ABORDAGEM ARTESANAL, CRÍTICA E PLURAL / ANO 16

América do Sul, Brasil,

segunda-feira, 6 de abril de 2015

Terceirizações e o precariado brasileiro


Bernardo Caprara
Sociólogo e Professor

Tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei 4330/2004 (1), que pretende autorizar a terceirização indiscriminada no Brasil. Se aprovado, significa que Universidades privadas e públicas poderão terceirizar não mais apenas serviços de limpeza ou vigilância, mas também a contratação dos seus professores ou técnicos educacionais. No limite, os tribunais poderão terceirizar juízes e assim por diante. Um passa. Outro repassa.

Leia também: SOUTO MAIOR, Jorge Luiz. PL 4330/2004: maldade explícita e ilusão

Desde a década de 1970, com a intensificação da globalização econômica e o fim do socialismo real, a desregulamentação das movimentações de capital, a sua concentração e a supressão de direitos trabalhistas estão na ordem do dia. Os direitos vão sumindo e o tão esperado desenvolvimento, o progresso, nunca chega para todos. Só para alguns. A desigualdade aumenta (2). Cresce o contingente de pessoas que vive com baixa remuneração, nenhum estímulo à qualificação e precárias redes de proteção social (3).

O sociólogo britânico Guy Standing, da Universidade de Londres, aponta nas suas recentes pesquisas a existência de uma nova classe social derivada do capitalismo contemporâneo: o precariado (4). Os indivíduos que se enquadram nessa categoria prestam serviços em situações de contratos sempre temporários, com remunerações abaixo da média do mercado, possuem qualificações mínimas e não encontram sentido nas suas atividades laborais. Não se identificam com elas. Como se fossem levados pela maré da sobrevivência, suando por migalhas que apenas os deixam vivos. Não há estabilidade. Nem segurança. Quiçá perspectiva futura.

O Brasil se notabiliza historicamente por um numeroso mercado de trabalho informal. Os dados do IBGE (PNAD 2014) mostram que a informalidade ainda é grande. Joga-se sempre a culpa no Estado e nos impostos, mas poucos lembram de olhar para os países do centro do capitalismo, com as suas altas taxas tributárias e os seus altos índices de formalização do trabalho. Sem dúvidas, é oneroso ser micro ou pequeno empreendedor por aqui. Só que as costas dos trabalhadores não são tão largas para dar conta de todos os reclames do empresariado.

A provável aprovação do PL 4330/2004 oferecerá suporte jurídico a um processo de aprofundamento da exploração dos trabalhadores e promete engordar o caldo do precariado brasileiro, para usar a expressão de Standing. Dezenove dos 26 ministros do Tribunal Superior do Trabalho (TST) declararam-se veementemente contrários ao PL que dizem acarretar “gravíssima lesão social de direitos sociais trabalhistas e previdenciários no País” (5). Saliente-se, ainda, que o serviço prestado por empresas terceirizadas costuma ser de baixa qualidade e imbricar consequências nefastas inclusive para os consumidores.

A advertência de Guy Standing quanto ao provável verniz ideológico do precariado requer um tratamento cuidadoso. O autor constrói a imagem de uma classe social perigosa, filo-fascista, cuja alienação se acentua e os valores da democracia não colam, não surtem muito efeito. É essa classe que o fomento das terceirizações indiscriminadas poderá fazer crescer. É de se pensar, investigar e procurar alternativas. E de se preocupar.

Referências

(1) http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=267841.
(2) https://publications.credit-suisse.com/tasks/render/file/?fileID=BCDB1364-A105-0560-1332EC9100FF5C83.
(3) http://www.oitbrasil.org.br/sites/default/files/topic/employment/pub/economia_informal_241.pdf.
(4) http://blogdaboitempo.com.br/2014/02/14/nova-classe-perigosa/.
(5) http://s.conjur.com.br/dl/oficio-tst-terceirizacao.pdf.

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