ABORDAGEM ARTESANAL, CRÍTICA E PLURAL / ANO 16

América do Sul, Brasil,

segunda-feira, 25 de abril de 2022

António Damásio e o "erro de Descartes"

Bernardo Caprara
Sociólogo e Professor

O "penso, logo existo" é uma das afirmações mais conhecidas da moderna filosofia ocidental. A "res cogitans" de René Descartes sugeriu uma separação contundente entre mente e corpo, deixando para a mente o local privilegiado do pensamento e da razão, e para o corpo e as emoções o status de obstáculos ao discernimento.

Não é por aí que alguns pesquisadores da neurobiologia da racionalidade vêm caminhando. António Damásio propõe uma visão alternativa ao conhecido postulado cartesiano. No livro "O erro de Descartes - Emoção, razão e o cérebro humano" (1994), o Professor de Neurociência na Universidade do Sul da Califórnia (EUA) argumenta que os sentimentos influenciam bastante a razão humana.

A partir de estudos empíricos sobre lesões em diferentes regiões do cérebro, Damásio sustenta que os sistemas cerebrais necessários para desencadear emoções e sentimentos estão enredados aos sistemas necessários para acionar o uso da razão. Tais sistemas específicos estariam relacionados com os sistemas que regulam o corpo humano.

Nossos sentimentos parecem depender de um complexo sistema dotado de diversos elementos associados à regulação biológica. A razão, por sua vez, dependeria de sistemas cerebrais particulares, sendo que alguns deles processam sentimentos. Isso faz com que possa existir um elo entre sentimentos e razão, e entre eles e o corpo, do ponto de vista anatômico e funcional (p. 216).

O equívoco fundamental de Descartes residiria, portanto, justamente na divisão entre corpo e mente. Para Damásio, compreender a mente humana passa por uma visão focada no organismo. Entender a mente requer entender também o organismo no seu domínio biológico, com corpo e cérebro integrados e interagindo com ambientes físicos e sociais.