ABORDAGEM ARTESANAL, CRÍTICA E PLURAL / ANO 16

América do Sul, Brasil,

quarta-feira, 24 de maio de 2017

Lahire e a Sociologia numa escala individual



Para Lahire, Pierre Bourdieu desenvolveu uma das orientações teóricas mais estimulantes e complexas nas ciências sociais, integrando o máximo de sutilezas teóricas e metodológicas nas grandes correntes das sociologias críticas. Portanto, o autor convida a pensar com e contra seu mestre, adotando um espírito crítico e investigativo que o conduz a um programa de sociologia à escala individual, que forneceria as condições de um estudo sociológico cada vez mais singular do social. Esse programa corresponderia a uma radicalização da própria sociologia e à ambição de elevá-la à altura de suas promessas fundacionais.

Segundo Lahire, a compreensão das práticas e dos comportamentos pressupõe uma concepção do social em estado incorporado, sob a forma de disposições para crer, agir e sentir. Desse modo, o autor propõe o estudo da realidade social na sua forma interiorizada, ou seja, um estudo que apreenda o social refratado num corpo individual, que atravessa instituições, grupos e campos de luta diferentes. Seu objetivo é desenvolver uma sociologia disposicional que ultrapasse a simples invocação do passado incorporado, reconstruindo a gênese das disposições, investigando a constituição social e as modalidades de atualização desse passado, bem como os modos de socialização que formam tais disposições. Um programa de sociologia à escala individual permitiria ir além da mera evocação das operações do habitus, tal como feito por Bourdieu, investigando seus mecanismos de inculcação.

Uma de suas principais críticas ao enfoque teórico de Bourdieu corresponde ao princípio da transferibilidade das disposições como algo generalizável a priori, pois, para ele, tal premissa deve ser estudada empiricamente. Lahire afirma que a transferibilidade de uma disposição é muito relativa, sendo mais provável quando o contexto de mobilização está próximo, no seu conteúdo e na sua estrutura, do contexto inicial de aquisição. Desse modo, a teoria de Bourdieu reduziria o complexo processo de exteriorização da interioridade a um funcionamento único e simples de assimilação das situações aos esquemas incorporados e de acomodação dos esquemas adquiridos anteriormente às mudanças de situação.

Segundo o autor, as pesquisas empíricas orientadas por uma sociologia à escala individual apontam a existência de esquemas de disposições de aplicação muito localizada, própria de situações sociais ou de domínios de prática particulares. Desse modo, elas permitem questionar se ao invés de um simples mecanismo de transferência, não há um mecanismo mais complexo de suspensão/ação ou de inibição/ativação de disposições, que supõem que cada indivíduo seja portador de uma pluralidade de disposições e atravesse uma pluralidade de contextos sociais.

Referência


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