho" apontava uma via. Decidimos então fazer um pequeno livro, num contexto mais francês, para defender, durante a campanha presidencial, uma política possível mesmo neste país em situação de interdependência em relação à globalização. Depois do fim dos totalitarismos do século XX, novos monstros surgiram, o capitalismo financeiro desconectado da produção e os fanatismos nacionalistas, étnicos e religiosos.
CC: O senhor diz no livro "O Caminho da Esperança" que o liberalismo econômico revelou-se uma ideologia falida e que o laissez-faire, mais do que enriquecer, empobreceu as pessoas. Como seria uma economia social solidária?
EM: Se desenvolvermos a agricultura familiar e orgânica, produziremos alimentos de qualidade para todos. Mas seria preciso haver cooperativas, associações como as Amaps francesas, para eliminar intermediários predadores. Esse tipo de comércio funciona entre pequenos produtores de cacau e café na América Latina. Numa economia plural, a hegemonia do lucro seria reduzida progressivamente, porque desenvolveríamos cada vez mais outras formas de produção e consumo.
CC: Entre as citações que abrem "O Caminho", há a frase de Kenneth Boulding: “Quem acredita que um crescimento exponencial pode durar para sempre num mundo finito é um louco ou um economista”. Qual o futuro do homem no planeta?
EM: No futuro haverá uma possibilidade de metamorfose sociológico-cultural que responderá à realidade da interdependência planetária atual. Tudo deve ser reformado, a justiça, a economia, a burocracia, o consumo, o modo de vida, o amor. Nosso desenvolvimento técnico industrial ainda não destruiu o planeta porque ele pode subsistir mesmo quando o homem não existir mais. A bomba pode acelerar um pouco as coisas.
CC: No Le Monde, três especialistas dizem que um ataque preventivo de Israel contra alvos iranianos seria um erro de consequências dramáticas. Segundo eles, esse ataque partiria de um país não signatário do Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares (TNP), Israel, contra um país signatário, o Irã. Isso provocaria uma implosão do TNP, que protege contra a proliferação nuclear. O que o senhor pensa disso?
EM: Israel, Paquistão e Índia fabricaram suas bombas atômicas sem autorização. Se o Irã faz a sua, segue o mesmo exemplo. O Irã é uma ditadura político-religiosa extremamente criticável, mas ainda não fez a bomba, enquanto Israel deve ter entre 100 e 200 ogivas nucleares. Penso que o perigo do Irã na situação mundial não é o da energia nuclear, antes a degradação dos conflitos múltiplos do mundo muçulmano do Oriente Médio, entre xiitas e sunitas. A intenção de Netanyahu de bombardear o Irã é uma forma de desviar a atenção da questão palestina, da colonização que continua. Se lançar um ataque contra o Irã, embarcará numa aventura da qual não se poderão medir as consequências.
CC: Há alguns anos o senhor escreveu no Le Monde o artigo “Israel-Palestina: O câncer”, que foi processado por antissemitismo e inocentado. Na França não se pode criticar Israel?
EM: Essa é a estratégia não somente das autoridades políticas israelenses, mas de instituições como o Conselho Representativo das Instituições Judaicas da França, cuja finalidade é justificar tudo o que Israel faz. Qualquer crítica à política israelense é rotulada de anti-semitismo, mesmo feita por um judeu. Por que essa histeria política dá certo? Primeiramente, porque há uma grande parte de judeus com uma espécie de cordão umbilical com Israel, para eles a primeira ou a segunda pátria, e eles gostariam de vê-la sem mácula. Na Alemanha, a política de exterminação de Hitler pesou nas consciências. Na França, o governo de Vichy colaborou com a deportação dos judeus. Esse complexo de culpa paralisa toda crítica a Israel. Ninguém é assassinado por criticar, mas quando criticamos somos acusados de anti-semitismo.
CC: Como o senhor viu a Primavera Árabe? O que pode surgir das revoluções tunisiana, egípcia e líbia?
EM: Vi essas revoluções com muita alegria. Elas mostram que nossas aspirações eram idênticas às dessas juventudes árabes e de uma grande parte da população muçulmana. Mas vai acontecer como na Revolução Francesa, isto é, 1789 foi um raio de sol e depois houve regressão, confiscos, o terror, Bonaparte. A Primavera inicia uma nova aventura histórica no mundo árabe. Haverá consequências negativas e muitas positivas.
CC: O caso sírio parece mais complexo. Os Estados Unidos estão por trás da insurreição na Síria com o objetivo de desestabilizar o Irã ou o que se passa é uma revolta real contra um ditador forte, apoiado pela Rússia e pela China?
EM: Evidentemente, China e Rússia são um apoio importante para Bashar el-Assad, e é de admirar que a oposição esteja tão dividida. Talvez a insurreição consiga derrubar Assad, mas e depois? Perguntei meses atrás, ao embaixador do Iraque em Paris, um homem culto: “Os aspectos positivos da guerra americana são mais importantes que os aspectos negativos ou é o contrário?” Nós conhecemos os aspectos positivos, entre eles a eliminação de Saddam Hussein, e os negativos, entre outros, o esfacelamento de um país vítima de crises econômicas, políticas e étnicas. Ele me respondeu: “É cedo para lhe dar a resposta”. Então, para a Síria, acompanho o sofrimento dos rebeldes mas não sei o que virá dessa rebelião.