Bernardo Caprara
Sociólogo e Professor
Aquela era uma história que qualquer um poderia viver.
Numa tarde qualquer, sentado de frente para o Guaíba, ele fumava um cigarro e se esquentava sob o Sol. Era um dia estranho. Ao sair de casa rumo à orla, uns cinco ou seis moleques apareceram. Agressivos, todos tentaram tirar alguma vantagem, coagir ou botar uma pressão nele. Esquivou-se como conseguiu, tentando frear os ímpetos dos pequenos valentões e entender o que diabos ocorria.
Viajava. Enquanto apreciava as águas à sua feição, um rapaz de pele escura aproximou-se. Seu semblante continha um tempero tipo sangue no olhos, uma mirada carregada de melancolia e apimentada por algum ódio. Bem de perto, o cara indagou-lhe:
- Dá uns pega desse crivo?
- Pô, fuma aí. Tá sereno. – ele respondeu, automaticamente.
E ali ficaram. Por uns bons 20 minutos, partilharam daquela interação. Falaram das ruas, das suas quebradas, de tudo um pouco. Ambos foram se reconhecendo humanos, sinergizados em símbolos e experiências paralelas que se cruzavam naquele instante.
Em casa, horas depois, impactado pelas últimas palavras do jovem morador de rua, nada mais conseguia roubar-lhe a atenção. “Bah, tu é tri humilde”, ressoava. Só se permitia indagar: por quê? Por que havia lhe concedido uma centena de frases e palavras? Por que havia lhe dado uns pegas de um cancerígeno qualquer? Ou, simplesmente, porque o havia tratado como um semelhante, alguém com o qual dividia o seu espaço entre o mundo dos vivos?
Vai saber. Aquilo tudo poderia ser artigo de luxo naquelas bandas.
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