ABORDAGEM ARTESANAL, CRÍTICA E PLURAL / ANO 16

América do Sul, Brasil,

segunda-feira, 14 de agosto de 2017

Resistir ao ódio

Bernardo Caprara
Sociólogo e Professor

Na última quinta-feira, voltava da universidade em que trabalho, num ônibus de linha, junto com alunos e alunas. Cansado, consegui um banco para sentar, apesar de o coletivo partir bastante cheio do campus. No meio da viagem, dois rapazes sentados no banco à minha frente se mostravam um meme qualquer. Eram dois homens, brancos, entre os 30 e 40 anos. Olhavam rindo para alguns alunos localizados na parte da frente do ônibus, que conversavam alto sobre os textos que haviam lido na semana. Olhavam rindo e cochichavam alguma coisa.

De relance, sem querer, vi a frase final que estampava o meme no celular de um dos dois homens brancos: era o sobrenome de um pré-candidato à Presidência da República, cuja plataforma mobiliza o ódio contra negros, homossexuais, defensores dos direitos humanos e etc. Ao lado desse sobrenome, havia “2018 neles!”. A cena seguiu por mais algum tempo: olhavam para os estudantes de humanas, para o meme e gargalhavam e cochichavam. Aquilo me deixou nauseado, profundamente incomodado. Lembrei alguns alunos que passaram pelas minhas aulas, nas diferentes instituições que lecionei. Lembrei aqueles que faziam piadas grosseiras contra mulheres, gays e negros, e como se deixavam seduzir pela retórica do ódio, pela simbologia nazifascista e seus derivados.

Parece que caminhamos para uma nova encruzilhada histórica, porque tudo indica que estavam certos pensadores como Adorno e Foucault, por exemplo, quando alertavam para a persistência da semente fascista no “capitalismo democrático” ou na “pós-modernidade”. De fato, com fanáticos de extrema-direita, organizados em movimentos terroristas, o diálogo precisa dar lugar à resistência. Porém, com jovens que a tudo querem “zoar”, muitas vezes imersos em condições de vida degradantes, o diálogo paciente, a conversa atenta, a apresentação de outros caminhos e símbolos, todo um trabalho de base pode ajudar a quebrar a reprodução da barbárie. Mesmo assim, se a exploração do trabalho seguir na toada neoliberal e a vida perder de vez qualquer sentido, vai ser difícil superar o “inverno” que já é realidade.

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