Bernardo Caprara
Sociólogo e Professor
Sociólogo e Professor
Tragédias têm o potencial de despertar sentimentos. Solidariedade,
consternação e empatia são bons exemplos. Ocorre que na "sociedade do
espetáculo", no espírito acelerado dos dias atuais, isso passa muito
rápido. Tão rápido que, por vezes, os sentimentos de comunhão e
construção nem saem de um estado embrionário.
Vai vendo...
Tragédias poderiam nos lembrar que o serviço público atende aos mais
necessitados, e que, portanto, não podemos arbitrariamente congelar o
orçamento da União por duas décadas e
não faz sentido algum culpar os servidores pelas mazelas do país;
poderiam nos lembrar que a corrupção deve ser combatida e que o
Parlamento serve para negociar os diferentes interesses dos diferentes
grupos sociais, não para legislar em causa própria; que a Justiça deve
fazer justiça, não vingança, e que um Estado com um Judiciário intocável
e superpoderoso arrebenta com a democracia e os direitos individuais.
Horas depois da tragédia, a vida parece seguir o curso do ódio e da
capacidade de fazer daquilo que a tragédia poderia despertar (empatia e
solidariedade) apenas mais um suspiro de utopia num horizonte distópico.
Seja com o dirigente de futebol falando merda, com parte de torcidas
ironizando a morte do ídolo rival (salve Fernandão!), com o político que
tira o seu da reta, o magistrado que ameaça ou o simples internauta que
queria ver o petista ou o tucano dentro de um avião em pedaços.
No entanto, ainda assim, o suspiro da utopia, que a tragédia pode fazer
atravessar as nossas sombras, ajuda a lembrar que nem tudo tá perdido.
Dos escombros algo distinto pode ganhar vida. O que vai emergir desse
Brasil em convulsão parece estar em aberto. Só não dá pra ser uma besta
ainda mais autoritária e desigual.
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